Wednesday, July 25, 2007

UTOPÉIA - Do blog Prosa & Política de 25/07/07

Por Ralph J. Hofmann


O ano de 2003 trouxe ao povo Brasileiro um momento de catarse. Era um dos poucos lugares no mundo que haviam logrado eleger um trabalhador braçal, com o mínimo de educação técnica possível ao mais alto cargo da nação. Eleição democrática. A voz do povo falara. Um homem que sentira as agruras da vida nos níveis mais baixos da sociedade iria zelar para que as oligarquias entrincheiradas fossem alijadas dos pontos chave da sociedade.
Carregava consigo o beneplácito dos estudantes universitários e seus professores, de certas vozes distintas no mundo acadêmico e até de muitos empresários que o avaliavam pelas suas boas intenções.
Daria oportunidade aos dissidentes que haviam amargado anos de exílio, seja por estarem fora do país seja por estarem afastados dos centros de decisão pelas suas crenças políticas.
E antes de tudo, no decorrer de sua longa caminhada ao poder este homem nunca havia lançado mão da violência, e mais, havia nos últimos meses concordado que não cabia desmantelar o que já existia em termos de atividade privada e de medidas públicas bem sucedidas no país, o que, em última instância era o que gerava riquezas que alimentavam o povo.

Havia os céticos. Como um país complexo como o Brasil poderia ser gerido por um homem avesso a leituras, mesmo que de relatórios técnicos, por um homem que essencialmente era uma pessoa carismática com um instinto para dizer a cada platéia o que esta queria ouvir. Como poderia um primeiro mandatário dar ordens sobre situações complexas oriundas de diferentes áreas simultaneamente.
Mas enfim, o presidente de seja o que for sempre é essencialmente o líder de uma equipe. Escuta seus comandados e decide entre opções. Assim o país jamais ficaria paralisado. O importante seria que este operário estaria, segundo se preconizava, munido de noções de ética e moralidade advindas dos sofrimentos que passara em seus primeiros anos.
O país ouviu durante meses pessoas que conheciam a estrutura do seu partido declararem taxativamente que quem comandava a equipe montada era o próprio presidente. Este estaria se ocupando da imagem do país, mas que ninguém faria nada nos seus ministérios sem que o próprio mandatário desse sua aprovação.
Era importante frisar isto, pois aos observadores parecia que a Casa Civil, O Ministério da Fazenda e sua Secretaria Especial para Assuntos Internacionais estariam governando o país. Mas não, diziam os entendidos ou os alegadamente íntimos, “o Presidente manda em tudo”.
Sendo isto verdade podemos imaginar as lideranças do governo sentadas em suas salas de reunião recendentes a “puros” cubanos, rum e Romanée Conti, mapeando a transformação numa legítima utopia socialista. Imaginamos os mesmos planejadores preenchendo um quebra-cabeças com gráficos, quadros, cronogramas e organogramas, montando uma estrutura equilibrada moldada aos seus princípios éticos morais e de justiça social.
Mas em pouco tempo constatamos, por vídeos, evidências escritas, extratos de contas bancárias, sinais de enriquecimento rápido que o papo era outro.
As reuniões eram para determinar como efetuar o saque do botim. Eram as reuniões dos “capi mafiosi”. Administrar? Nem em sonho. A equipe tinha membros competentes. Mas não em obter soluções para o crescimento do país. Este ficou por conta do que havia sido feito antes da eleição que guindara o presidente ao palácio. Ficou por conta de esforços do setor privado ao longo dos quinze anos anteriores. Ficava-se no “status quo”, com um empurrãozinho daqui, uma apertadinha ali e uma pressão acolá.
