Monday, December 28, 2009

A falta que faz um Sobral Pinto - Blog do Augusto Nunes - Momentos de 2009

Publicado em 22 de maio

Preferi poupar o pessoal da coluna da leitura de meia dúzia de comentários, todos extraordinariamente torpes, sobre o texto que tratou do caso Suzane Von Richthofen. O pai morto a pauladas a mando da filha é acusado de assediá-la sexualmente, obrigá-la a depositar dinheiro em contas ilegais na Suiça, transformar o local de trabalho num balcão de delinquências, daí para baixo. O que os advogados de defesa de Suzane murmuram, os comentaristas de aluguel berram. Uns e outros estão interessados não na verdade, mas no dinheiro da herdeira homicida.

Depois de registrar que a lei que vai tirar Suzane da cadeia vale para todos, e antes de massacrar a memória do engenheiro executado junto com a mulher, uma remetente pergunta: ” O que você propõe, meu querido?”. É uma jovem advogada, informam o dialeto data venia e as expressões que usa. (Entre 100 doutoras recém-formadas, 99 chamam desconhecidos de “meu querido”). Proponho que se mire no exemplo de juristas que sempre combateram leis absurdas, minha querida. E tente saber alguma coisa sobre figuras como o doutor Heráclito Fontoura Sobral Pinto.

Sobral Pinto e o poeta Augusto Frederico Schmidt eram amigos de muitos anos quando conversaram por telefone em 16 de outubro de 1944. Schmidt, além de versos, sabia também fazer dinheiro como editor, intermediário de transações financeiras e ocupante de cargos públicos. (Segundo a história oral, é ele o poeta federal que tira ouro do nariz no poema de Carlos Drummond de Andrade). Naquele outubro, quem ligou foi o empresário Schmidt, para pedir ao advogado que reservasse todo o dia 20 a um só compromisso: examinar a vasta documentação que lhe permitiria representá-lo numa causa de natureza trabalhista.

Sobral Pinto informou que, antes de aceitar a proposta, teria de verificar se o candidato a cliente tinha razão. Advogado não é juiz, replicou Schmidt. Ouviu outra vez que o convite só seria aceito depois do exame eliminatório. Como tudo teria de ser feito até o dia 21, Sobral Pinto sugeriu que Schmidt contratasse outro advogado. A conversa não deve ter terminado bem, atesta a carta remetida pelo jurista na manhã seguinte. Roberto Sobral Pinto Ribeiro, neto da figura admirável, enviou cópia da carta ao colunista. É uma luminosa aula de Direito. É uma lição de vida irretocável.

”O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da casa que lhe levam para patrocinar”, ensina certa altura. “Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição”. A regra vale também para velhos amigos? Claro que sim: ”Não seria a primeira vez que, procurado por um amigo para patrocinar a causa que me trazia, tive de dizer-lhe que a justiça não estava do seu lado, pelo que não me era lícito defender seus interesses”.

Outros trechos ensinam a proteger os códigos éticos da profissão de socos e pontapés hoje desferidos tão rotineiramente: ”A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. (…) O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. (…) O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão”.

A aula termina com palavras que deveriam ser reproduzidas em bronze nos pórticos e auditórios das faculdades de Direito: ”É indispensável que os clientes procurem o advogado de suas preferências como um homem de bem a quem se vai pedir conselho. (…) Orientada neste sentido, a advocacia é, nos países moralizados, um elemento de ordem e um dos mais eficientes instrumentos de realização do bem comum da sociedade’.’

Defensores de gente como Suzane Von Richthofen nunca souberam disso. Pelo que andam fazendo nestes tempos tristonhos, poucos advogados sabem.

Tuesday, November 10, 2009

Anotações para uma reedição da história universal da infâmia - Blog do Augusto Nunes - 10/11/09

SEÇÃO » Direto ao Ponto
10 de novembro de 2009


Em novembro de 1984, por não enxergar diferenças entre Paulo Maluf e Tancredo Neves, o Partido dos Trabalhadores optou pela abstenção no Colégio Eleitoral que escolheria o primeiro presidente civil depois do ciclo dos generais. Em janeiro de 1985, por entenderem que não se tratava de um confronto entre iguais, três parlamentares do PT ─ Airton Soares, José Eudes e Bete Mendes ─ votaram em Tancredo. Foram expulsos pela direção.

Em 1988, num discurso em Aracaju, o deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva qualificou o presidente José Sarney de “o grande ladrão da Nova República”. No mesmo ano, a bancada do PT na Constituinte rejeitou o texto da nova Constituição.

Em 1989, derrotados no primeiro turno da eleição presidencial, Ulysses Guimarães, candidato do PMDB, e Mário Covas, do PSDB, declararam que ficariam ao lado de Lula na batalha final contra Fernando Collor. Imediatamente recusado, o apoio acabou aceito por insistência dos parceiros repudiados. Num comício em frente do estádio do Pacaembu, Ulysses e Covas apareceram no palanque ao lado do candidato do PT. Foram vaiados pela plateia companheira.

Em 1993, a ex-prefeita Luiza Erundina, uma das fundadoras do partido, aceitou o convite do presidente Itamar Franco para assumir o comando de um ministério. Foi expulsa. Em 1994, ainda no governo de Itamar Franco, os parlamentares do PT lutaram com ferocidade para impedir a aprovação do Plano Real. No mesmo ano, transformaram a revogação da providencial mudança de rota na economia numa das bandeiras da campanha presidencial.

Entre o começo de janeiro de 1995 e o fim de dezembro de 2002, a bancada do PT votou contra todos os projetos, medidas e ideias encaminhados ao Legislativo pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Todos, sem exceção. Uma das propostas mais intensamente combatidas foi a que instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em janeiro de 1999, mal iniciado o segundo mandato de Fernando Henrique, o deputado Tarso Genro, em nome do PT, propôs a deposição do presidente reeleito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O lançamento da campanha com o mote “Fora FHC!” foi justificado por acusações, desacompanhadas de provas, que Tarso enfeixou num artigo publicado pela Folha de S. Paulo. Trecho: Hoje, acrescento que o presidente está pessoalmente responsabilizado por amparar um grupo fora da lei, que controla as finanças do Estado e subordina o trabalho e o capital do país ao enriquecimento ilegítimo de uns poucos. Alguns bancos lucraram em janeiro (evidentemente, por ter informações privilegiadas) US$ 1,3 bilhão, valor que não lucraram em todo o ano passado!

O que diriam Tarso, Lula e o resto da companheirada se tal acusação, perfeitamente aplicável ao atual chefe de governo, fosse subscrita por alguém do PSDB, do DEM ou do PPS? Coisa de traidor da pátria, inimigo da nação, gente que aposta no quanto pior, melhor, estariam berrando todos. “Tem gente que torce pra que tudo dê errado”, retomaria Lula a ladainha entoada há quase sete anos.

Faz sentido. Desde a ressurreição da democracia brasileira, a ação do PT oposicionista foi permanentemente orientada por sentimentos menores, miúdos, mesquinhos. É compreensível que os Altos Companheiros acreditem que todos os políticos são movidos pelo mesmo combustível de baixíssima qualidade.

Desfigurado pela metamorfose nauseante, o chefe de governo não teria sossego se o intratável chefe da oposição ainda existisse. O condutor do rebanho não tem semelhanças com o Lula do século passado, mas continua ouvindo o som dos balidos aprovadores. O caçador de gatunos hoje é padroeiro da quadrilha federal. O parlamentar que recusou a conciliação proposta por Tancredo é o presidente que se reconcilia com qualquer abjeção desfrutável. O moralizador da República presidiu e abafou o escândalo incomparável do mensalão.

Mas não admite sequer criticas formuladas sem aspereza pelo antecessor que atacava com virulência. É inveja, Lula deu de gritar agora. O espelho reflete o contrário. Nenhum homem culto prefere ser ignorante, nenhum homem educado sonha com a grosseria, gente honrada não quer conversa com delinquentes.

Lula não esquece que foi derrotado por FHC duas vezes, ambas no primeiro turno. E sabe que o vencedor nunca inveja o vencido.

Monday, November 09, 2009

Vinte anos depois - Nelson Ascher - www.dicta.com.br

Arquivado em: História incluído por dicta
Data do post: 9 de novembro de 2009
Tags: Muro de Berlim

por Nelson Ascher

Há várias maneiras de abordar os eventos de 1989, que entraram para a história como a queda do Muro de Berlim. Para começar, junto com o desmantelamento, dois anos depois, da União Soviética, eles representam o fim da Guerra Fria, o conflito que, depois da Segunda Guerra Mundial e por quase meio século, dividiu o planeta em dois blocos antagônicos. Eles apresentaram também, para quem tivesse a mente e os olhos abertos, os resultados do maior experimento de engenharia social realizado não com ratinhos de laboratório, mas com gente de verdade. Quando acompanhados de perto, eles pertencem ademais à história de cada nação, de cada uma das sociedades envolvidas. Abordados sob esses variados ângulos, os fatos nos oferecem lições diversas e complementares, um autêntico leque de narrativas que têm em comum, todas elas, a ausência de um final feliz.

A Guerra Fria, como se sabe, foi mais do que um simples embate entre dois blocos em busca da hegemonia. Desde o começo, talvez com mais cinismo entre as lideranças e com mais sinceridade e empenho entre os militantes, ela representou o conflito não só de duas visões de mundo ou de duas formas de organização sócio-política. Ela contrapôs, isto sim, duas concepções da própria natureza humana. Embora –graças a uma espécie consensual de amnésia– elas continuem existindo e se digladiando quase como se todas aquelas décadas não tivessem existido nem produzido resultados concretos, a vantagem de sua competição aberta foi justamente a de propiciar uma comparação visível e mensurável de ambas. Isto se deu porque, desde sua imposição na Rússia e, em seguida, nos países vizinhos, os partidários da engenharia social, isto é, os comunistas, fizeram previsões e promessas verificáveis a olho nu.

O adversário que, recorrendo a um termo duvidoso, reducionista e uniformizador da heterogeneidade, chamavam de capitalismo estava fadado a se autodestruir por meio de uma sequência acelerada de crises cada vez mais graves. Já o comunismo, livre de contradições internas por ter reorganizado as forças produtivas numa base racional, assegurava, se mais nada, pelo menos uma fartura material bem distribuída. Uma vez feitas, era impossível impedir que tais previsões e promessas fossem constantemente monitoradas e, quanto mais, em termos de abastança ou afluência, os países capitalistas deixavam as nações socialistas para trás, mais o comunismo se desmoralizava aos olhos de seus súditos e menos atraente ele se mostrava no mundo desenvolvido. Os resultados comparativos do milagre econômico na Europa Ocidental patentearam aos poucos, salvo para os militantes mais cegos, que o que mantinha o comunismo no poder na outra metade do continente não era qualquer opção ideológica da população, mas simplesmente os tanques soviéticos. Entre regimes que propiciavam o enriquecimento progressivo de seus cidadãos e aqueles que mal conseguiam nutrir seus súditos, não havia ideologia capaz de justificar estes últimos.

Sabe-se hoje que, durante suas décadas finais (um pouco esticadas, aliás, pela alta do petróleo que, a partir de 1973, beneficiou a Rússia), a URSS via, como possível salvação, mesmo que provisória, a incorporação, sob a forma de satélite, da Europa Ocidental a seu bloco. Foram as iniciativas defensivas de Ronald Reagan e Margareth Thatcher que tornaram essas hipóteses inviáveis e, obrigando seus rivais a aumentarem desmesuradamente seus gastos militares, culminaram com a bancarrota pacífica do sistema soviético.

