Thursday, August 23, 2007

Marcha Sobre Brasília e tomada do estado - Blog Reinaldo Azevedo de 23/08/07

Brasília assistiu ontem à Marcha das Margaridas, uma manifestação de 15 mil “trabalhadoras rurais” financiada com recursos da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), do governo federal e de três estatais: Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Petrobrás. Lula discursou no evento, em tom de campanha eleitoral — faltou o Banco do Brasil com sua propaganda do “Dois mais Um”... — e voltou a falar mal das elites. Apesar do uso evidente do dinheiro público, Carmem Foro, coordenadora da marcha, deu o seu recado: “Tivemos que fazer muita ação entre mulheres, vender bolo, bordar chapéus, vender cabrito, fazer vaquinhas para chegar aqui”. É só a folclorização do pobrismo militante que marca estepaiz. “Nós que apoiamos o presidente Lula não cansamos de lutar”, emendou Carmen. Segundo a Contag, o custo total do ato passou de R$ 10 milhões — cerca de R$ 1 milhão viria desse apoio oficial. Na verdade, todo o dinheiro saiu dos cofres públicos. A Contag não gera receita. Ela vem dos programas oficiais de incentivo à agricultura familiar. Eu e você ajudamos a pagar a manifestação de apoio ao Babalorixá de Banânia.
Vasculhei os jornais. Não há e não haverá uma miserável crítica ao uso de dinheiro público numa mobilização de caráter obviamente político. Vê-se que a tal Carmem está dando uma resposta ao Cansei, a mais demonizada manifestação havida no Brasil em período democrático. Nunca tantos protestaram contra um protesto como nesse caso. Até onde sei, os organizadores usaram seus próprios recursos. O mesmo se dá com os que perseguem Lula com vaias. Compram eles mesmos o seu nariz de palhaço. Se a CEF, o Banco do Nordeste e a Petrobras podem patrocinar uma manifestação a favor do governo, dêem-me um só motivo para que não financie uma contra. As estatais não pertencem a Lula ou ao PT, mas ao estado brasileiro, que não tem partido. No caso da Petrobras, tanto pior: é uma empresa de capital aberto. Os investidores estão ajudando a financiar o proselitismo oficial.
Vejam um vídeo que postei às 19h02 de ontem. Trata-se do material de convocação e divulgação do 3º Congresso do PT, que acontece no fim do mês. O partido retoma a sua retórica socialista, declara seu vínculo com o famigerado Foro de São Paulo e não economiza palavras: “Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção do socialismo, é necessário realizar uma mudança política radical. Os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no poder de estado. Não há qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político de estado a seu serviço”. E mais adiante: “Não basta chegar ao governo para mudar a sociedade. É preciso mudar a sociedade para chegar ao governo.”Leiam o trecho que está em vermelho à luz, agora, da Marcha das Margaridas. Trata-se, obviamente, de uma confissão: o partido está colocando O ESTADO A SERVIÇO não exatamente de uma classe, mas de seus próprios interesses. Cadê os anões do jornalismo para acusar o cinismo dos manifestantes? Li ontem o texto de um senhor, no Estadão, que esculhambava, uma vez mais, o Cansei. Segundo ele, um dos participantes pagou uma pequena propina para conseguir sei lá que benefício. Impressionante como essa gente convive com pessoas dadas a canalhices. Eu não convivo. Se meus amigos fazem safadezas, têm ao menos o bom gosto de não me contar. E sabem por quê: não acharei nem meritório nem engraçado. Sabe cada um os amigos que lhe ficam bem.Rigor e laxismoVejo a imprensa, na média, cobrir com rigor o mensalão (de volta com o julgamento no STF) e o imbróglio Renan Calheiros, para citar dois casos. É uma pena que não seja rigorosa também na cobertura do que eu chamaria “questões institucionais”. Ora, um jornalismo que se cala diante de um fato como o de ontem — uma manifestação pró-Lula financiada com dinheiro público — perdeu os parâmetros e as medidas do regime democrático. Vejam lá a confissão no vídeo do PT. Parece-me evidente que o esforço para “mudar a sociedade” está sendo bem-sucedido. Já não se distingue com clareza o legal do ilegal.Resulta que somos, como imprensa, rigorosos, sim, com o crime, mas laxistas com suas supostas motivações nobres. Afinal, desdenhar da “direita cínica” que vai à rua dizer que “cansou” corresponde a bater nos vilões de sempre — as tais “elites” brasileiras. Já ousar indagar a legalidade do apoio oficial a uma marcha de apoio ao Estimado Líder parece coisa imprópria. Afinal, aquelas senhoras que lá estavam eram “agricultoras”... Errado! Eram parte de um projeto de poder. Projeto que não inventei e cujas intenções estão claramente reveladas no tal vídeo. Lula, diga-se, nele aparece em meio a líderes como Hugo Chávez, Evo Morales e Fidel Castro.Marcha das Margaridas? Eu a chamaria de “Marcha Sobre Brasília”, pisoteando a legalidade. Mais uma peça do meticuloso trabalho de tomada do Estado que está em curso. E anunciado em vídeo.
Por Reinaldo Azevedo