Internacionalmente era uma questão de mostrar-se socialista. Não importa que fosse no contexto de um socialismo alijado por cinqüenta anos de insucesso na Europa Ocidental e oitenta anos de insucesso na Europa Oriental. Era uma questão de ser solidário com congêneres das Américas. Mesmo que isso significasse praticamente doar riquezas aos vizinhos ou seguir sambando enquanto um vizinho se empanturrasse de armas qual uma Alemanha da década de trinta.
Quando um país vizinho está fortemente armado normalmente chega um dia em que quer usar suas armas. Vide Saddam Hussein e o Kuwait. Ainda mais quando esgota suas fontes de riqueza sem aproveita-las para garantir o futuro de seu país. Mas o Presidente nos assegura que a amizade com o vizinho será imorredoura. E o Ministro Especial garante isto também. Assim também o antigo Chefe da Casa Civil. Podemos dormir descansados. Nossos filhos e netos não terão de se defender contra o vizinho. Não terão de pagar ano após ano para armar este país para que esteja a salvo do inimigo.
Também cabia ser solidário com as massas mobilizadas contra a modernidade no campo. Não interessa se pregam um desprezo total contra as leis, se efetivamente transgridem a lei com violência, se infringem direitos de outros.
A acomodação de amigos e simpatizantes significa que as próprias fontes e origens de regulamentos e normas estavam sendo solapadas. Organismos criados em décadas de trabalho, com informações seguras quanto às necessidades e objetivos a alcançar no país passaram a ser desmanchadas para acomodar a estrutura de serventes amigos do poder. Planos criados para defender e desenvolver o país foram passados às mãos de administradores que entre pusilânimes e ignorantes deixaram que fossem desmontados, sem que algo de novo surgisse no seu lugar. Passamos a ter ministros que seguindo o próprio exemplo da presidência, não sabem o que precisam fazer. Não conseguem argumentar as necessidades de seus ministérios, pois sequer as conhecem. Não escutam os poucos peritos que sobraram. Assim temos crises como a da aftosa, temos uma transposição de Rio São Francisco apenas baseada em fatores emocionais, temos Pedro roubando de Paulo, temos um apagão aéreo e uma previsão de apagão de energia.
Isso para não falar da corrupção progressiva de todos os aspectos da vida pública nacional.
Realmente, há um monstro de cem pernas devorando tudo que é sólido neste país. O objetivo dos confidentes do Sr. Presidente não é a Utopia. É um mundo em que tenham o poder. Querem algo como o “ Tausend Jahr Reich” (Império de Mil Anos) do Hitler. Um país que lhes pertença para fazerem suas experiências. Mesmo que, como ocorreu na Rússia, na China e no Camboja isto custe a vida de dezenas de milhões. Não Utopia, Utopéia.
Pena que o Presidente operário não tenha dado certo. Teríamos tido prazer em aplaudi-lo se estivéssemos errados em 2003 ao nos mostrar céticos. O problema agora é outro. Com o egoísmo das oposições que não conseguem ser oposição, que lutam por migalhas, vamos ter de seguir agüentando essa perda de estatura do país após 2010?
UTOPÉIA

Friday, July 20, 2007

Os Nojentos - Blog do Reinaldo Azevedo - 20/07/2007



Asquerosa!
Deprimente!
Revoltante!
Vagabunda!
Delinqüente!

A que outras palavras se pode recorrer para definir os gestos despudorados do velho Marco Aurélio Garcia (publico acima, de novo, o vídeo), assessor especial de Lula, e do ainda jovem Bruno Gaspar, assessor de Imprensa? Vejam aí: a maturidade não faz o decoro. Num, a idade foi acrescentando tolice, fatuidade, arrogância. No outro, a falta dela confere jactância, fanfarrice, prepotência. E o velho, ali, era o retrato bem-sucedido do moço. Marco Aurélio é Bruno quando maduro. Bruno é Marco Aurélio quando jovem. Essa gente é uma espécie.