Quanto aos habitantes de países como a Polônia, Hungria, Romênia, Tchecoslováquia etc., o sistema em questão, além de um tipo particularmente insuportável de opressão do indivíduo pelo estado, significou também o esmagamento de suas aspirações nacionais. Apesar de suas diferentes trajetórias mais antigas, cada qual desses países era, em 1945, uma nação relativamente nova. A Polônia que, associada à Lituânia, fora um importante reino medieval e desempenhara inclusive um papel destacado tanto na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) quanto na defesa da cristandade contra o invasor otomano, desagregara-se no final do século XVIII, quando se deu sua partilha e seus territórios foram incorporados à Rússia, Prússia e à Áustria. Foi somente após a Primeira Guerra (1914-18) que ela reapareceu como entidade unitária e independente no mapa.

Data dessa mesma época a criação seja da Tchecoslováquia, seja da Iugoslávia, ambos países multiétnicos e multilinguísticos, formados ao redor de reinos que remontavam à Idade Média: respectivamente a Boêmia e a Sérvia. No que diz respeito a ambos, o mosaico de nacionalidades que viviam desconfortavelmente juntas revelou cedo, já no entreguerras, sua inviabilidade, a qual se confirmaria com sua dissolução nos anos 90. Outras tantas tensões internas e externas marcaram a primeira tentativa de vida independente desses países. O que eles têm em comum é o fato de, situados geograficamente entre a Alemanha e a URSS, todos terem sido, de uma forma ou de outra, envolvidos na Segunda Guerra que, em seus territórios, mostrou-se muito mais selvagem e destrutiva do que na Europa Ocidental. Tal envolvimento, porém, não foi uniforme. Invadi da quase concomitantemente pela Alemanha nazista e pela URSS em 1939, a Polônia lutou contra as duas até o fim, e perdeu 20% de sua população (3 milhões de poloneses cristãos e 3 milhões de judeus). A Tchecoslováquia e a Iugoslávia se dividiram em partes diversas, algumas das quais resistiram aos alemães e outras que colaboraram com eles. A Hungria, a Romênia e a Bulgária, cada qual em maior ou menor medida, colaboraram com o 3º Reich, e o mesmo vale para parcelas significativas da população dos países bálticos.

Embora isso pareça história antiga, a verdade é que, congelando as contradições e conflitos internos desses países, o comunismo contribuiu decisivamente para que, uma vez independentes, eles retomassem suas histórias individuais do ponto onde elas foram interrompidas. Assim, eles ressurgiram em 1989 muito mais etnicamente divididos do que seus vizinhos ocidentais e com muito mais contas a acertar com a história. O caso mais grave, sem dúvida, foi o da Iugoslávia. Embora se reconheça atualmente que o principal agente de sua guerra civil nos anos 90 foi o nacionalismo sérvio manipulado por oportunistas e demagogos como Milosevic, não há razão alguma para inocentar o nacionalismo croata, nem se pode negar que os muçulmanos relativamente laicos e seculares da Bósnia aceitaram de bom-grado o apoio e a intervenção direta de fundamentalistas que ligaram, assim, aquele conflito localizado à nova conflagração global.

Vale a pena igualmente observar que os estragos decorrentes de décadas de comunismo se revelaram mais profundos e duradouros do que se esperava. Imaginava-se, em 1989, que, capitaneados pela metade oriental da Alemanha e apoiados pela (ainda então) Comunidade Européia, os ex-países socialistas logo se emparelhariam com o resto do continente. Se é verdade que o nível de vida ali melhorou substancialmente, ele segue longe do que vigora no mundo desenvolvido e, devido à relativa fragilidade das respectivas economias, nada indica que alguém nascido ainda no comunismo viva para presenciar grandes avanços. Toda a infraestrutura daquelas nações também estava tão degradada que, em muitos casos, teve que ser reconstruída do zero, tarefa que está longe de concluída. De resto, o modo de vida imposto pelo regime de partido único e a desarticulação de qualquer núcleo de sociedade civil garantiram que, quando os cidadãos recomeçassem a se organizar por conta própria, muitos o fariam segundo moldes que, em outros lugares, seriam considerados arcaicos e falidos. Há, portanto, em toda região uma pluralidade de grupos, partidos e até de milícias de extrema direita que, por seu caráter nacionalista e/ou clericalista e/ou abertamente racista (anti-cigano e antissemita), assemelham-se ao que se podia encontrar no continente 70/80 anos atrás. Não se deve tampouco omitir que, quando sem programa nem planejamento, as economias locais mais ou menos adotaram o livre mercado, os indivíduos mais bem colocados para se beneficiarem disso foram justamente os membros do antigo partido reinante. Há, consequentemente, uma coincidência entre as velhas e as novas elites bem como uma continuidade da corrupção, fatores que têm perpetuado e mesmo acentuado o cinismo do homem comum.

Nada disso, porém, significa que a situação atual não seja visivelmente superior à que prevalecia anteriormente. Na pior das hipóteses, tchecos ou eslovenos, romenos ou poloneses podem fazer as malas, vender a mobília e mudar de país, algo que lhes era proibido no antigo regime. Para os que se habituaram às fronteiras abertas, assim como para a maioria dos habitantes de um mundo caracterizado por fluxos migratórios cada vez maiores e mais intensos, isso talvez pareça um detalhe pouco significativo. Este era, no entanto, a marca registrada do sistema comunista que via –e tratava—os indivíduos como propriedade privada do estado, ou seja, do Partido, ou seja, do autocrata ou do grupúsculo de burocratas que se agregavam no Comitê Central. Para todos os efeitos –algo se constata ainda hoje em Cuba ou na Coréia do Norte—o sistema soviético não foi nem mais nem menos do que a plena reinstauração da escravatura, e nada o demonstra melhor do que o seguinte fato: a forma mais óbvia e generalizada de discordância, insatisfação e ou oposição ao regime era, não a atividade de intelectuais e dissidentes, mas a simples vontade, não raro desesperada, de emigrar, ou melhor, fugir dali. Muitos morreram tentando fazê-lo, e outros tantos amargaram anos de cadeia ou em campos de prisioneiros. Como Berlim estava dividida em duas metades, uma pertencente à Alemanha Ocidental, outra à Alemanha Oriental, ela passou a simbolizar a própria divisão do continente –e do planeta—em dois blocos definidos, afinal, menos pela oposição entre liberdade e tirania do que pela diferença entre afluência e penúria material. E foi lá que se construiu o igualmente simbólico muro cujo objetivo era não impedir uma invasão, mas, sim, bloquear a evasão, a fuga de gente que, reduzida à escravidão e privada de seus principais direitos, pertencia ao estado e ao Partido. Quanto à Iugoslávia, trata-se de um caso à parte que não é, porém, como os nostálgicos supõe, decorrência do fim do comunismo. Pelo contrário. Os elementos da guerra civil interétnica, interconfessional e intercomunitária estavam presentes desde a formação do país e já tinham se manifestado abertamente durante o conflito de 1939-45. Que, durante os mais de 40 anos que perdurou o regime da partido único, sua violência potencial não se atenuasse nem eles tivessem sido equacionados e muito menos resolvidos, é outra prova da ineficiência estrutural (e não apenas econômica) do comunismo realmente existente.

Toda uma geração cresceu e chegou à idade adulta desde 1989, e tanto os acontecimentos daquele ano quanto as esperanças que despertaram parecem extremamente remotas. Não é difícil, contudo, entender o que, naquele momento, provocou um otimismo até desmesurado. A Guerra Fria havia perdurado por quase meio século e fora travada, no mundo inteiro, entre os mais diversos países e mesmo no interior de muitos. Cada qual desses conflitos tinha raízes e motivos próprios, mas o fato de se desenrolarem no contexto de uma conflagração maior criou a ilusão de que, uma vez que esta terminasse, nada mais havia nem haveria de suficientemente grave para contrapor populações e desencadear guerras. Inspirada também na unificação de um continente –o europeu— cuja desunião deflagrara duas guerras mundiais, essa visão otimista acreditava na iminência da paz universal e depositava suas esperanças em instituições multilaterais e organismos transnacionais. Prevalecendo, à sua maneira, em parte substancial do mundo desenvolvido, sobretudo na Europa ocidental, tal otimismo impede seus adeptos de levarem a sério ameaças como a do jihadismo ou fundamentalismo islâmico e do neopopulismo autoritário de esquerda que se afirma na América Latina. O curioso é que, tendo se esquecido das origens de seu otimismo na derrota da tirania comunista, os otimistas fazem agora causa comum com os derrotados de 1989, aqueles que não tomaram o desmoronamento do bloco soviético como uma refutação de suas crenças. Talvez seja justamente por causa dessa estranha aliança que, embora até haja alguma celebração, fala-se tão pouco sobre/e se investiga menos ainda o sistema que ruiu junto com o Muro de Berlim.



Nelson Ascher é poeta, jornalista e tradutor.

Tuesday, November 03, 2009

Lula não viu - Miriam Leitão - O Globo - 03/11/09

Panorama Econômico

O presidente Lula viajou durante três dias pelas obras da transposição do Rio São Francisco. O que ele não viu? Que do total de um milhão de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) no rio, 700 mil estão degradados. A recuperação mal começou. É preciso plantar 27 milhões de mudas por ano, o Ministério da Integração prevê 1,5 milhão, 5% do necessário, mas só 200 mil estão sendo produzidas.

Conversamos com quem está trabalhando para a proteção do rio. É um desconsolo.

O que Lula não viu foi a vasta tarefa ambiental que precisa ser feita para recuperálo e protegê-lo dos impactos da obra de transposição.

As APPs — que são alto de morro, beira de rio, entorno de nascente, encostas — do São Francisco chegam a 1 milhão de hectares porque o rio é imenso e há muito tempo está mal tratado.

Dos 700 mil hectares que precisam de recuperação, metade pode ser cercada para que a vegetação nativa se recupere naturalmente, mas a outra metade exige plantio de 27 milhões de mudas por ano, de acordo com o Plano Integrado de Desenvolvimento Florestal Sustentável do São Francisco, estudo feito pela Universidade Federal de Lavras, a pedido do próprio governo.

O projeto que está sendo executado pelo Ministério da Integração Nacional prevê a produção anual de apenas 1,5 milhão de mudas, pouco mais de 5% do que seria necessário. Isso é o que está no site, porque se existe uma tarefa difícil é tirar do governo o que está sendo feito para proteger o rio. O Ministério da Integração mandou um texto no mais puro burocratês. A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) pediu as perguntas por escrito na quarta, mandou a resposta no domingo, num claro corte e cola de documento velho. Não há uma resposta compreensível.

Para o Ibama ligamos durante uma semana inteira.

Já os pesquisadores das universidades de Lavras e do Vale do São Francisco conversaram conosco. Eles acham que o número de mudas previsto no projeto do governo é insuficiente e não está sendo atingido. Estariam sendo produzidas não mais que 200 mil, menos de 1% do que precisa ser feito.

O coordenador do Centro de Referência em Recuperação de Áreas Degradadas do Alto do São Francisco, Antonio Claudio Davide, ligado à Universidade de Lavras, percorreu de helicóptero mais de 1.500 quilômetros de extensão do rio para medir a degradação e planejar o projeto de recuperação.

— Gostaria de saber onde estão esses um milhão e meio de mudas, que já seriam muito insuficientes.

Aqui no centro, estamos produzindo 70 mil mudas, que dariam para plantar cerca de 35 a 40 hectares. Precisamos cobrir 350 mil hectares! O fato é que não existe no governo a consciência da importância da recuperação dessas áreas. E sem replantio, não dá para falar na recuperação do São Francisco — explicou Davide.