PT confessa em vídeo: quer o estado a seu serviço. E reafirma seus vínculos com o Foro de São Paulo - Blog do Reinaldo Azevedo - 23/08/07




Muito cuidado nesta hora.

O PT realiza, entre os dias 31 deste mês e 2 de setembro, no Centro de Convenções Imigrantes, em São Paulo, o seu 3º Congresso Nacional. No Youtube, há um vídeo, dividido em partes, em que se apresenta o evento e se trata dos assuntos que serão debatidos. Na retórica ao menos, é inequívoco, há um visível retorno ao “socialismo”. Outro assunto que a grande imprensa faz questão de esconder, não sei por quê, é abordado pelo partido com orgulho: “O Foro de São Paulo”. Mais: o partido revela a sua inclinação gramsciana — e, pois, totalitária —, ainda que fale em “democracia”.

Vamos ver. Clicando na imagem acima (se não conseguir, clique aqui), você assiste à terceira parte do material de divulgação e convocação do Congresso. Ele trata especificamente da “construção do socialismo”. De qual socialismo? Isso o PT não diz há 27 anos. A apresentadora deixa claro que a formulação sobre a luta socialista definida no 5º Encontro Nacional, de 1987, continua a valer em 2007. E ela diz literalmente:

"Para extinguir o capitalismo e iniciar a construção do socialismo, é necessário realizar uma mudança política radical. Os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no poder de estado. Não há qualquer exemplo histórico de uma classe que tenha transformado a sociedade sem colocar o poder político de estado a seu serviço”. E mais adiante: “Não basta chegar ao governo para mudar a sociedade. É preciso mudar a sociedade para chegar ao governo”. Quem nunca ouviu falar do teórico italiano Antonio Gramsci ou nunca leu a sua obra não dará o devido peso ao que vai acima. Quem conhece as suas formulações viu a fuça do totalitarismo. Ora, quem representa “os trabalhadores” segundo o PT? Se o partido é investido de tal caráter, tudo o que fizer — e isso inclui seus crimes — está a serviço dessa construção histórica. Tanto é assim, que cumpre observar: mensaleiros e aloprados continuam no partido. Ninguém foi ou será punido.

A afirmação de que não há exemplo de classe que tenha mudado a história sem pôr o estado a seu serviço não passa de delinqüência intelectual submarxista. Mas é, de novo, uma confissão. Para eles, quem encarna o poder “dos trabalhadores”? O PT. E como se põe o estado a serviço dos trabalhadores? Ora, pondo-o a serviço do PT. Gramsci, que queria “o partido” como o Moderno Príncipe, dizia que ele deveria ser o “imperativo categórico” da sociedade e que tudo deveria existir e ser feito em função de suas necessidades. Até mesmo a crítica deveria ser autorizada por ele e tê-lo como referência. Em certos setores da imprensa, já experimentamos algo parecido. Só se aceita que petistas contestem petistas.