O Brasil ainda chora quase 200 vítimas; enlutadas, as famílias anseiam, ao menos, pelos despojos de seus mortos, para que possam concluir suas respectivas tragédias, já que aqueles a quem amavam lhes foram arrancados, surrupiados, seqüestrados por um governo incompetente; que, quando não é só incompetente, consegue ser pior porque incompetente e corrupto. Corrupção e incompetência fartamente documentadas justamente na Infraero, especialmente na reforma do Aeroporto de Congonhas, mortalha de inocentes; picadeiros de palhaços da morte; valhacouto de assassinos.

O que tanto comemoravam aquelas duas tristes figuras? Quem Marco Aurélio achava que estava f_ _ _ _ _o? Quem estava sendo violado pelo sr. Bruno Gaspar? Quais eram seus inimigos imaginários que estavam ali sendo subjugados em seu festim patético? Por que tripudiavam, eufóricos, sobre 200 mortos, sobre histórias interrompidas, sobre famílias moralmente destruídas, que, a esta altura, não têm de seu nem os corpos para enterrar, carbonizados que foram na pira da incúria, da loucura, da irresponsabilidade, da prevaricação? Por que festejam estes vândalos? Qual foi a grande vitória que obtiveram? Quem o assessorzinho chama de “filho da puta”?

A resposta é simples e chegou a este blog na pena dos acólitos, da Al Qaeda eletrônica, dos esbirros menores da ditadura da corrupção, da incompetência e da vulgaridade. Para estas alimárias, a matéria de William Bonner, no Jornal Nacional, provando que a aeronave estava com um dos reversores desativado (e que enfrentara problema no dia anterior ao do acidente) livrava o governo de qualquer responsabilidade. Mais uma vez, a “mídia”, inimiga eterna de ditadores e, por que não?, dos petistas, seria, então, acusada de conspiração. Como se a informação não tivesse sido tornada pública pela própria mídia que se procurava execrar, ferrar, violar, subjugar, submeter, humilhar.

Feios! Sujos! Malvados!

Só que não prova nada! O reversor desativado lhes saiu pela culatra. Todos os técnicos, incluindo a voz oficial da Aeronáutica, sustentam que, em pista adequada, é perfeitamente possível aterrissar sem o reversor — de fato, sem os dois reversores. Ele pode ajudar a diminuir a velocidade de um avião, mas, deixam claríssimos os especialistas, naquela situação vivida pelo AirBus, teria sido inútil. Sabem o que isso significa? Que a hipótese de problema na pista, em vez de ter diminuído, aumentou. A reportagem do Jornal Nacional, não obstante, é muito importante: em sua entrevista coletiva, Marco Antonio Blogna, presidente da TAM, omitira tal dado. Disse que a aeronave estava em perfeitas condições. Poderiam até ser adequadas, mas perfeitas não eram. Também omitiu que a mesma aeronave quase saíra na pista no dia anterior ao acidente. A relação Infraero-empresas-Anac, vai ficando evidente a cada dia, não pode ser mais obscura, confusa, estranha. Sargento Garcia e o Tonto vibraram inutilmente.

Vocês leram; os posts estão nos arquivos. Desde a primeira hora do acidente, apontei a responsabilidade do governo, seja lá qual for a causa desta tragédia em particular. Tanto é, que Lula vai hoje à TV anunciar medidas. Os três órgãos que cuidam do setor são subordinados ao Executivo: Infraero, Anac e Ministério da Aeronáutica. Lembrem-se: quase uma hora depois do acidente, não se sabia que avião ardia em chamas, não se sabia o nº do vôo, não se sabia nada. Trata-se do maior acidente aéreo no mundo em cinco anos. Na história da aviação, é a primeira vez que um país registra dois casos tão graves em prazo tão curto: 10 meses. Não! Ocorre que este governo não suporta cobranças. Como fica claro num vídeo que postei ontem, Lula ainda espera que lhe sejamos gratos por cumprir tão mal as suas obrigações.