Os números são tão imensos quanto a dimensão do Velho Chico: de acordo com o plano feito pela Universidade de Lavras, é preciso investir R$ 4,7 bilhões em 18 anos, somente para reflorestamento.

São R$ 2,37 bilhões para produção e plantio de mudas; R$ 1,8 bilhão para cercar áreas onde haverá regeneração natural; e o restante em infraestrutura, estudos, contratação de pessoal, treinamento. Um gasto anual de R$ 261 milhões, de 2008 a 2025.

Na avaliação de Davide, o projeto de recuperação das APPs está andando em “velocidade de carroça”. Há baixa produção de mudas; resistência de produtores rurais, que querem usar todas as áreas para agropecuária; falta de profissionais qualificados; e pior, as liberações de recursos não têm regularidade. Tem hora que o dinheiro sai, tem hora que não sai.

— O orçamento anual do meu centro é de R$ 350 mil.

Em 2008, o dinheiro veio, mas em 2009 ainda não recebi nada. O ano está perdido.

Agora em novembro, receberei R$ 200 mil, mas é para financiar o trabalho dos próximos sete meses.

Perdi mais da metade da minha equipe e agora terei que recontratar e treinar todo mundo — afirmou.

Enquanto o projeto de recuperação está nesse ritmo, as obras de transposição são exibidas como troféu de campanha eleitoral. De acordo com o 8º Balanço do PAC, de outubro de 2009, as obras do eixo Leste estão 16% concluídas e as do eixo Norte, 13,7%.

Para o coordenador do Programa de Conservação da Fauna e Flora da Universidade Federal do Vale do São Francisco, José Alves, não há garantias de que o projeto de recuperação será feito de forma correta, antes e após a conclusão das obras de transposição do rio: — Estamos trabalhando de forma isolada e os custos e os desafios da recuperação são muito grandes.

Não há continuidade nos repasses por parte do governo federal. É preciso fazer um inventário de toda a fauna e flora, e isso tem que ser feito agora. Coletar espécies raras que só existem no local, aprender a fazer a produção e o plantio das mudas, como armazenar as sementes. Do jeito que está, não temos nenhuma garantia de que depois da transposição, o projeto de recuperação será executado de forma correta — disse Alves, que coordena os estudos sobre a flora.

Isso é só para fazer uma parte do projeto de revitalização: a recuperação da vegetação. Não ocorre lá o que estava na carta de Pero Vaz: “Em se plantando, tudo dá.” É preciso fazer as mudas das espécies certas, esperar crescer, plantar na hora certa, torcer para que as chuvas venham, contar as perdas, proteger as que se firmarem. Tudo numa vasta extensão de um rio que atravessa cinco estados.

Muito precisava ser visto e feito. Abrir dois canais com a força do Exército brasileiro é a parte mais fácil.

Monday, November 02, 2009

Para onde vamos? - FHC - www.estadao.com.br de 01/11/09

Para onde vamos?

Fernando Henrique Cardoso

A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio "talvez" porque alguns estão de tal modo inebriados com "o maior espetáculo da Terra", de riqueza fácil que beneficia poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?

Só que cada pequena transgressão, cada desvio vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advém do nosso príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos.

É possível escolher ao acaso os exemplos de "pequenos assassinatos". Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal-ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira "nacionalista", pois, se o sistema atual, de concessões, fosse "entreguista", deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental numa companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?

Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do "autoritarismo popular" vai minando o espírito da democracia constitucional. Esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os "projetos de impacto" (alguns dos quais viraram "esqueletos", quer dizer, obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: "Brasil, ame-o ou deixe-o." Em pauta temos a Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no Orçamento e mínguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo Tribunal de Contas da União. Não importa, no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: "Minha Casa, Minha Vida"; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.

Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo "Brasil potência". Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU - contra a letra expressa da Constituição - vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que se tenha esquecido de acrescentar: "L"État c"est moi." Mas não se esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender o "nosso pré-sal". Está bem, tudo muito lógico.

Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no "dedaço" que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são "estrelas novas". Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.

Ora, dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil os fundos de pensão não são apenas acionistas - com a liberdade de vender e comprar em bolsas -, mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou "privatizadas". Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

Monday, October 26, 2009

O ensino da matemática através dos anos - Site www.prosaepolitica.com.br

O ensino da matemática através dos anos

Publicado por Adriana Vandoni em 25/10/2009 às 09:13 hs. Acompanhe as respostas pelo RSS 2.0.

Por Ralph J. Hofmann

O estudo abaixo é inspirado numa Lenda Urbana inglesa.

1. O ensino da matemática em 1970

Um madeireiro vende um metro cúbico de madeira por R$ 1.000.

Seu custo de produção é 4/5 do preço.

Qual é o lucro?

2. O ensino da matemática em 1980

Um madeireiro vende um metro cúbico de madeira por R$ 1.000.

Seu custo de produção é 80% do preço.

Qual é o lucro?

3. O ensino da matemática em 1990

Um madeireiro vende um metro cúbico de madeira por R$ 1.000.

Seu custo de produção é R$ 800.

Qual é o lucro?

4. O ensino da matemática em 2000

Um madeireiro vende um metro cúbico de madeira por R$ 1.000.

Seu custo de produção é R$ 800 e seu lucro R$ 200.

Você deve sublinhar o número 200.

5. O ensino da matemática em 2003.

Um madeireiro desalmado corta uma linda floresta porque é egoísta e não dá a mínima para os animais ou a preservação da natureza. Você deve discutir como os animais silvestres devem se sentir lesados ao verem seu habitat sumir para que o madeireiro egoísta ganhe míseros R$ 200.

6. O ensino da matemática em 2006

Um madeireiro procura as autoridades para pedir autorização para desbastar um reflorestamento que plantou há 20 anos. Imediatamente as autoridades visitam sua propriedade e descobrem uma motoserra que não está registrada, adquirida pelo pai do madeireiro em 1970. Multam o madeireiro em R$ 10.000, e o levam preso pela presunção de pretender cometer crime inafiançável.

Pergunta: 1) Como dividir a multa entre o fiscal, seu supervisor e a direção do órgão fiscalizador; 2) Sugerir a pena a ser aplicada ao infrator.

7. Ensino da matemática em 2009

Um madeireiro procura as autoridades para pedir autorização para fazer um desbaste em sua floresta plantada há 20 anos. A autoridade local indica que deve ir a Brasília fazer o requerimento pessoalmente. Na sua ausência a propriedade é invadida pelo MST que corta todas as árvores e as vende para a serraria mais próxima.

Perguntas: 1) Que multa deve ser aplicada ao madeireiro por ter deixado derrubar a floresta. 2) O MST deve ocupar a terra e plantar lavouras, criar gado, ou deixar que o madeireiro volte, plante uma nova floresta para invadir o terreno novamente dentro de 20 anos.

8. Ensino de matemática em 2020.

Repita el problema de dos mil y nueve pero haga las respuestas en el dialecto oficial de las Republicas Bolivarianas.

Arquivos que podem estar relacionados:

1. Maioria dos parlamentares é contra o aborto
2. Ainda sobre o Dia dos Médicos
3. A caravana dos farsantes
4. Responsabilidade dos políticos
5. O pai dos Cubanos

Friday, August 14, 2009

Whose side is Brazil on? - Revista The Economist - 13/08/09



Aug 13th 2009
From The Economist print edition
Time for Lula to stand up for democracy rather than embrace autocrats

AP

THIS is a grand time to be a Brazilian, and especially to be Luiz Inácio Lula da Silva, the country’s inspirational president. Long the chronically underperforming giant of Latin America, Brazil is now on every list of the half-dozen or so new places that matter in the 21st century. It seems that no international gathering, be it to discuss financial reform or climate change, is complete without Lula, a former metal worker and trade-union leader whose bonhomie and instinct for conciliation between political opposites make him friends everywhere. “He’s my man,” gushed Barack Obama at the G20 summit in London; Fidel Castro calls him “our brother Lula”.

Brazil’s new prominence is deserved. It stems in large part from the success of Lula and his predecessor, Fernando Henrique Cardoso, in stabilising a previously dysfunctional economy, ushering in faster economic growth. Already one of the ten biggest economies, it was one of the last of them to enter recession and now looks like being one of the first to leave it. When Goldman Sachs bracketed it with China, India and Russia as the BRIC economies and said they would dominate the world by 2050, there was much sniffing that Brazil did not belong in such muscular company. Certainly the BRIC tag has done Brazil a marketing favour. But it is now Russia, with its depressed, oil-dependent economy, that looks like the misfit.

Lula, too, deserves much of the praise heaped upon him. On taking office in 2003, he showed political courage in sticking to responsible economic policies, ignoring calls from his left-wing Workers’ Party to default on debt. His instinct for rational economics has turned him from a protectionist into a champion of free trade. His ambitious social policies have helped to lift 13m Brazilians out of poverty; searing inequalities of income are narrowing steadily. Despite almost supernatural popularity ratings, he has wisely rejected talk of changing the constitution to run for a third term.

Success at home has given oxygen to the vaulting ambition of Lula’s foreign policy. His Brazil wants to be seen as a great power by setting itself up as the leader of a united Latin America while also seeking new alliances with other rising powers of the global “south”. Thanks to Lula’s ability to be all things to all men, thus far Brazil has achieved influence without being weighed down by responsibility. But look more closely and he risks bequeathing a disappointingly ambivalent legacy. Above all, Brazil needs to decide what it stands for and who its real friends are—or risk that others make that choice for it.
Southern successes and discomforts

Though history has also given it kinship with Africa, whence millions were brought as slaves, Brazil is at first sight the most “Western” of the BRICs. Unlike China or Russia, it is a democracy in a mainly democratic region. But Brazil’s leaders have often preferred to see their country as a “southern” power, a leader of the developing world. Under Lula, this bias has hardened. In some ways this is healthy. Lula is right to call for the world’s institutions to be reshaped to reflect a changing balance of power. Brazil’s exports have found new markets in Asia, Africa and the Middle East. But what really unites these countries? To Brazil’s chagrin, China helped block its bid for a permanent seat on the United Nations Security Council, while India did much to stop a world-trade deal. And the southern bias has gone hand-in-hand with more negative traits.

Admirably for a would-be great power, Brazil has renounced nuclear weapons. Less admirably for a country which defends the Nuclear Non-Proliferation Treaty, it has refused to sign an improved safeguards protocol, denying international inspectors full access to its civilian nuclear facilities.

Lula’s government also shows a puzzling disregard for democracy and human rights beyond Brazil’s borders. Celso Amorim, his foreign minister, argues that condemnations by rich countries of abuses in poor ones are biased and ineffective. Human-rights groups complain that at the UN Brazil aligns itself with countries like China and Cuba to protect abusive regimes. Lula congratulated Mahmoud Ahmadinejad on his victory in Iran’s deeply flawed election, comparing massive opposition protests to those of football fans whose side has lost. Mr Ahmadinejad’s first post-inauguration foreign trip will be to Brasília. Mr Obama has asked Lula to “use his influence” to persuade his guest to curb his suspect nuclear work. If Brazil takes up a rotating seat at the UN Security Council next January, it may have to choose whether to back tougher sanctions against Iran.
No triangulation between democrats and autocrats

In many of these stances there is a tacit streak of anti-Americanism. This is costliest for Brazil in Latin America. Yanqui influence there is in relative decline, while the sway of China and others is growing (see article). If there are now fears of a “new cold war” in the region, as some in Brazil worry, the man who threatens to start it is not Mr Obama but one of Lula’s dodgiest friends, Venezuela’s Hugo Chávez.