Num outro momento do vídeo, diz a mocinha: “Não há democracia sem socialismo, e não há socialismo sem democracia”. Trata-se de uma dupla impostura.
Peguemos a primeira oração:
“Não há democracia sem socialismo”
A verdade: nunca houve uma democracia socialista.
Peguemos a segunda:
“Não há socialismo sem democracia”
A verdade: nunca houve socialismo democrático
Da dupla impostura, resta uma verdade inequívoca demonstrada pela história: socialismo e democracia nunca foram vistos num mesmo corpo social.

Foro de São Paulo
E chegamos, finalmente, ao caso. Eu não sei por quê, mas presumo, a chamada grande imprensa faz questão de ignorar um fato que o partido assume com todas as letras: o PT é fundador do chamado Foro de São Paulo, um órgão que continua ativo e que reúne as esquerdas da América Latina, incluindo as narcoguerrilheiras Farc. No vídeo, trata-se do assunto aos 5min20s e aos 7min18s. Delírio do Olavo de Carvalho e do Reinaldo Azevedo? Não. Fato admitido de forma clara, explícita, orgulhosa. Tanto é assim que, ao se referir aos "democratas antiimperialistas" da América Latina, o filme exibe as imagens, entre outros, de Hugo Chávez, Evo Morales e, acreditem!, Fidel Castro. O alinhamento do partido — e do governo — com ditaduras está mais do que demonstrado.

Eu acredito que Lula implantará o socialismo, ainda que aquela pantomima bolivariana, no Brasil? Não. Eu não acredito. Não porque ele não queira, mas porque ele não pode. Mas acredito, sim, que o Brasil, entregue ao PT e às suas teses, será menos democrático. Porque a legenda não tem respeito, e isso fica evidenciado neste material de divulgação, pelo estado de direito. Quem diz que uma classe tem de pôr o estado a seu serviço quer é uma ditadura, ainda que mitigada e fantasiada de democracia popular.

Agora entendo por que José Dirceu acha tão absurdo ser julgado pelo STF. Ele só estava construindo a hegemonia da classe trabalhadora — ou seja: pondo o estado a seu serviço. E ainda há quem reclame...

PS: O PT está quase implorando à chamada grande imprensa que fale do Foro de São Paulo. Será que, desta vez, ela acorda? Não seria interessante rever a expropriação da Petrobras na Bolívia à luz de um concerto ideológico do Foro? Será que o PT não é ainda mais caro do que parece?



Por Reinaldo Azevedo

Monday, August 06, 2007

Simbolismo e liderança

Fernando Henrique Cardoso, O Estado de S. Paulo (05/08/07)


www.estado.com.br/editorias/2007/08/05/opi-1.93.29.20070805.1.1.xml?

A despeito das oscilações recentes do mercado financeiro, que ninguém sabe se serão soluços passageiros ou sinais de desarranjos mais profundos na economia mundial, é inquestionável que a prosperidade gerada pelo fim dos ajustes financeiros dos turbulentos anos 90 e, principalmente, pelo ingresso da China no mercado mundial favoreceu enormemente as economias emergentes.

Os países em desenvolvimento que já dispunham de alguma base industrial e foram capazes de ativar mecanismos públicos e privados de decisão estão se transformando, no embalo da economia mundial, a um ritmo impressionante. Nessa onda favorável, também o Brasil avança. Nossa economia só não começou a mostrar há mais tempo os resultados dos esforços que vinha fazendo desde o Plano Real e da mudança cambial de 1999 porque a crise energética de 2001 e os temores desencadeados pela perspectiva de uma guinada brusca com a eleição do governo petista comprometeram os resultados econômicos de 2002 e de 2003, os quais só apareceram com força depois de 2005.

Vivemos, portanto, um momento extremamente favorável para consolidar as reformas modernizadoras do governo, da sociedade e dos mercados iniciadas anteriormente. Um momento que requer visão de grandeza: abrem-se possibilidades para o Brasil se afirmar como uma grande nação. Isto é, como um país democrático, com uma economia tecnologicamente moderna e competitiva, respeitador das instituições e dos contratos, que ofereça condições universais de acesso à educação, à saúde, à terra e ao trabalho para que seu povo desfrute uma vida digna. Portanto, um país que não se conforme com manter uma parcela ponderável de seus habitantes sem emprego decente, requerendo assistencialismo governamental.