Desde o primeiro post sobre o caso, a Al Qaeda eletrônica tenta se infiltrar aqui. A acusação estúpida, maledicente, que segue o velho princípio de acusar os adversários dos vícios que “eles” têm, é que eu estaria contente com a tragédia. A cobrança política que fiz foi tachada de exploração da dor alheia; foi chamada de insensível. O lema passou a ser, então: “Vamos parar de politizar o acidente”. Revejam o vídeo de Marco Aurélio e de Bruno Gaspar. Agora respondam: quem, de fato, explora a tragédia? Quem se ocupa unicamente de sua dimensão política? Quem, com efeito, está mais preocupado com a imagem do governo do que com a dor das famílias dos mortos?

Marco Aurélio, o Dom Giovanni da ditadura do proletariado, e seu Leporello pegador, de crachá e camisa amarrotada, são mais indecorosos pelo que pensam do que pelos gestos obscenos que fazem. São o retrato de um governo mais interessado em achar uma desculpa do que uma resposta; mais interessado em se safar do juízo da opinião pública do que em resolver um problema. E poderia ser diferente? Garcia é um dos artífices de nossa política externa; foi o homem enviado por Lula à Venezuela, logo nos primeiros dias de seu primeiro mandato, para atestar a “democracia até em excesso” de Hugo Chávez. É o pensador por trás da aproximação de Lula com as ditaduras islâmicas. É, não custa lembrar, co-fundador, com o Apedeuta, do Foro de São Paulo, um ajuntamento de partidos e grupos de esquerda da América Latina em que as narcoguilheiras Farc têm assento. Presidiu o PT durante a crise do dossiê e foi um dos formuladores da tese de que se tratava, vejam só, de uma tentativa de golpe de Estado.

Tremores e desculpa
Marco Aurélio resolveu dar uma pequena entrevista se explicando, com seus óculos redondinhos, como a anunciar que atrás daquelas lentes mora um intelectual refinado. Nós vimos. Classificou as imagens de “clandestinas” e disse que, em público, não se comportaria daquela maneira. Falo já disso. Clandestinas? Ele estava no Palácio do Planalto, na sede do Poder Executivo. Talvez ignore, mas aquele é um espaço público, e ele podia ser visto próximo à janela. Ninguém invadiu a sua casa para flagrá-lo na intimidade. Muito ao contrário. O que ele esperava? Que o cinegrafista, vendo-o ali, desligasse por pudor a câmera? Talvez sim. Os indecorosos sempre esperam que os decorosos se intimidem. Contam com isso.

Mas estupenda e reveladora é sua afirmação de que jamais faria aquilo em público. Ora, todos sabemos, não é? A frase é um emblema. Existe o petismo público e existe o petismo de corredor; existe o petismo para a massa de néscios, e existe o petismo para os escolhidos; existe o petismo oficial, e existe o petismo não-contabilizado, paralelo, caixa dois. Estamos falando, afinal, desde sempre, de um esquerdista para quem, por definição, a moral está a serviço de um projeto. E, na trajetória da esquerda, nunca importou quantos poderiam ou precisariam morrer para que esse projeto se realizasse.

“A nossa moral e a deles”
Marco Aurélio não vem da banda do PT stalinista. Vem do trotskismo — e ele não se curou: ficou mais doente. Porque agora aderiu também à vida pançuda da burocracia estatal. Trotsky é autor de um célebre texto em que fala da “nossa moral [dos socialistas] e da deles [dos burgueses]” Saibam, leitores: tudo aquilo que reconhecemos como escrúpulo, decência, limite, individualidade, respeito ao outro, tudo isso não passa da moral burguesa, a ser descartada liminarmente em nome de uma outra moral, uma doutrina aberta que, supostamente, vai-se construindo na história, mas que, de fato, atende exclusivamente aos interesses do partido encarregado da revolução. No caso, a revolução possível: essa porcaria que o PT vem fazendo.