Yes, Mr Chávez is elected, but he shows ever-fewer signs of being prepared to relinquish power at the ballot box and constantly stirs up tensions in the region. It was fear that Honduras’s president was turning his country into the latest chavista domino that prompted the misguided coup there in June. Now Mr Chávez threatens war against Colombia because it is updating an agreement under which it grants facilities at military bases to the United States, which is helping it fight FARC guerrillas and other drug traffickers. Only the paranoid can construe this as a threat to Venezuela or the Amazon. Yet Brazil chose to express concern about the bases while remaining silent about Mr Chávez’s arms build-up and clear evidence that his people have sold weapons to the FARC (see article).

Nobody should expect Brazil to act as America’s sheriff. But it is in its own interest to prevent a new cold war in the region. The way to do so is not to equivocate between democrats and autocrats, as Lula seems to think. It is to shame Mr Chávez by drawing a clear, public line in favour of democracy—the system that allowed a poor lathe-operator to come to power and change Brazil. Why should other countries deserve less?

Thursday, August 13, 2009

O Buraco Negro da Manipuladura - Blog do Reinaldo Azevedo - 13/08/09

Caros,

É obrigatória a leitura do artigo de Augusto de Franco na página 3 da Folha de hoje. Segue um trecho:
*
A DEMOCRACIA surgiu na velha Grécia como um movimento de desconstituição de autocracia. O motivo fundante foi evitar a volta de tiranias como a dos psistrátidas.

Para tanto, foram criados procedimentos e mecanismos que, mal ou bem, cumpriram sua função nos cem primeiros anos da experiência. Reinventado pelos modernos, o software democrático manteve ativa tal funcionalidade. De sorte que, nos últimos dois séculos, as democracias floresceram, e as ditaduras feneceram.

Péricles e seu “think tank” ateniense (o núcleo do “partido” democrático ao qual pertenciam Protágoras e Aspásia) já haviam se dado conta em meados do século 5º antes da era comum que a democracia nascia com um defeito genético: ela não tinha proteção eficaz contra o discurso inverídico. E ainda não tem: contra um Címon jactante ou contra um Sarney resiliente (na mentira), pouco podem as regras da democracia.

Não se deram conta, porém, os fundadores, de que a democracia tinha outro gene defeituoso, que só foi ativado recentemente, após a última onda democratizante do século 20, que sepultou as ditaduras latino-americanas (com exceção de Cuba) e os regimes autocráticos da ex-URSS e do Leste Europeu.

Esse gene recessivo revelou-se como um erro de projeto: a democracia também não tem proteção eficaz contra o uso de procedimentos democráticos (como as eleições) contra ela própria.

O primeiro pensador democrático a antever os efeitos devastadores do uso da democracia contra a democracia foi John Dewey, que percebeu as armadilhas da sua instrumentalização a serviço da conquista do poder de Estado. E o último a teorizar sobre isso com consistência foi, sem dúvida, Ralf Dahrendorf, que constatou que apenas a eletividade não é um critério capaz de garantir a legitimidade dos regimes tidos por democráticos.

O fato é que uma nova onda autocratizante começou a se avolumar após o breve sopro democrático dos anos 80 e 90. Agora as ameaças à democracia não vêm mais das ditaduras clássicas, em que grupos autoritários empalmavam o poder por golpes de força. Não, agora elas vêm de governos eleitos por larga maioria que, depois, ocupam e pervertem as instituições da democracia para controlá-las.

São governos que foram, sim, eleitos democraticamente, mas para conseguir um aval para não governar democraticamente. Suas primeiras providências são perseguir os meios de comunicação e abolir a rotatividade democrática.

São as protoditaduras, como as que se instalaram na Federação Russa, na Venezuela, na Bolívia, no Equador, na Nicarágua. E a inclusão virtual do Paraguai, de Honduras e de El Salvador nessa lista evoca o “efeito dominó”.

Pode-se dizer que, com exceção da Rússia, a grande “autocracia do petróleo e do gás”, são, todos eles, Estados-nações inexpressivos.

É verdade, mas o problema é que essas protoditaduras são apoiadas politicamente por uma retaguarda importante (”mais civilizada”, nem que seja por força da maior complexidade das suas sociedades), composta por democracias formais parasitadas por governos neopopulistas manipuladores, como Brasil e Argentina. Estas representam um fenômeno lateral na nova onda autocratizante, para o qual a análise política ainda não cunhou um termo: na falta dele, caberia designá-las, com perdão do neologismo, de “manipuladuras”. Aqui

Thursday, July 30, 2009

Nenhum de nós lhes deve nada. Eles nos devem tudo, a começar pela vida - Blog do Augusto Nunes - 26/07/09

SEÇÃO » Direto ao Ponto

26 de julho de 2009


“Ainda bem que a gente não chegou ao poder: se isso acontecesse, teria de devolver no dia seguinte”, disse Vladimir Palmeira, em maio do ano passado, num debate entre veteranos de 1968. “A gente sabia muito pouco, não tinha preparo para governar país nenhum”. Certíssimo. “A gente não tinha nem mesmo um projeto de poder”. Errado. Os comandantes do movimento estudantil (e, sobretudo, seus mentores na clandestinidade) tinham um projeto, sim. Tão claro quanto perverso: substituir a ditadura militar pela ditadura do proletariado.

Quem não tinha projeto de poder era a “massa de manobra”, como se referiam os chefes à multidão de jovens ingênuos, generosos, anônimos, que repetiam palavras-de-ordem cujo real significado ignoravam e cumpriam ordens e instruções vindas de cima. Os soldados rasos lutavam pela liberdade. Os comandantes planejavam suprimi-la. O rebanho sonhava com a ressurreição da democracia. Os pastores queriam muito mais, confirma Daniel Aarão Reis, ex-militante do MR-8, ex-exilado e hoje professor de História na Universidade Federal Fluminense.

“As esquerdas radicais não queriam restaurar a democracia, considerada um conceito burguês, mas instaurar o socialismo por meio de uma ditadura revolucionária”, fala de cadeira Aarão Reis, principal ideólogo de uma dissidência do PCB que desembocou no MR-8. “Não compartilho da lenda segundo a qual fomos ­ o braço armado de uma resistência democrática. Não existe um só documento dessas organizações que optaram pela luta armada que as apresente como instrumento da resistência democrática”.

Recrutados na massa de manobra, os alunos dos cursinhos intensivos de revolução ainda estavam na terceira vírgula de O Capital e no quinto parágrafo de Engels quando descobriam que desistir das aulas semanais era crime sem perdão. “Ele desbundou”, desdenhavam os mestres de qualquer discípulo sumido. Meia dúzia de panfletos de Lenin depois, os aprendizes descobriam que se haviam tornado oficiais do exército mobilizado para sepultar o capitalismo e conduzir o povo ao paraíso comunista.

Muitos se diplomavam sem sequer desconfiar da grande missão. Mas gente como Vladimir Palmeira tinha idade e milhagem suficientes para saber que perseguia um regime ainda mais selvagem, brutal e infame que o imposto ao Brasil. Conviviam com tutores de larga milhagem. O sessentão Carlos Marighela, por exemplo, ensinava aos pupilos da ALN a beleza que há em “matar com naturalidade”, ou por que “ser terrorista é motivo de orgulho”. Deveriam todos orgulhar-se da escolha feita quando confrontados com a bifurcação escavada pelo AI-5.

A rota certa era a esquerda, avisavam os que nunca tinham dúvidas. Passava pela luta armada e levava à luz. A outra era a errada. Passava pela rendição vergonhosa e levava à cumplicidade ostensiva com os donos do poder. Ou, na menos lamentável das hipóteses, aos campos da omissão onde se amontoavam desertores da guerra justa. A falácia foi implodida pelos que se mantiveram lúcidos, recusaram a idiotia maniqueísta e percorreram o caminho da resistência democrática.

Estivemos certos desde sempre. Desarmados, prosseguimos o combate contra quem os derrotara em poucos meses. Enquanto lutávamos pela destruição dos porões da tortura, eles se distraíam em cursinhos de guerrilha ou no parto de manifestos delirantes. Estavam longe quando militares ultradireitistas tentaram trucidar a abertura política. Só se livraram do cárcere e do exílio porque conseguimos a anistia, restabelecemos as eleições diretas e restauramos a democracia. Nós vencemos. Eles perderam todas. Alguns enfim conseguiram tornar-se contemporâneos do mundo ao redor. Quase todos permaneceram com a cabeça estacionada em algum lugar do passado. E voltaram com a pose dos condenados ao triunfo.

Fantasiados de feridos de guerra, os sessentões de 68 se apropriaram de indenizações milionárias, empregos federais, mesadas de filho mimado. Com a velha arrogância, seguem convencidos de que quem está com eles tem razão. Passa a fazer parte da esquerda, formada por guerreiros a serviço das causas populares. Quem não se junta ao bando é inimigo do povo, lacaio dos patrões, reacionário, elitista, golpista vocacional. O comportamento e a discurseira dos dirceus, franklins, dilmas, genoínos, palmeiras, garcias, tarsos, vannuchis e o resto da turma confirmam: passados tantos anos, estão prontos para errar de novo. Infiltrados no governo de um presidente que não lê, não sabe escrever, merece zero em conhecimentos gerais e faz qualquer negócio para desfrutar do poder, eles aparelharam o Estado e vão forjando alianças com o que há de pior na vizinhança para eternizar-se no controle do país. Se não roubam , associam-se a ladrões. Se não matam, tornam-se comparsas de homicidas.

Sequestradores da liberdade e assassinos da democracia jamais deixam de sonhar com o pesadelo. Não têm cura. Nenhum democrata lhes deve nada. Eles é que nos devem tudo, a começar pela vida.

Tuesday, February 17, 2009

Sete Dias - Augusto Nunes - JB Online - 15/02/2009

Guerra em duas frentes – Além de bombardear o idioma, Lula agora ataca também a estatística

Há mais de 30 anos no comando da guerra contra o idioma, o presidente Lula animou a pajelança dos prefeitos, primeiras-damas e parentes a serviço do interiorzão brasileiro com o improviso que anunciou a abertura de uma segunda frente de combate. Sem abrandar a ofensiva planejada para consumar o extermínio do plural, a capitulação da gramática e a rendição da linguagem culta ao português de quem sabe o que é sifu na vida, Lula chamou para a briga a estatística, a matemática, a porcentagem e a arte de calcular.

Cabelos em desalinho, o rosto colorido por diferentes matizes de vermelho que denunciam almoços que matam a sede, a camisa e a calça inundadas pela catarata de suor, o Terror das Vogais e das Consoantes guardou a declaração de guerra para o trecho do discurso ocupado pelo relatório sobre o analfabetismo concluído recentemente por especialistas do Ministério da Educação. De repente, Lula interrompeu a procissão de cifras e dedicou alguns segundos de silêncio à surpresa causada por alguma descoberta.

Recuperada a voz, caprichou na cara de espanto e soltou a notícia simultaneamente boa (para o orador e seus devotos) e ruim (para o governador José Serra, o prefeito Gilberto Kassab, logo ali ao lado, e os oposicionistas em geral). "Pasmem, caiam de costas, Kassab, porque você não sabia e eu não sabia", tentou Lula disfarçar a alegria.

O primeiro tiro avisou que quem puxou o gatilho do trabuco na mão esquerda foi o Flagelo das Concordâncias Verbais. "No Estado de São Paulo", mandou bala na estatística o tresoitão disparado pela mão direita, "nós ainda temos 10% de analfabetos, o estado mais rico da Federação". Simulando tristeza, o pistoleiro ambidestro consolou os feridos com outro plural tão sincero quanto vereador em campanha: "Nós erramos em alguma coisa". Nós? "Na primeira do singular! Na primeira do singular!", teria berrado algum prefeito se não estivessem todos interessados só em saber quando vai chegar o dinheiro do PAC. Nós estamos fora dessa. Quem errou foi o improvisador.