O esforço de arrancada na direção do futuro exige objetivos claros e persistência no caminho escolhido, requer coragem nas decisões e eficiência para implementá-las. Não deixa de ser preocupante que o PT tenha chegado ao poder no momento que mais exige tais qualidades. Por mais que o atual governo tenha dado continuidade às políticas macroeconômicas que herdou, das quais sempre foi crítico e - pasmem! - continua sendo, não soube fazer a revisão programática que lhe permitiria levar adiante um projeto verdadeiramente nacional. Um projeto que abrangesse todas as correntes da sociedade e transcendesse os interesses meramente partidários, corporativos e pessoais. Um projeto que avançasse nas reformas institucionais e permitisse uma colaboração verdadeira entre o Estado regulamentador e a iniciativa privada disposta a empreender, especialmente no campo da infra-estrutura. Um projeto verdadeiramente democrático, ao abrigo de recaídas populistas.

O presidente Lula só faz autocrítica indiretamente, sem assumir responsabilidade pelas decisões que toma. Apenas lamenta "a quantidade de coisas que eu falei e falava porque era moda falar, mas que não tinha substância para sustentar na hora em que você pega no concreto". No exercício do governo, sempre que pode, refugia-se nas frases vagas, na cobrança genérica de responsabilidades, no jogar toda culpa no passado e se contenta com elogios fáceis a si mesmo, do tipo "nunca neste país&"... Em parte a retórica presidencial é certa: nunca houve tantos escândalos e, o que é pior, nunca qualquer outro presidente passou tanto a mão na cabeça dos envolvidos ("não se comprovou nada, são aloprados, e não criminosos, errar é humano").

De conseqüências ainda mais funestas do que a atitude leniente talvez seja a falta de compreensão histórica do governo e de seu líder. No afã de aumentar a popularidade e de iludir quem não tem acesso a melhor informação, governo e presidente assumem como próprio o que herdaram. Pouco importa, se for para o Brasil continuar avançando. Mas importa, sim, e muito, que estejam desperdiçando uma oportunidade histórica excepcional para que o Brasil dê um salto de qualidade, assegurando-o em benefício desta e das gerações futuras. Aqui, sim, cabe a frase: nunca neste país houve maior apagão ideológico e maior desídia diante do interesse público. O que vemos é um quadro de paralisia governamental, de desconexão, de imprevidência e de incompetência, recheada com uma retórica irresponsável.

Digo com lástima, sinceridade e franqueza: jamais imaginei que chegássemos a tal ponto de degradação. Fui testemunha da ação inovadora de Lula no sindicato e corajosa na política, quando ainda não era o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nunca o considerei, nem naquela época, um líder excepcional, pois lhe faltava firmeza para se contrapor à opinião da maioria ocasional, mas o tinha por um símbolo: migrante nordestino, corajoso e lutador que superou barreiras sociais. Tinha-o, e ainda o tenho, como um homem de boa índole, que em termos gerais deseja o bem do povo. Mas me decepciona vê-lo desperdiçar a oportunidade que tem nas mãos. Opus-me aos que, em 2005, cogitaram de propor o impeachment, não porque faltassem argumentos jurídicos nem porque quisesse vê-lo sangrar aos poucos, mas porque acreditava, como continuo acreditando, que o conteúdo simbólico de sua liderança é um patrimônio do País que não deve ser destruído. Lamento vê-lo agora destruir por suas próprias palavras e atos o capital de credibilidade que conquistou.

Presidente: em nome da sua e da História de nosso país, não se rebaixe à vulgaridade em nome da popularidade, resguarde-se de dizer tantos impropérios que machucam o bom senso, a solidariedade e a democracia. Por favor, tenha um pouco mais de grandeza, de que tanto necessitamos!

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República