Para realizar seus objetivos, temos outros exemplos, essa gente já demonstrou não ter limites e não se intimidar jamais. Nas suas explicações, ao ajeitar os seus óculos redondinhos, Marco Aurélio tremia feito uma gelatina. Era alguém acostumado, como se viu, a gestos bastante eloqüentes nos bastidores obrigando-se a fingir uma civilidade que, com efeito, não tem. Pelo menos, vá lá, é um medalhão do partido. E aquele outro coitado? E o Robin ideológico do Batman pançudo do socialismo?

Acusam seus adversários daquilo que eles próprios fazem. Não! Eu não celebrei a morte de ninguém. Lamentei. Lamentei todas elas e uma em particular, a do deputado Julio Redecker (PSDB-RS), e já expus aqui os motivos. Ah, eles sim. Eles tentaram comemorar o que seria a vitória sobre os adversários. Na entrevista, Marco Aurélio teve o mau gosto adicional de citar os mortos, que seriam a causa original de sua indignação. Conversa! Ele julgou, junto com o seu “Menino Prodígio” rompedor, que a fatura estava liquidada. Para ele, Lula havia ganhado mais essa. Para ele, Lula havia derrotado os 200 mortos.

Mas não derrotou. Eles lhe pesam sobre os ombros, junto com os 154 do avião da Gol. Hoje o demiurgo fala. Embora “não tenha nada com isso”, vai anunciar medidas. Se não der um pé no traseiro do Batman Gorducho e do Robin matusquela, estará repetindo ele próprio o gesto de seus subordinados. E, aí, para todo o povo brasileiro. Nunca uma gente tão baixa chegou tão alto. E, por isso, morremos assim: esturricados na fogueira de sua incompetência.

E saibam: eles sempre podem ir um pouco mais longe.