Por não ler nem legenda de filme, Lula sabe ler porcentagens. Por não fazer contas sequer no canhoto do talão de cheques, o maior governante desde as caravelas não sabe calcular. Por não dar atenção a sugestões, lembretes e conselhos murmurados por assessores, ninguém se atreveu a avisar a tempo que é de 4,6% a taxa de analfabetismo registrada em São Paulo. Como o estado concentra 22% do total da população, o índice representa 10% do total de analfabetos espalhados pelo Brasil.

Se falasse menos e pensasse mais, se viajasse menos e estudasse mais, se tratasse com mais compaixão as letras, os números e os brasileiros que nunca se renderão à Era da Mediocridade, Lula se pouparia de maluquices, equívocos e confusões bisonhas como as berradas na terça-feira. "A imprensa parece achar que todos os prefeitos são ladrões", imaginou um trecho do que pareceu um samba-enredo composto por repentistas. "E trata cada um de vocês como se fosse marionete". Muito pior é ser tratado como cretino pelo presidente da República.

Monday, February 16, 2009

Por qué no te callas? - Ferreira Gullar - Folha de São Paulo 15/02/2009

Lula fala, fala, fala, viaja, viaja, viaja; o resto do tempo faz política

MINHA GENTE, estou a cada dia mais perplexo com a performance do nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não que ele tenha mudado essencialmente; nada disso, ele se comporta assim desde o primeiro dia de governo: não desce do palanque.

Às vezes me pergunto se minha crescente perplexidade decorre dessa sua insistência que já dura sete anos ou de alguma outra coisa. Acho que são as duas: por um lado, já não aguento ouvi-lo falar pelos cotovelos, gesticular e postar-se como um ator num palco e, por outro, percebo-o cada vez mais à vontade para dizer o que lhe convenha, conforme o momento e conforme o público.

Sem nenhum compromisso com a verdade e com a postura de um chefe de Estado.

Ele não se comporta como chefe de Estado. Fala sempre em termos pessoais, ou louvando-se a si mesmo sem qualquer constrangimento ou acusando alguém, seja a imprensa, seja a oposição, sejam as classes ricas, sejam os países ricos.

Estão todos contra os pobres, menos ele que, felizmente, assumiu o governo do Brasil para salvá-los, após quatro séculos de implacável perseguição. Do Descobrimento até 2003, ninguém sabe como o Brasil conseguiu sobreviver, crescer, chegar a ser a oitava economia do mundo, sem o Lula! Só pode ter sido por milagre ou qualquer outro fator inexplicável.

A verdade é que, apesar de tudo, o país resistiu até o momento em que ele, Lula, chegou a tempo de salvá-lo. Isso ele afirma com uma veemência impagável, como se fosse a coisa mais óbvia e indiscutível do mundo.

Sem rir, o que é mais surpreendente ainda, diante do olhar espantado de favelados, trabalhadores, funcionários públicos, aposentados.

Já quando o público muda, ele também muda o discurso. Se fala para empresários, banqueiros, exportadores, a conversa é outra. Mostra-se preocupado com o crescimento da economia, com o apoio do BNDES à iniciativa privada e chega mesmo a admitir que sem os empresários o país não cresceria. E o balanço de final de ano mostra que os bancos realmente nunca ganharam tanto dinheiro como durante a gestão presidencial do fundador do Partido dos Trabalhadores, que se dizia inimigo número um deles.

Joga com um pau de dois bicos, mas dá certo. Diz uma coisa para os pobres e o contrário para os ricos, mas dá certo. Tanto que a sua popularidade cresce a cada nova pesquisa de opinião. Na última delas, o índice de aprovação de seu governo alcançou mais de 70% e a dele, presidente, mais de 80%. Ele fala, fala, fala, viaja, viaja, viaja; o resto do tempo faz política. Há uma cumplicidade esquisita: Lula finge que governa, e o povão finge que acredita.

Mas, infelizmente, os números da estatística não conseguem cegar-me. Pelo contrário, ao ver tamanha aprovação a um presidente da República, que busca deliberadamente engazopar a opinião pública, preocupo-me. Para onde estamos sendo arrastados? Até quando e até onde conseguirá Lula manipular a maioria dos brasileiros?

Essas considerações me ocorreram ao ler o discurso que ele pronunciou, no Rio de Janeiro, na favela da Mangueira, ao inaugurar uma escola. De ensino não falou, claro, já que não lê nem escreve. Anunciou a intenção de usar prédios públicos desativados como moradia de sem-teto. E aproveitou para mostrar como os ricos odeiam os pobres: disse que os ricos da avenida Nove de Julho, em São Paulo, não querem deixar que gente pobre venha morar ali, num prédio público desocupado. “Mas nós vamos colocar, porque a moradia é um direito fundamental do ser humano.” Palmas para ele!

Nessa mesma linha de discurso para favelados, defendeu as obras do PAC, afirmando que a parcela mais pobre da população é que será beneficiada, e aduziu: “Quando a gente faz isso, perde apoio de determinada classe social, porque gente rica não gosta que a gente cuide muito dos pobres”.

O discurso, como sempre, é atrapalhado mas suficientemente claro para que a mensagem seja entendida: os ricos odeiam os pobres, que só contam com Lula para protegê-los. A conclusão é óbvia: se o Lula é o pai dos pobres, quem se opõe a ele certamente os odeia e ama os ricos.

Assim como se apropriou de tudo o que antes combatera, improvisou o tal PAC, um aglomerado de projetos pré-existentes de empresas estatais, governos estaduais e municipais, que vai desde o pré-sal até a ampliação de metrôs e o trem-bala.

Mas o investimento do governo federal é de apenas 0,97% do PIB, menos do que investiu FHC em 2001. Se tudo o que está ali é viável ou não, pouco importa, desde que sirva para manter Lula e Dilma sob os holofotes.

Wednesday, February 11, 2009

Um homem sem (certas) qualidades - Reinaldo Azevedo - Revista Veja Edição 2099 - 11/02/2009

"Quando alguém me fala em ‘versão dos vencidos’, sempre temo que ele esteja em busca de uma justificativa moral para cortar o meu pescoço, mandar-me para o paredão ou jogar um foguete no meu quintal"

As análises que faço no blog sobre a reação de Israel aos milhares de foguetes disparados pelo Hamas rendem bombardeios de protesto – e também centenas de manifestações de apoio, é certo. As críticas revelam um aspecto curioso: dada a certeza dos missivistas de que o articulista jamais condescenderia com os motivos dos terroristas do Hamas, cobram-lhe, então, que reconheça ao menos as "culpas de ambos os lados". Às centenas, exigem o que chamam de "meio-termo", "equilíbrio" e "isenção" – e isso significa que o querem moralmente comprometido "com o mais fraco". Os mais sagazes ousam dar aulas de como é que se faz: "Relatar a versão de todas as partes envolvidas, e o leitor que tire as suas conclusões". É o jornalismo entendido como uma vitrine de divergências para satisfação do voyeurismo ideológico. Entre os produtos expostos, deveria estar também o elogio ao terror, já que há consumidores que o desejam...

Há os que ensaiam voos de alcance filosófico com sotaque francês: sustentam que a realidade nada mais é do que um "discurso sobre a realidade". Assim, o que o pobre articulista toma como "verdade" seria tão-somente a narrativa mais influente ou mais bem construída. Como a história, asseveram, é contada pelos vencedores, convidam-no a prestar atenção à "versão dos vencidos". Pois é... Uma das "versões dos vencidos" que ganhou o mundo com ares de escândalo foi o bombardeio de uma escola da ONU na Faixa de Gaza, o que foi confirmado no dia 6 de janeiro pelas próprias Nações Unidas. Ironizei então: "Até parece que Israel, quando não tem o que fazer, bombardeia escolas para se distrair". Fui chamado de cruel e insensível ao drama palestino.

Quase um mês depois, na terça-feira da semana passada, 3 de fevereiro, veio o desmentido oficial da ONU: não, os israelenses não bombardearam a escola. A organização deixou que a mentira prosperasse por quase um mês. Era propaganda do Hamas. Como sabem, estou preparado para a possibilidade de o vencedor estar certo e de sua narrativa ser, de fato, a melhor. Ademais, quando alguém me fala em "versão dos vencidos", sempre temo que ele esteja em busca de uma justificativa moral para cortar o meu pescoço, mandar-me para o paredão ou jogar um foguete no meu quintal, para citar três práticas a que os humanistas influentes de diferentes épocas já recorreram na sua "luta histórica por justiça"... Ademais, quem disse que o oprimido está necessariamente certo ou tem a melhor solução? Acreditem: quase sempre está errado e tem a pior.

Mohammed Saber/Corbis/Latinstock

O Hamas mostra os dentes
"Será que o Irã deixaria de financiar o terrorismo
se mantivesse relações amistosas com os Estados Unidos?"


O que incomoda tanto nos meus textos sobre Israel – e, a rigor, sobre qualquer assunto? O fato de, em matéria de princípio, o autor não ter por hábito exercitar nem mesmo a dúvida decorosa, aquela cheia de verbos no futuro do pretérito – para não ofender as certezas do interlocutor/leitor. Há um misto de ditado e aforismo atribuído a um velho judeu da Galícia que ilustra bem a situação: "Quando alguém está 55% certo, isso é muito bom, e não há discussão. Se alguém está 60% certo, isso é maravilhoso, é uma grande sorte, ele que agradeça a Deus. Mas o que dizer sobre estar 75% certo? Os prudentes já acham isso suspeito. Bem, e sobre estar 100% certo? Quem quer que diga que está 100% certo é um fanático, um facínora, o pior tipo de velhaco". Não custa observar: é uma ironia com quem não tolera que o outro possa ter mais de 60% de certeza...

Durante um bom tempo, a convicção viverá dias de desprestígio, e a afirmação que não apelar a zonas de ambiguidade e teorias da incerteza, para afetar tolerância e paixão pela especulação intelectual, será tachada de radical – e o radicalismo, claro, deve ser monopólio dos nossos inimigos... Tudo nos será permitido, exceto ter algumas velhas certezas. Você mesmo, leitor, deve ficar atento à orientação moral máxima destes tempos: "A virtude está no meio" – ainda que esse "meio", de fato, tenha lado. Fuja se alguém o ameaçar com uma moeda: "Cara ou coroa?". Ele é um sabotador da virtude. Na praia, quando o sorveteiro lhe perguntar o sabor do picolé, pense no que você pode perder ao ser obrigado a fazer uma escolha. Opte pela incerteza e responda: "Qualquer um". Diante de um sorveteiro, do aborto, dos foguetes do Hamas, da eutanásia, da comida japonesa, da pena de morte, do pagode, do Bolero de Ravel ou da ditadura cubana, prefira a dúvida que faz a fama dos sensíveis à certeza que faz a má fama dos dogmáticos. Não seja um lobo da estepe. Não provoque os outros com suas convicções. Não seja desagradável!

Os arautos dessa Era da Incerteza Moral pretendem que Barack Obama seja o seu Messias. Ele seria a comprovação da falência dos valores cultivados pelos conservadores e reacionários ocidentais. É como se o novo presidente, em vez de eleito e fruto das melhores virtudes da democracia na América, tivesse sido imposto à população por alguma força superior, demiúrgica, que tivesse assaltado as muralhas da tradição. Até parece que Obama mudou os EUA para se eleger. De fato, o país que há, em contínua mudança, é que o elegeu. Ele é fruto da tradição democrática, não do seu rompimento.

