Wednesday, October 29, 2008

MARIA VICTORIA, A REACIONÁRIA DA ENTREVISTA PONG-PONG - Blog do Reinaldo Azevedo - 27/10/08

Fiz um vermelho-e-azul ontem com Maria Victoria Benevides, como viram, a intelectual do PT apresentada apenas como uma cientista política. Está aí abaixo, ainda na homepage. Sim, um pouco e a levei a sério, outro tanto recorri à pena da galhofa — não contem com a tinta da melancolia, reservada apenas a assuntos mais sublimes do que a política, como a luta do Ser contra o Não-Ser Universal, por exemplo. Mas não duvidem: Maria Victoria, se tratada como sintoma ou como um programa político não explicitado, é coisa séria. Em sua entrevista à Folha — foi inaugurado o estilo pong-pong: o entrevistado fala, e o entrevistador radicaliza — , é evidente que ela faz pouco caso da democracia, que, entende-se, só é virtuosa quando as aspirações de seu partido — ou, mais amplamente, da esquerda — são contempladas.

Vejam lá. Aquela senhora disse coisas muito graves, mormente porque é uma professora universitária e, vá lá, tem o pensamento como uma de suas obrigações — recebe do estado para ensinar e para orientar os jovens. Já explorei o suficiente a tolice de tentar encaixar as clivagens contemporâneas na camisa-de-força dos partidos que havia no Brasil pré-64, como se, naquele período, se tivesse plasmado o caráter nacional, e o presente não fosse senão caudatário daquelas contendas. É um raciocínio energúmeno, que elimina a história. No tempo em que PSD, UDN e PTB disputavam a hegemonia política, o Brasil tinha mais de 60% da população no campo — hoje, mais de 80% dos brasileiros estão nas cidades. Mas não só. O Brasil de 1980, que viu nascer o PT, já não existe, com a diminuição da importância da mão-de-obra industrial na economia e... na política. O pong-pong foi só uma manifestação regressiva do marxismo mais bocó, uma espécie de “Dois Perdidos Numa Tese Velha”.

Então ela é irrelevante? Não! Não é, não. Não podemos perder de vista, por exemplo, a caracterização até certo ponto correta que Maria Victoria fez de seu partido. Mas falo disso mais adiante. Antes, quero alertar para algo que me parece bem interessante.

Maria Victoria não é uma “uma”, mas uma legião, como diria a Bíblia. Ela vocaliza uma cultura interna: a do seu partido. E o seu partido, não resta dúvida, reconhece apenas formalmente a legitimidade dos adversários eleitos. Voltem à entrevista e vejam como ela caracteriza Kassab e o governador José Serra — que não tem origem na direita, ela reconhece, mas estaria se “endireitando”. Para ela, o DEM-PSDB só venceu as eleições porque teria conseguido distorcer a compreensão do povo — que, deixado à sua própria natureza, votaria em Marta. É como se o trabalho da Prefeitura nesses quatro anos não tivesse existido. O resultado das urnas foi só o produto da má consciência.

Ora, quais são os desdobramentos de tal abordagem? O primeiro, obviamente, é a baderna que o partido promove nos vários setores da administração quando quem está no poder é um adversário. Ora, Maria Victoria é a prova de que eles não reconhecem a legitimidade do “outro” apenas porque “outro”. Para esta gigante, não existe uma institucionalidade que iguale os adversários em direitos e obrigações, embora eles possam divergir radicalmente sobre todos os assuntos. Ora, numa disputa ética, os oponentes combinam em não divergir sobre uma coisa aos menos: as regras do jogo.

Com o PT não é assim. Vejam o exemplo de setores da Polícia Civil de São Paulo, ora sob comando da CUT e da Força Sindical. Sabem que sua reivindicação é impossível — como eram todas as feitas pelos servidores federais no governo FHC. Mas e daí? “A questão é política, companheiro”. O governador foi unanimemente tratado pela imprensa, e é óbvio e correto, como o grande vencedor individual das eleições de 2008. Uma vitória conseguida nas urnas, com o apoio do mesmo povo que serve sempre para santificar Lula. Mas está às voltas com um grau de radicalismo dos setores sindicalizados da Polícia Civil que beira o grotesco. Haverá o momento em que alguém vai se lembrar de apelar ao PCC, como se fez em 2006? Fiquemos atentos. Se o "outro" é ilegítimo porque "outro", que mal há em sabotá-lo?

E agora...
E, agora, vamos a uma percepção de Maria Victoria que não deixa de estar correta. Reproduzo: “O PT nacional se beneficiou enormemente das políticas regionais e municipais no governo Lula. O PT no resto do Brasil está ligado a propostas e projetos locais, nos quais o conteúdo ideológico é muito pequeno, e a presença da classe média também. Essa classe média forte, organizada, com imprensa, universidades, pequenos e médios empresários, é imensamente mais forte aqui. Dificilmente existe, no resto do Brasil, essa rejeição forte e absoluta ao PT que existe em São Paulo.”

Nem eu diria com tanta propriedade. O país que vai acima é o paraíso dos petralhas. O PT viceja, assegura Maria Victoria, onde a classe média é pequena, fraca, desorganizada, sem imprensa, sem universidades, sem pequenos e médios empresários. Nesse caso, assegura-nos a petista, a rejeição ao PT é menor. Ela tem razão: o PT está se tornando dependente do pobrismo. Com efeito, comunidades prósperas não suportam o petismo. “E Lula nesse contexto?” Lula é outra história, e o próprio Lula sabe disso. Maria Victoria acerta também quando diz que o Apedeuta fez políticas para beneficiar os muito pobres e os muito ricos: a uns, deu Bolsa Família; a outros, deu Bolsa Juros. Até os mais entusiasmados com a política econômica apareceram ontem na TV recomendando que se diminuam os gastos com juros... Num extremo, populismo; no outro, financismo. Mas aqui já estamos falando de outros quinhentos, que vão cobrar a sua conta um pouco mais tarde.

Concluo
Maria Victoria revela-nos um entendimento da política que dá de ombros pra democracia e vê nela um desvio se as urnas não referendam os nobres desígnios que esses “progressistas” têm para o povo. E olhem que estamos falando de eleições municipais. Imaginem se o PT não conseguir inventar um candidato viável para 2010. Os legionários de Maria Vitória vão tentar reagir. Afinal, nem ela nem eles entenderam ainda a democracia. Resta o quê? Vou perguntar ao prefeito Gilberto Kassab se o Haldol está na lista do programa "Remédio em Casa". Se não estiver, tem de entrar. E se poderá fazer um favor a Maria Victoria Benevides.


Por Reinaldo Azevedo

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