Por Reinaldo Azevedo

Monday, July 16, 2007

Ódio à liberdade alheia - Blog do Reinaldo Azevedo, 16/07/2007



Os petistas odeiam a liberdade. Dos outros.Quem, como eu, tinha 21 anos quando o partido disputou a sua primeira eleição importante — a do governo de São Paulo, com Lula — sabe que o PT foi quem introduziu (na verdade, reintroduziu) o humor nas disputas eleitorais. Vivíamos sob um regime de exceção, uma ditadura mitigada, mas ditadura ainda assim. A cara das campanhas eleitorais era a da Lei Falcão: os santinhos congelados na TV, com uma voz em off lendo a sua biografia. E não qualquer biografia. Em 1978, a referência à aposentadoria compulsória de FHC determinada pelo AI-5 foi vetada. Ele concorria a senador na sublegenda do MDB. Franco Montoro foi eleito, venceu a disputa para o governo de São Paulo em 1982, e aquele que viria ser presidente da República por oito anos assumiu a sua vaga no Senado. O PT percebeu que a irreverência, contrastando com sua pregação socialista então iracunda, era um bom caminho para falar aos trabalhadores, aos estudantes, àqueles que haviam se acostumado com a política mui vetusta dos militares.Com a chegada da propaganda eleitoral gratuita, o partido foi investindo mais e mais em marketing — com freqüência, contou com o trabalho voluntário de publicitários. Observem: não estou aqui fazendo necessariamente a defesa da disputa política como guerra publicitária. Não! Estou procedendo a uma pequena memória histórica: o PT sempre foi mestre em apelar ao humor para transformar seus adversários políticos numa caricatura. E, reitero, chegou a fazê-lo ainda durante o regime militar — não porque lhe sobrasse coragem, mas porque a ditadura brasileira já estava moribunda.É o representante máximo desse partido, ninguém menos do que o presidente da República, quem pede a uma empresa — no caso, a Peugeot — que retire do ar uma propaganda que faz uma brincadeira bem-humorada com a ministra do Turismo, Marta Suplicy. Convenham: o rapaz que encarna a personagem (vejam abaixo) é engraçado, jamais agressivo; é galhofeiro, simpático e, já que recomenda a compra de um automóvel, tem de conquistar a simpatia do espectador. É o exato oposto de Marta, especialmente depois da frase infeliz do “relaxa e goza” (ver filme acima).Se a propaganda tinha algum efeito sobre a imagem a ministra, era, certamente, mais positivo do que negativo. Transferia uma frase típica de uma dondoca alienada e deslumbrada para o terreno da graça. Sei, a cada vez que a propaganda ia ao ar, o fato original era lembrado. Pergunto: Marta acha que ele será esquecido? Acredita que essa doce truculência de pedir a censura a um comercial de TV ajuda a compor a sua imagem?A reação da PeugeotAlguns leitores estão criticando com azedume a Peugeot por ter cedido a uma pressão — a que não era obrigada legalmente a se submeter, notem bem. Ao site do Clube de Criação de São Paulo, Jáder Rossetto, da agência Euro RSCG Brasil, que tem a conta do produto, mostra-se um tanto contrariado, mas deixa claro que “pedido de presidente da República não pode ser negado”. Eis aí. Não pode no Brasil. Se o famigerado Jorjibúxi das esquerdas se metesse numa propaganda de TV nos Estados Unidos, levaria da empresa e da agência um sonoro “Sai pra lá; meta-se com a sua vida”.Acreditem: há no Brasil um regime econômico muito parecido com o capitalismo, mas capitalismo não é. Sim, senhores: as empresas, por aqui, têm enorme dificuldade — receio, medo mesmo — de dizer “não” ao presidente da República, ao governo. Ou vocês já se esqueceram que a Volks recriou o Fusca em 1993 só porque o então presidente Itamar Franco acordou invocado e cismou que era uma boa idéia relançar o carro? Em 1996, o Fusca morreu pela segunda vez. E por que tanto medo? Porque o estado é gigante e tudo pode.Um país de JecasO que é estúpido nessa história é que a frase infeliz de Marta não foi censurada por Lula ou pelo governo. No máximo, ela soltou uma notinha se desculpando. Quem acabou arcando com as conseqüência da imprudência da ministra do Turismo foram a Peugeot, a agência, a liberdade de expressão e o bom humor. Neste ponto, alguns dirão: “A liberdade de expressão não foi atingida; o presidente fez um simples pedido. A Peugeot atende se quiser”. Conversa para boi dormir. Se Marta se sentiu agravada, que recorresse à Justiça. Ainda que a decisão fosse igualmente equivocada, ao menos se teria seguido o ritual do estado de direito. Não! Em vez disso, opta-se pela carteirada, pela pressão da “otoridade”.Qual é a diferença entre a “ministra” da Peugeot e a Marta Suplichique do humorista Marcelo Madureira, de Casseta & Planeta? Aliás, a criação da agência estava mais para a graça de Madureira do que para a truculência frívola da personagem original. O humor pelo