Se o líder não pode responder pelas tolices que dizem a seu respeito, certas falas suas, no entanto, justiça seja feita, dão asas à imaginação doidivanas que se regozija com a eleição de um suposto "inimigo dos EUA", que viria cumprir uma profecia: oficiar as exéquias do Império Americano e suas... certezas. Quais falas? Aquelas em que procede a uma espécie de mea-culpa na tentativa de diálogo com os promotores do terrorismo. Obama, sem dúvida, é produto de uma mentalidade errada, mas muito influente e agora no topo do mundo, segundo a qual o Ocidente, hoje liderado pelos EUA, teria inventado os "vários Orientes" e pautado suas demandas e dissensões.

Não deixa de ser um traço de arrogância bem ocidental ignorar que os países islâmicos (e cada um à sua maneira) ou a Rússia, que não quer ser e não vai ser parte da Europa, têm a sua própria agenda. Ou será que o Irã deixaria de financiar o terrorismo do Hamas e do Hezbollah ou de tentar levar adiante seu programa nuclear se mantivesse relações amistosas com os EUA? Convenham: bastaria que fizesse isso, e as relações com os EUA seriam... amistosas! Obama, nesse particular, é só a expressão de uma tolerância equivocada e paternalista com o sectarismo: supõe que ele se defina por uma carência de razão, compreensão e diálogo, mais ou menos como se fosse a infância do pensamento. Vamos ver a que preço vai perceber que está errado. Os iranianos acabam de responder com um foguete às mãos estendidas dos EUA. É uma pena! A gente se apega aos aiatolás, e eles aprontam uma dessas...

Importa-me menos, no entanto, o que os "orientes" estão fazendo com as convicções deles do que o que o Ocidente faz com as suas. Ressurgem por aqui os teóricos do terrorismo e da violência como método. E começam a ser admitidos na academia, na imprensa e na sala de estar. Um deles é figura frequente no debate: Slavoj Zizek, sociólogo e filósofo esloveno, autor de vários livros traduzidos no Brasil e uma das referências mundiais da extrema esquerda. Ao resenhar um livro seu para O Estado de S. Paulo, Vladimir Safatle, professor de filosofia da Universidade de São Paulo, descobriu "a invenção do terror que emancipa", falou de uma "ação revolucionária" que não cabe nos "quadros normativos do humanismo" e defendeu a construção de "estruturas institucionais universalizantes capazes de dar conta de exigências de reconhecimento de sujeitos não-substanciais que tendem a se manifestar como pura potência disruptiva e negativa". Ufa!!! Embora pareça que ele trata de gases abdominais, está falando dos terroristas, que deveriam, então, ser abrigados por "estruturas institucionais universalizantes".

E, assim, voltamos ao ponto de partida. Este escrevinhador nada tem contra a dúvida que busca a verdade. Mas está 100% convicto da superioridade moral e do valor universal da democracia. E não mudaria de ideia ainda que a maioria discordasse. A democracia é tão importante que, se preciso, tem de ser preservada até mesmo da vontade da... maioria! Mas fica para outro capítulo.

Wednesday, February 04, 2009

A MAIOR MENTIRA DA HISTÓRIA DO BRASIL - Blog do Reinaldo Azevedo - 04/02/2009

Vocês viram como a bagatela de R$ 503 bilhões que nunca existiram se transforma em mais do que o dobro num piscar dos olhos — novos — da ministra Dilma Rousseff? Faz sentido! Dobrar o que não há é tarefa fácil. Basta submeter os números a uma, se me permitem, plástica. Desta feita, para injetar gordura (ou vento), em vez de tirar.

É mesmo um troço formidável. Para todos os efeitos, o mundo entrou em crise, mas o Brasil aumentou seu programa de investimentos em estupendos R$ 646 bilhões. Só para pôr em perspectiva: o agora trilionário PAC conseguiu gastar, no ano passado, R$ 18,7 bilhões — vale dizer: 1,6% da soma megalômana. “Ah, Reinaldo, o justo é fazer a conta com o que foi efetivamente comprometido, mesmo que ainda não tenha sido pago”. Tá bom: então temos... 2,9%

É uma piada. Nunca se viu máquina de propaganda assim. Não se trata de gostar ou não gostar do governo, de ter ou não afinidade ideológica com ele, de torcer ou não para que as coisas dêem certo (ou errado). Estamos diante de uma das maiores mentiras jamais contadas no país em tempos democráticos. Ouso dizer que, no que concerne à economia e ao futuro do país, é mesmo a maior de todas mentiras, na democracia ou na ditadura.

Não deixa de ser sintomático que Dilma seja obrigada a “desmentir” os que dizem que o PAC não existe. Olhem que situação esdrúxula: como é que poderia sequer haver dúvidas, mesmo se vindas de adversários, de que algo tão colossal possa existir?

E notem um truque formidável: dos R$ 646 bilhões de dinheiro fantasma acrescidos ao PAC, nada menos de R$ 455 bilhões foram acrescentados à conta a partir de... 2010!!! Como vocês percebem, a coisa ficará a cargo do sucessor de Lula. Se for Dilma (ou qualquer outro petista), vai-se empurrando a coisa com a máscara recauchutada. Se for um oposicionista, bem... O PT vai dizer que seu plano de salvação do Brasil foi abandonado pelo adversário. Caso as coisas saiam pelo melhor, tudo terá sido obra de Lula. Ele já tem a sua herança bendita. A exemplo de Obama, Lula também é um homem que não faz história, mas pré-história.

Escrevi ontem, e o faço sempre, que o Apedeuta tem uma notável inteligência política. É claro que não concordo com aqueles que divergem da minha opinião sobre o petismo. Afinal, se concordasse, o meu pensamento coincidira com o deles, certo? É burra a crítica que me atribui subestimar o partido ou Lula. Jamais! E é compreensível aquela que me acusa de superestimá-lo, atribuindo-lhe uma articulação inexistente em qualquer outra legenda. Compreendo, mas, reitero, discordo. Qualquer força política que trate Lula e o PT como amadores que só sabem improvisar está cometendo um erro fatal.

O PAC não existe. A verba trilionária do PAC não existe. E por que a oposição se cala? Porque teme os índices de popularidade de Lula — tratei do assunto ontem, em dois textos, vejam lá. E por que boa parte da imprensa se omite? Em parte, pela mesma razão, receando se descolar, digamos, desse sentimento de adesão. Há o receio do contra-ataque. Ninguém quer parecer, como diria Marcelo Coelho, um intelectual do regime, “pessimista e sombrio”.

Aliás, caro leitor, você pode exercer, como se diz hoje em dia, a sua "cidadania". Indague aos jornalistas integrados, otimistas e iluminados, de onde vai sair o trilhão do PAC. Se eles tiverem a resposta, mandem pra cá. Será a descoberta do século.
Por Reinaldo Azevedo

NÃO, ISRAEL NÃO ATACOU A ESCOLA DA ONU. ERA UMA FARSA DO HAMAS. A ONU FOI OBRIGADA A ADMITIR A VERDADE. QUASE UM MÊS DEPOIS! CADÊ AS MANCHETES?

Blog do Reinaldo Azevedo - 04/02/2009

A notícia não está em nenhum dos jornais brasileiros ou nos grandes sites noticiosos. Lembram-se aquele ataque das Forças de Defesa de Israel a uma escola da ONU, que matou 43 pessoas? Pois é. Não foi numa escola da ONU coisa nenhuma, o que os israelenses vinham dizendo desde o dia 6 de janeiro. Só na segunda-feira, quase um mês depois, Mawell Gaylord, coordenador de ações humanitárias da ONU em Jerusalém, admite a verdade: o morteiro foi lançado numa rua PERTO da escola, mas não contra a escola.

Ora, recuperem o noticiário dos jornais e sites do Brasil e do mundo naquele dia 6. Lembro-me de ter aqui ironizado que os israelenses, maus como pica-paus, não podiam ver uma escola da ONU que iam logo jogando morteiros. Talvez para se livrar do tédio, não é? Ah, acusaram-me de insensível facinoroso. Marcelo Coelho, da Folha, sugeriu no jornal e no seu blog que tenho certa simpatia pelo assassinato em massa de crianças... Mais: como eu alertasse aqui para o óbvio — O HAMAS É A FONTE DAS NOTÍCIAS —, fui acusado de realismo estúpido. Coelho chegou a indagar algo como: “Para que jornalismo se já existem os militares?” Ou coisa assim. Chegou a minha vez de indagar: PARA QUE COELHO SE JÁ EXISTE O HAMAS?

O jornalismo dele, não sei para que serve. O meu existe, entre outras razões, para que os freqüentadores deste blog possam ler com mais acuidade o que é noticiado na imprensa.

Não se espante, leitor, se, naquele episódio, não tiverem morrido as 43 pessoas anunciadas. Todas, rigorosamente todas as ditas “atrocidades” cometidas por Israel têm origem no, como direi?, Departamento de Propaganda do Hamas: do grande número de crianças e civis mortos ao uso de bombas de fragmentação e fósforo branco para atacar pessoas. Este segundo caso, então, pode dar pano para manga. A tal substância não é considerada arma química. É empregada para iluminar alvos noturnos e criar cortina de fumaça para ação da infantaria. Israel nega que tenha feito qualquer coisa fora das leis internacionais. Como negava que tivesse jogado morteiro numa escola da ONU — e falava a verdade. De todo modo, abriu-se uma investigação.

Como se vê, o Hamas faz direitinho o seu trabalho. O ataque mentiroso à escola foi manchete do mundo inteiro. O desmentido, até agora, está apenas no Haaretz. O mundo também não se interessou em manchetar as torturas e execuções sumárias que se seguiram à retirada de Israel de Gaza.

A imprensa ocidental se deixou seqüestrar pela lógica terrorista. Esse caso da escola merece a justa designação: ESCÂNDALO. Quer dizer que os homens da ONU em Gaza demoraram um mês para fazer o que poderiam ter sido feito em cinco minutos? Escrevi aqui, certa feita, que o principal inimigo de Israel no Oriente Médio é a organização. Foi uma gritaria. Eis aí.

Bem, esperar o quê? O principal representante das Nações Unidas em Gaza é um sujeito que acredita que os próprios EUA tramaram o 11 de Setembro...

Pois é, leitores. Como diria aquele, quando já temos o terrorismo e a ONU, pra que certo jornalismo, não é mesmo?
Por Reinaldo Azevedo

Tuesday, February 03, 2009

SOBRE O PORCO FEDORENTO - UMA ENTREVISTA IMPERDÍVEL - Blog do Reinaldo Azevedo - 03/02/2009



Imperdível a entrevista que a apresentadora e jornalista de origem cubana Marlen Gonzalez fez com o ator Benicio del Toro no programa Primer Plano, do canal “41 Noticias”, de Miami. Benicio encarna, como se sabe, Che Guevara no filme Che, de Steven Soderbergh. A fita canta as glórias do Porco Fedorento. Marlen soma os dons do pensamento aos evidentes dotes da ventura. O homem começa "toro" e termina novilho. “Ah, mas ele é só um ator”. Errado! Esse rapaz andou cantando as glórias de Guevara mundo afora, com aquela frivolidade bem típica de certo tipo “engajado”.

Marlen dá início à entrevista indagando por que escolher Miami para lançar o filme, justamente uma cidade onde vivem tantos cubanos, vítimas do regime. “É uma provocação?” Toro balbucia uma negativa, um tanto apatetado. Marlen pergunta se uma fita exibindo o lado bom de Hitler não ofenderia 15 milhões de judeus e a memória de 6 milhões de vítimas. Assustado, ele diz que não crê que Guevara tenha feito campo de concentração. Pois é. Falta de informação, Toro. Vá estudar! O Porco criou o primeiro campo de trabalhos forçados da América Latina. Ela não deixa a peteca cair: “Estamos falando de assassinatos. Não é igualmente assassino quem mata um, cem, cem mil...” Toro, tadinho, tenta ainda uma saída: comparou Che a um general num campo de guerra...

