Sunday, March 30, 2014

Regime militar salvou o Brasil de se tornar uma grande Angola

Edição 2021 de 30 a 5 de março de 2014
Especial 50 Anos do Golpe de 64

Mas não se deve combater o mito guerrilheiro com outro mito — o do Exército salvador da pátria, que, a cada ameaça comunista, é chamado a salvar a democracia a golpes de Estado
Carlos Marighella: padecendo torturas bárbaras, como muitas outras vítimas de ditaduras antes de 1964
José Maria Silva
E assim foi preso Carlos Marighella, que ficaria internacionalmente famoso como autor do “Manual do Guerrilheiro Urbano”: em vez de encontrar Taciano Fernandes, companheiro de subversão, preso às duas e meia da madrugada, seu infeliz encontro em Santa Teresa, pouco depois das seis horas da manhã, foi com um “magote de policiais que voaram em sua direção como a tarrafa sobre o cardume”, na descrição de seu biógrafo Mário Magalhães. Foi jogado num carro, já apanhando, e levado para a Polícia Central do Rio de Janeiro, onde foi recebido com murros no rosto, no peito e nas costas, em meio a impropérios. Ao ser entregue ao chefe de Segurança Social, Serafim Braga, recebeu mais uma rodada de golpes: socos no estômago e pancadas de canos de borracha, em meio a perguntas para que delatasse seus companheiros. Não satisfeitos, seus algozes passaram a açoitá-lo nos rins, nas costas e nas nádegas.
“Cinco sessões de espancamentos depois”, conta Mário Magalhães, “encaminharam o comunista renitente para uma sala exclusiva para tortura”, onde nada lhe foi dado para comer, até que, no início da tarde, o chefe de Segurança Política, Antônio Emílio Romano, “comandou outra sova concentrada na cabeça: o sangue escorreu pelo nariz e Marighella desmaiou”. Depois de um curto descanso da tortura, enquanto policiais vasculhavam a casa onde morava de aluguel, Marighella voltou a sofrer novo corretivo. Depois de 12 horas dessa tortura inicial na Central de Polícia, seus captores desistiram de arrancar-lhe qualquer informação relevante e ele foi levado para o terror de todos os subversivos — o quartel do Morro de Santo Antônio, espécie de sétimo círculo do Inferno de Dante.
Tão logo foi jogado para fora do carro no pátio mal iluminado, Marighella foi cercado por investigadores com seus cigarros acesos. Como demônios à roda, envoltos na fumaça do tabaco, que Marighella detestava, recomeçou a tortura: murros, pontapés e a brasa dos cigarros queimando a pele. Para completar, um alfinete de gravata foi enfiado em seus dedos, debaixo das unhas, uma por uma, metodicamente, até chegar à última, deixando suas mãos completamente ensanguentadas e inchadas. Como se não bastasse, os torturadores agarraram seus testículos e, a cada pergunta não respondida, apertavam com mais força. A dor se tornou insuportável e Marighella desmaiou. Já era madrugada de sábado e estava sem comer desde a manhã de sexta-feira. Mesmo assim, a manhã o aguardou com novas mudanças de cárcere e, em cada uma delas, mais espancamentos: murros, pontapés, cassetes, canos de borracha. “A dor lancinante de uma hérnia, castigada pelos golpes, quase o enlouqueceu”, conta Mário Magalhães.
Carlos Marighella foi apenas um dos muitos prisioneiros políticos destroçados pela tortura, como mostra seu biógrafo ao descrever o martírio de outros torturados: “As paredes do quartel da Polícia Especial haviam ensurdecido com os berros desesperados de Arthur Ewert, cuja loucura provocada pela truculência já se manifestava”. Para tentar salvar o alemão Ewert das torturas, o advogado Heráclito Sobral Pinto invocou a lei de proteção aos animais, mas pouco adiantou. O preso político ficou confinado durante dez anos nas prisões brasileiras e, quando enfim foi libertado, já estava irremediavelmente louco e terminou seus dias num hospital psiquiátrico da Alemanha, seu país natal. Já o norte-americano Victor Allen Baron, operador de rádio que tinha sido enviado pelo Komintern para fazer a Revolução, foi poupado da loucura: depois de ter sido destroçado pelos torturadores, foi atirado do terceiro andar do presídio onde estava sendo interrogado, numa simulação de suicídio.
O nazismo verde-oliva dos “Comitês de Vingança”
Mas engana-se quem pensa que essas torturas bárbaras tiveram lugar após o dia 31 de março de 1964, que inaugurou, há exatos 50 anos, o regime militar no Brasil, reduzido por historiadores e formadores de opinião à pecha de “ditadura militar”; na verdade, essas torturas sofridas por Carlos Marighella e seus camaradas de comunismo ocorreram não em 1964, mas entre o final de 1935 e o início de 1936, durante o governo de Getúlio Vargas — o caudilho respeitado por Lula e pelo PT, cuja ditadura sanguinária passou para os livros de história como “Revolução de 30”. Corretamente, por sinal, pois Vargas foi muito mais do que um mero ditador — com truculência e paternalismo, ele consolidou a República, que não passava, até então, de uma infeliz quartelada. De modo análogo, o regime militar de 1964 criou o Brasil moderno, urbano, expandindo a educação básica, o ensino universitário e lançando as bases da pesquisa científica no Brasil.