humor é moralmente superior ao humor que vende automóveis? Por quê? Digo mais: a Suplichique de Casseta é, necessariamente, uma crítica. O ator carrega nas tintas, digamos, um tanto soberbas de Marta; a da Peugeot era só engraçada: emprestava à ministra uma graça que ela não tem.Acontece que estamos nos tornando um país de Jecas, de gente dodói, que reclama de tudo, que se sente ofendida por qualquer coisa, que sai logo gritando, reivindicando direitos, acusando discriminações. A própria Peugeot teve de tirar do ar uma outra propaganda em que um sujeito tenta, inutilmente, subir uma ladeira com um carro velho. Ele e a namorada vão se livrando das tranqueiras para deixar o veículo mais leve. E nada. Até que sobra apenas a... sogra. Pronto! Tornou-se incorreto até fazer piada de sogra. Será preciso banir a língua-de-sogra dos aniversários de criança. No Carnaval, quando começar a marchinha “Trocaram o coração da minha sogra/ puseram o coração de um jacaré...”, você pára de dançar e sai do salão em sinal de protesto.Logo, alguém vai propor uma Lei Falcão para a publicidade. Mostra-se o produto (em preto e branco, para não excitar o espírito consumista), informa-se a sua finalidade, expõem-se as características do produto (texto previamente revisado pelo Comissariado Contra o Consumismo) e se informa o preço. Tudo muito sóbrio. Tenham a santa paciência. Já se apelou até a um sósia do papa para vender mercadoria. A Igreja Católica pode não ter gostado. Aliás, eu, como católico, não gostei: achei fútil, banal, de mau gosto. E daí? Eu que proteste onde achar conveniente. Vocês sabem: procuro dizer da maneira mais inequívoca e menos ambígua possível o que penso; sempre que possível, evito os tons de cinza — não partilho da idéia idiota de que a verdade está no meio (não está). Mas não tento calar o outro.NeocensuraA verdade bastante incômoda é que estamos vivendo tempos que flertam com a censura, agora considerada uma variante da democracia. Volto ao ponto inicial: o PT é um partido hostil à liberdade alheia. Quando não busca enrijecer os mecanismos de estado para limitar a liberdade de expressão, recorre a expedientes como o que se expõe aqui. O partido quis expulsar um jornalista estrangeiro por suposta ofensa ao presidente da República. Naufragou. Quis criar o Conselho Federal de Jornalismo. Naufragou. Quis impor uma bula à Ancinav. Naufragou. Quis recriar a censura prévia no Brasil. Naufragou. Quer agora criar uma certa TV Pública que tem a única finalidade de cantar as glórias do demiurgo. Tomara que naufrague também — ah, claro, não custa lembrar: premia os veículos bem-comportados ou alinhados com publicidade oficial. Até o jornaleco do MR-8 já recebeu anúncios da Receita Federal e da Caixa Econômica. Há uma certa revista semanal que ninguém lê, quase clandestina, como aquelas cartilhas de Luiz Gushiken, que vive de propaganda de estatais e do governo.O leitor poderá dizer: “Bem, tantos naufrágios indicam, então, que não corremos riscos”. Errado. Nenhuma dessas iniciativas foi irrelevante. A cada uma, a liberdade se retraiu um pouco. Até porque, como lembrou muito bem José Dirceu em recente seminário na CUT, uma parte da imprensa, hoje, está com Lula. Vocês acham o quê? Os publicitários, a partir desta segunda, tendem a evitar referências a figuras do mundo político. Quando o PT, no auge do escândalo do dossiê, saiu gritando que estava em curso um “golpe da imprensa”, é claro que sabia se tratar de uma mentira deslavada, primitiva até. Mas contava com a reação que, de fato, se verificou: muitos veículos passaram a se policiar mais, a se questionar se não estavam mesmo exagerando, a se esforçar para deixar claro que não se tratava de uma campanha contra Lula. O PT é mestre em empurrar quem tem razão para uma posição de defesa. E como faz isso? Atacando sempre, especialmente quando está errado.
Batuque na cozinha
Só pra encerrar a crônica destes dias: num texto sobre a festa do Pan, afirmei, um tanto galhofeiro, que a variedade de instrumentos de percussão numa cultura é inversamente proporcional à civilização. Pronto! Foi um deus-nos-acuda. Se tentassem provar a minha ignorância musical, até antropológica (“Mas o que é civilização para você, Reinaldo?), talvez eu esperneasse, mas o capeta não baixaria em mim. Agora não venham me dizer o famoso “Você não pode escrever isso”. Não posso por quê? Já escrevi. E escrevo de novo: a variedade de batuques num país costuma ser inversamente proporcional ao respeito aos direitos individuais. O máximo que se pode debater aqui é o seguinte: alguém dá exemplo de uma sociedade cheia de batuques e direitos individuais, e eu tento desqualificá-lo. O meu direito de escrever isso só pode estar em questão numa ditadura. Será que é preciso desenhar?
Por Reinaldo Azevedo