Marlen lembra as opiniões favoráveis que Toro deu sobre Che e indaga se ela sabia que, à frente da prisão de La Cabaña, o dito revolucionário mandou fuzilar mais de 400 prisioneiros. E o que diz o valente? “Sabia. Muitos dos que foram fuzilados eram terroristas...” Não, atalha Marlen: “Noventa por cento eram presos de consciência. [morreram] Simplesmente por discordar do sistema nascente, por pensar diferente”. E ele: “Ah, não sabia disso”... E assim vai.

No arremate, Marlen lembra uma frase de Che: “A ação mais positiva e forte, independentemente de qualquer ideologia, é um tiro bem dado, no momento certo, em quem merece”. E presenteia o pobre Toro — àquela altura, só um bezerro gritando ‘mamãe’ — com o livro Guevara: Misionero de la Violencia, do historiador cubano e ex-preso político Pedro Corzo.

Sei lá por quê, o Blogger não está aceitando o link do YouTube. Para ver o vídeo, clique aqui. Imperdível.
Por Reinaldo Azevedo

Monday, February 02, 2009

DE HOMICIDAS E COVARDES - Blog do Reinaldo Azevedo - 02/02/2009

Não haverá protestos da ONU ou de entidades ditas defensoras de direitos humanos contra as execuções praticadas pelo Hamas na Faixa de Gaza. O relativismo moderno nos diz que facínoras têm o direito de assassinar o seu próprio povo, especialmente quando eles trazem a marca, como é o caso do Hamas, do “progressismo”. Afinal, sabemos, esses valentes comandam o que se chama “resistência” palestina. Também é de somenos que as execuções tenham sido sumárias, ao arrepio de qualquer formalidade legal — e, como não poderia deixar de ser, precedidas de tortura. Cada escola e cada hospital, tão logo Israel saiu de Gaza, foram convertidos em centros de interrogatórios. Quem não recebeu a pena capital levou tiros no joelho ou teve o braço quebrado como punição. A família era chamada para assistir às sevícias.

E não haverá uma maldita palavra a respeito. Jimmy Carter, o plantador de amendoim e mistificações, quer conversar com o Hamas.

Quando Israel ocupou Gaza, o Hamas acoitou-se entre os civis, procurando fazer o maior número possível de vítimas. Só mostrou a cara quando foi para se impor, de novo, pelo terror. Não haverá protestos. Para os progressistas, palestino matar palestino é parte da luta pela autonomia.

A ONU sabe condenar uma força militar por, involuntariamente, fazer vítimas civis numa guerra. Mas deve achar que caçar voluntariamente os adversários, eliminando-os, é parte do jogo. É o humanismo que recende a cadaverina.
Por Reinaldo Azevedo

POVO GOSTA DE GENTE HONESTA; QUEM GOSTA DE BANDIDO É JORNALISTA - Blog do Reinaldo Azevedo - 02/02/2009

Povo gosta de gente honesta; quem gosta de bandido é jornalista. A frase, claro, é adaptação de outra famosa, atribuída a Joãozinho 30: “Povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. Alguns intelectuais e alguns jornalistas não hesitariam em classificá-las de “fascistas” – especialmente aqueles que não sabem o que foi o fascismo. Adiante. É um exagero certamente dizer que jornalistas gostam de bandidos – alguns apreciam; há até jornalistas bandidos. Mas quase nunca é um erro inferir que a categoria, com exceções (sempre!), não aprecia a Polícia. Em particular, odeia noticiar que ela pode ser eficiente. Toda notícia tem certo grau de distorção – é da natureza do processo, e trato disso uma outra hora. Quando o assunto é segurança pública, tal distorção pode assumir características alarmantes. Aí já não estamos lidando com uma fatalidade, mas com escolhas, quase sempre ideológicas. Foi o que se viu na imprensa paulista no sábado ao noticiar números sobre a violência em São Paulo. A Folha, vá lá, noticiou também o que tinha de ser noticiado. O caderno de Cidades do Estadão – a cada dia mais distante do resto do jornal na sua, como direi?, qualidade muito particular, – não hesitou: além de omitir dos leitores o dado principal, transformou um êxito fenomenal do estado numa derrota alarmante. Vamos aos detalhes.

Começarei pela Folha, que, na manchete e em parte do lead da reportagem, fez a coisa certa. E qual era a coisa certa? Noticiar que, atenção!, EM NOVE ANOS, OS HOMICÍDIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO TIVERAM UMA REDUÇÃO DE 66%. Vocês leram direito. Em 2008, pelo nono ano consecutivo, o número de assassinatos caiu: 4.426 casos contra 4.877 em 2007 – 451 a menos, uma redução de 9,25%. Só esse dado já deveria servir para soltar alguns rojões. Mas quê... Só para dar uma medida: em 1999, foram 12.818 casos. Não custa lembrar que a população do estado cresceu no período. Pois bem...

A Folha teve “coragem” (vejam a que palavra recorro...) de dar a boa manchete, mas não resistiu em reproduzir na capa um dado que foi parar no título da manchete de página, a saber: “Apesar da redução, o Estado continua sendo considerado uma ‘zona epidêmica de homicídios’ - para a OMS (Organização Mundial da Saúde), existe uma epidemia quando o índice é superior a 10 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em São Paulo, são 10,76 casos por 100 mil moradores.” A palavra “epidêmica”, sem as devidas considerações, distorce tudo. A OMS considera que um número de até 10 assassinatos por 100 mil habitantes não indica uma patologia social. Bem, São Paulo está quase lá. E por que está?

Já tratei disso aqui tantas vezes... Leiam um trecho da reportagem da Folha:
“O governo atribui a queda dos homicídios ao investimento nas polícias, ao aumento na apreensão de armas e à construção de presídios e o conseqüente crescimento da população carcerária do Estado (hoje em 145 mil presos).
Coronel reformado da PM e ex-secretário nacional de Segurança Pública da gestão FHC, José Vicente da Silva Filho diz que São Paulo ‘rompeu uma espiral’. ‘A polícia foi reabilitada, e o Estado aumentou a sua taxa de encarceramento, que é o dobro da nacional’, diz.

Notem que o jornal, digamos, não dá mole para o que seria só uma explicação oficial. Com estimados 41 milhões de habitantes, São Paulo tem quase 22% da população do Brasil, mas tem 145 mil presos – de um total estimado no país de 420 mil. Ou seja, com 22% da população, conta com 35% dos presos. Levados em conta os detidos em delegacias, cehga-se perto de 40%. OLHEM QUE COISA! Quanto mais bandido presos, menos pessoas assassinadas e menos crimes! Não é mesmo surpreendente? Muitos intelectuais e muitos jornalistas odeiam essa relação de proporcionalidade. Certa feita, um dotô uspiano usou estes números para tentar provar que São Paulo prende demais...

Pois bem. A Folha, sempre atenta a todos os lados da notícia, resolveu ouvir também o lado surrealista, que veio na fala do promotor Roberto Wider Filho. Segundo o valente, escutas mostram que homicídios comuns em algumas favelas são brutalmente reprimidos por traficantes, que não querem chamar a atenção da polícia para os seus pontos-de-venda de drogas. Ah, entendi! Que polícia eficiente que nada! Quem agora salva vidas, mas não exatamente por bons motivos, é o PCC. WIDER FILHO ACHINCALHA OS FATOS E A NOSSA INTELIGÊNCIA. POR QUE O CRIME ORGANIZADO NO RESTO DO PAÍS NÃO FAZ, ENTÃO, A MESMA COISA?

A guerra civil não-declarada mata uma média de 50 mil pessoas por ano – 26,31 pessoas por 100 mil habitantes (população estimada de 190 milhões). Se a média nacional fosse a de São Paulo, os mortos seriam 20.444 pessoas – 29.556 pessoas deixariam de morrer por ano.

Agora o Estadão
O Estadão preferiu ignorar a estupenda queda no número de homicídios e optou pelo seguinte título: “Cresce o nº de estupros no Estado”. Como se sabe, o combate a esse tipo de crime é mais matéria de educação e prevenção do que propriamente de ação policial, já que boa parte das ocorrências se dá no ambiente familiar ou doméstico – e, tragicamente, envolve crianças. A escolha editorial estava feita: quase todos os crimes caíram, mas escolheram para dar destaque um tipo em que houve aumento. Num segundo texto, quase sumido na página, reconhece-se: “A maior queda foi a de roubo de carros: 13,41%, seguido por lesão corporal com intenção, 12,5%. As tentativas de homicídio caíram 11,57% e lesão corporal sem intenção, 6,07%. Furtos de carros foram reduzidos em 7,52%, enquanto furto caiu 7,46%. Homicídio sem intenção caiu 10,05% e com intenção, 3,63%. Roubos a banco reduziram em 1,05% e roubo, 0,06%.”

E a queda de 66% no número de homicídios em nove anos? O jornal não noticiou.

Latrocínios
Agora notem outro destaque dado pelo Estadão: “Reportagem na quinta-feira mostrou, com exclusividade, que o latrocínio (roubo seguido de morte), crime hediondo, aumentou 64% na capital no ano passado, em relação a 2007. (...) Em 2008, foram registradas 69 ocorrências desse tipo de crime na capital, ante 42 no ano anterior. No total, foram 69 ocorrências - em 2007, foram 42. Em todo o Estado, o número foi de 267 no ano passado e 218 em 2007.” No ano passado, na cidade, houve, portanto, 0,62 morto por 100 mil habitantes vítima desse tipo de ocorrência e 0,65 no Estado. Se o Brasil fosse como o estado de São Paulo, dos 50 mil homicídios por ano, apenas 1.235 decorreriam de latrocínio – ou 2,47%.

E, acreditem, a petralhada invadiu o blog para dizer que a imprensa ESTAVA MAQUIANDO OS NÚMEROS DA VIOLÊNCIA EM FAVOR DE... SERRA!!!

A caminho da conclusão
Claro, eu poderia deixar de lado um texto como este, não é? Para que me expor à patrulha? Mas não deixo. Em qualquer país civilizado do mundo, entende-se a óbvia relação que há entre eficiência policial e queda nos índices de violência. Uma eficiência que também é produto de um estado institucionalmente organizado. Na Venezuela desordeira, do “querido (de Lula) Hugo Chávez”, os homicídios dobraram desde que o bandoleiro conquistou o poder: 48 por 100 mil habitantes - em Caracas, chegam a 130 – 12 vezes o índice do estado de São Paulo. Como se sabe, lá eles já vivem “o outro mundo possível” de que fala o Fórum Social Mundial, aquele que queima mato e dinheiro.

Sei que a muitos há de parecer exótico, mas policia eficiente e bandido na cadeia aumentam a segurança das pessoas, como direi?, “de bem”. A polícia de São Paulo dos últimos nove anos está de parabéns: meter em cana 145 mil pessoas que devem estar em cana é um verdadeiro poema humanista!
Por Reinaldo Azevedo

JIMMY CARTER, O CRETINO FILOTERRORISTA - Blog do Reinaldo Azevedo - 02/02/2009

Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos (1977-1980), é um desses imbecis rematados que acabam adotados pelos “progressistas” porque se entende ser “um deles” – dos imperialistas -, convertido à causa “dos oprimidos”. Ontem o Estadão reproduziu uma entrevista do homem a Reza Aslan, do Global Viewpoint. O palerma que era presidente dos Estados Unidos quando se deu a revolução islâmica (1979) no Irã lidera o tal Carter Center - para promover a paz mundial e os direitos humanos, é claro...

Antes que entre no mérito das bobagens que disse sobre o Oriente Médio, cumpre recuperar um tanto da contribuição deste cidadão ao processo de paz. Como se diz acima, a Revolução Islâmica no Irã se deu sob a sua gestão. Mas não só isso. Terroristas disfarçados de “estudantes”, com o apoio dos aiatolás, mantiveram 52 reféns na embaixada americana em Teerã durante 444 dias. Foi o tempo que a gestão Carter levou para encontrar uma saída nas negociações com aqueles humanistas do turbante negro.

O ano de 1979 também foi marcado pela invasão do Afeganistão pela União Soviética. Indignado, Carter foi durão: boicotou os Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, ano em que começa a guerra entre o Irã e o Iraque.

Durante as duas guerras do Golfo (a de Bush pai e a de Bush filho), contra Saddam Hussein, os “progressistas” mundo afora não cansaram de lembrar que Saddam foi armado pelos EUA para tentar destruir o regime dos aiatolás. A guerra durou oito anos – estendeu-se ao longo dos dois governos de Ronald Reagan. Verdade. Mas Saddam começou a ser “usado” foi no governo do humanista Carter. Os EUA alimentaram com armas os radicais islâmicos do Afeganistão? Verdade. Mais uma política do governo... Carter. Um sábio.

Pois bem. Vamos agora à entrevista, cujo título é “Solução de dois Estados só depende de Israel''. A tese do ex-presidente está no livro "Podemos chegar à paz na Terra Santa: Um plano que vai funcionar". E por onde se começa a resolver o problema segundo esse iluminado plantador de amendoim? Israel tem de deixar imediatamente a Cisjordânia, parar com os assentamentos e eliminar o muro que separa a região do território israelense.

Huuummm... Grande idéia! Ninguém tem dúvida – a começar do Hamas e do Fatah – que, se Israel deixar a Cisjordânia agora, vai acontecer lá o que aconteceu em Gaza: uma guerra civil palestina, com a provável vitória dos terroristas. Aí, em vez de os foguetes caírem em áreas mais ou menos desabitadas de Israel, eles atinguirão o aeroporto de Telavive, bairros onde vivem milhares de pessoas, escolas... Quanto ao muro, Carter certamente sabe que os atentados suicida-homicidas foram praticamente eliminados. É feio? É. Outras alternativas foram tentadas. Também acho que os assentamentos têm de parar. Sigamos com trechos da entrevista, em vermelho. Comento em preto.

Parece que durante cerca de 40 anos o status quo beneficiou Israel. Mas agora parece que ocorreu uma virada, em termos demográficos. Não falta muito tempo para que haja mais árabes do que judeus entre o Mediterrâneo e o Rio Jordão. Esta não é a verdadeira ameaça à existência de Israel?
Exato. Logo haverá uma maioria árabe naquele território de um único Estado, o que significa que Israel terá apenas três opções completamente inaceitáveis. Uma delas é o que se pode chamar de limpeza étnica, coisa que ninguém deseja, e isto significa obrigar os palestinos a deixar o território. A segunda opção seria ter um país dentro do qual houvesse duas classes de cidadãos: uma delas seria composta pelos judeus, que teriam direito ao voto; a outra seria formada pelos árabes sem direito ao voto. E isso seria equivalente ao apartheid sul-africano.
A terceira e última opção é deixar que os árabes detenham a maioria dos votos, e com alguma divisão entre os judeus, e os árabes votando em bloco, eles controlariam todo o governo e não haveria mais um Estado judaico. Estas são as opções, excluída a solução de dois Estados.
A pergunta não trata de uma ameaça coisa nenhuma, mas do que entende ser uma fatalidade – e, nessa perspectiva, Israel já entraria numa negociação derrotado. Logo, o país estaria esperneando enquanto aguarda o fim trágico. Solidário, Carter vem lembrar três alternativas que não servem. A saída? Ora, os dois estados. Sim, bem poucos são os judeus e partidos israelenses que não concordam com isso. A pergunta é outra: quantos são os palestinos que aceitam o estado judeu?
Os israelenses saíram de Gaza, e o terror passou a dominar Gaza. Saíram do Sul do Líbano, e o terror passou a dominar o Sul do Líbano. Será que, temendo por uma das três alternativas ditas “inaceitáveis”, os israelenses devem entregar também a Cisjordânia aos terroristas? A lógica seria mais ou menos esta: "Ah, já que Carter diz que a gente não tem saída, então vamos nos render agora.

Parece que a opinião pública e a mídia americanas estão mais dispostas a criticar Israel após a guerra em Gaza.
As pesquisas mostram que isso é verdade. Acho que veremos grandes mudanças, e a demonstração mais concreta é a eleição de Barack Obama. Desde sua primeira semana na presidência, ficou claro que a paz no Oriente Médio será uma de suas prioridades. E o enviado especial escolhido por ele, George Mitchell, é muito mais qualificado do que muitos de seus predecessores.
Para qual governo americano a paz no Oriente Médio não foi uma prioridade? Ora, o próprio Carter patrocinou o acordo entre Egito e Israel, que resultou na devolução do Sinai. Qual foi a condição? Que os egípcios cessassem as hostilidades. E foi o que aconteceu. Desde aquele tempo, o acordo tem sido cumprido. E olhem que o líder israelense que celebrou o entendimento foi ninguém menos do que o durão Menachen Begin.
Mas esse nem o aspecto mais interessante da resposta de Carter. Notem que ele evoca Barack Obama justamente quando o entrevistador lembra que a opinião pública e a mídia americanas são hoje mais hostis a Israel do que já foram. Parece que o novo presidente é parte desse pacote. Mitchell??? É uma piada? Na sexta, o pacificador previu um recrudescimento da violência na região.

A maioria dos israelenses está disposta a abrir mão da Cisjordânia em troca da paz, e os palestinos desejam a mesma coisa. A poderosa voz do presidente dos EUA terá um imenso impacto sobre a opinião pública, não somente no seu país, mas também nos territórios palestinos e em Israel.
Eis o homem que demorou imodestos 444 dias para resolver a crise dos reféns na embaixada. A voz dos israelenses se faz ouvir em eleições democráticas. E é bem possível que a maioria da população defenda o fim da ocupação da Cisjordânia. Mas quem são “os palestinos” de Carter? Os do Hamas querem o fim de Israel. Faz parte de seu programa e de sua razão de ser. Um dia a “voz poderosa do presidente dos EUA” já foi a de Carter. Por que ele não celebrou o acordo com os palestinos? Por que outros não o fizeram depois dele? E Clinton? Por que não? A resposta é simples. Se eu fosse um nefelibata, poderia dizer que a vontade dos palestinos foi seqüestrada pelos terroristas. Mas tenho de ser objetivo, não? Os palestinos escolheram o terrorismo. Votaram no Hamas.

Qual seria a principal lição que o presidente deveria aprender a partir da sua experiência nas tentativas de encerrar o conflito no Oriente Médio?
Os EUA precisam desempenhar um papel forte desde os primeiros momentos de seu governo, sendo enfáticos nos esforços para conduzir as negociações até a sua conclusão. É necessário agir logo, demonstrar comprometimento profundo e ser persistente.
Claro, claro. E todo homem deve ser bom. E a gente não deve comer com os cotovelos sobre a mesa. E devemos ser generosos e audaciosos.

Este processo começa com o reconhecimento do papel desempenhado pelo Hamas nas negociações?
Ainda é cedo para isto. O Hamas se comprometeu a aceitar qualquer acordo negociado com Israel, desde que seja submetido ao povo palestino em um plebiscito, ou se for eleito um governo de unidade e os representantes do governo aprovarem o acordo. Este é um importante passo a ser dado quando chegar o momento nas negociações com o Hamas.
A fala seria coisa de vigarista se Carter não fosse apenas um tolo. As condições da “aceitação” do acordo impostas pelo Hamas dizem a razão pela qual é impossível negociar com o Hamas. Um plebiscito conduzido pelo terror resultaria na opção pela continuidade do terrorismo. A resposta ao governo de unidade nacional foi dada pelo Hamas quando expulsou o Fatah de Gaza, com a seqüência de tortura e execuções sumárias.

Talvez agora tenhamos a oportunidade de reconsiderar os últimos 30 anos de política externa americana em relação ao Irã. Que conselho daria a Obama a respeito do melhor modo de tentar uma aproximação com o Irã?
Ele já prometeu, antes e depois de ser eleito presidente, que abrirá todas as formas de comunicação com o Irã. Se você descartar o presidente Mahmud Ahmadinejad e se aproximar de membros mais responsáveis do governo do Irã, penso que, quando Obama enviar alguém para explorar as possibilidades de negociação, acho que essa pessoa será bem recebida. Meu conselho para Obama é simplesmente fazer o que prometeu que faria: abrir um canal de comunicações com o Irã.
Ora, fácil, não? Basta botar de lado o segundo homem mais poderoso do Irã, que trabalha em consonância com o núcleo duro do clero xiita... O resto se ajeita! Vamos lá, Obama, abra o canal.

O senhor é otimista com relação à situação no Irã e no Oriente Médio daqui a oito anos?
Sim, comparando com as circunstâncias atuais, de onde partimos. O melhor meio de restringir os movimentos potenciais do Irã para aumentar sua capacidade nuclear é conseguir a paz entre israelenses e palestinos, acabar com a guerra oficial entre Israel e Síria, Israel e Líbano.
Aqui, a mãe de todas as tolices: supor que a resolução dos conflitos entre os palestinos e os israelenses é central para contornar o terrorismo e a hostilidade dos países islâmicos contra Israel. A tese é simplesmente falsa. O Irã, por exemplo, que nem árabe é, está pouco se lixando para o assunto. A causa só lhe serve de um bom pretexto. Ou será que a revolução islâmica iraniana pensava nos palestinos? O jihadismo à moda Bin Laden luta contra o risco de ocidentalização do Islã – Israel é só um símbolo do que seria a conspurcação de uma terra sagrada. Se o país fosse varrido do mapa amanhã, uma nova causa de alevantaria.

Acho que isso eliminaria, e muito, a ameaça da qual os iranianos sentem que precisam se defender.
Ah, entendi. O Irã quer a bomba, gente, é para se defender! Vai ver teme ser invadido por Israel. Carter é um idiota, mas um idiota perigoso.

E de uma maneira mais geral, debilitaria a influência de Teerã e seu prestígio, que cresceu por causa da guerra do Iraque. Assim, o fim da guerra no Iraque e a paz no Oriente Médio seriam duas coisas que colocariam o Irã de volta a uma posição em que sua influência negativa em prol do terrorismo diminuiria, e o país sentiria menos necessidade de ter armas nucleares para se defender.
Certo. O corolário é o seguinte: Israel deve ir para o sacrifício, oferecendo-se em holocausto. Sai de Gaza agora, destrói o muro, expõe-se ao foguetório e aos homens-bomba do Hamas e de outros radicais. E, assim, contribui para diminuir a influência do Irã!!!
É, é um modo de ver o mundo...
Carter não deixa der uma personagem um tanto assustadora. Ele é a encarnação, no Ocidente, da lógica e dos motivos do terrorismo. No poder, foi um tolo desastrado. Fora dele, confere altitudes de fina estratégia a tolices. Ele tem pouca ou nenhuma influência. Mas o que diz é eco de teses influentes na Casa Branca e mundo afora.

O terrorismo conseguiu o que jamais imaginou que conseguisse: ser ouvido como voz legítima. E o establishment ainda bate no peito e faz um mea-culpa, a exemplo da entrevista que Barack Obama deu a uma TV árabe.

Segurem-se! O piloto aderiu!
Por Reinaldo Azevedo