Por isso, as “Comissões da Ver­da­de” que se espalham pelo País afora não passam de Comitês de Vingança, ocupados em distorcer a história para engendrar, dentro dela, uma espécie de nazismo verde-oliva, representado pelos militares que salvaram o Brasil do terrorismo crônico ou da guerra civil em 1964. As novas gerações foram e continuam sendo forçadas a pensar que os governos militares pós-64 são a síntese de tudo de ruim que aconteceu na história do Brasil e que nada houve pior do que isso. A se crer no tom horrorizado com que os formadores de opinião repetem a expressão “ditadura militar”, tem-se a im­pressão de que nem mesmo a escravidão se igualou em crueldade ao regime instaurado no País em 64. O regime militar tornou-se uma espécie de marco zero da iniquidade nacional, projetando sua sombra devastadora no passado e no futuro, como se fosse responsável retroativamente pelo extermínio dos índios pelos bandeirantes, a escravidão do negro pelo português e até, projetivamente, pelos escândalos de corrupção que continuam assolando a República.
Prova disso é que a ditadura civil de Getúlio Vargas tem um tratamento muito diferente nos livros de história e nas páginas dos jornais. Enquanto o golpe de Estado de 24 de outubro de 1930, que depôs o presidente Washington Luís, é retratado como “Revolução de 30”, o golpe de Estado de 31 de março de 1964, que depôs o presidente João Goulart, é reduzido a epítetos como “Ditadura Militar” e “Anos de Chumbo”. Mas quem entregou Olga Benário, grávida, para as fornalhas nazistas não foram os militares de 1964, mas o ditador Getúlio Vargas, quando combatia a Intentona Comunista de 1935. O que não impediu Luiz Carlos Prestes, o santo comunista de Jorge Amado, de inocentar Getúlio Vargas com seu apoio político, pisoteando e cuspindo na memória da mãe de sua filha Anita Leocádia, hoje historiadora, que, por sorte, escapou da morte.
O comunista Prestes e sua sentença desumana
Se tucanos e pefelistas não padecessem de ingenuidade ideológica, o escopo investigativo da Comissão da Verdade teria retroagido a 1930 e, então, o Brasil saberia como é gélido o coração da ideologia de esquerda, que ama a abstração da humanidade com tanto fervor que não hesita em sacrificar o ser humano concreto que não se encaixe nesse ideal de perfeição. Apesar das torturas que seus camaradas padeceram nas garras da polícia do Estado Novo de Vargas (da qual ele próprio fora poupado, por ser militar) e da prisão da judia Olga Benário, sua mulher, entregue aos nazistas aos sete meses de gravidez, Luís Carlos Prestes perdoou Vargas em nome do ideal comunista desossado de gente, por isso sempre pronto a saltar por cima de cadáveres. Em 23 de maio de 1945, num comício no Estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, depois de nove anos preso, Prestes defendeu a união nacional em torno do ditador Getúlio Vargas e disse que defender sua saída do poder, como pregavam os setores democráticos, seria uma deserção e uma traição.
Dias depois, em 15 de julho de 1945, desta vez no estádio do Pacaembu, em São Paulo, Prestes voltou a defender Vargas, seu velho algoz, chamando de fascistas todos aqueles que criticavam o ditador e defendiam o fim de seu regime para que fosse eleita democraticamente uma Assembleia Nacional Cons­tituinte. Prestes, ao contrário, queria uma Constituinte com Vargas no poder, algo como uma Constituição de 88 tutelada por um presidente militar. O entusiasmo com que defendia o caudilho gaúcho dividiu o próprio Partido Comunista. Alguns de seus camaradas não conseguiam entender como um homem como Prestes, que tinha sido preso por Getúlio e vira sua mulher judia ser entregue grávida à Alemanha de Hitler, sucumbindo ao nazismo, podia, naquele momento, transformar-se em arauto do ditador, tentando evitar a derrocada de seu regime, a ponto de apoiar uma Constituinte tutelada.
Mas não foi apenas a memória de Olga Benário que a ideologia comunista matou com a sua indiferença pela vida humana. Antes de ser presa, a cúpula do Partido Comunista (PC) executou Elza Fernandes, uma pobre moça do interior que, aos 16 anos, se tornara amante de Miranda, então secretário-geral do partido. Desconfiado de que ela estava sendo usada pela polícia para caçar e prender seus camaradas de partido, Luiz Carlos Prestes lavrou a sentença de morte da Garota, como Elza era conhecida. Como seus camaradas hesitassem em executar a sentença, Prestes escreveu-lhes um duro bilhete, chamando-os de medrosos: “Fui dolorosamente surpreendido pela falta de resolução e vacilação de vocês. Assim não se pode dirigir o Partido do Proletariado, da classe revolucionária. (...) Por que modificar a decisão a respeito da ‘garota’? Que tem a ver uma coisa com a outra? (...) Com plena consciência de minha responsabilidade, desde os primeiros instantes tenho dado a vocês minha opinião quanto ao que fazer com ela. Em minha carta de 16, sou categórico e nada mais tenho a acrescentar”.
Diante da determinação do líder maior do Partido Comunista, Elza foi transferida para uma casa num local ermo de Deodoro, subúrbio do Rio de Janeiro, e a sentença foi executada por quatro membros do partido. Depois de, inocentemente, fazer café para os companheiros, ela foi estrangulada com uma corda e seu corpo foi quebrado ao meio, até que os pés se juntassem ao pescoço, para que coubesse dentro de um saco e pudesse ser enterrada no quintal da casa. Estava cumprida a vontade de Luiz Carlos Prestes, o Cavalheiro da Esperança, um dos heróis da Comissão da Verdade. Em seu favor, não se pode alegar nem mesmo o medo da tortura ou da morte, já que era um soldado tarimbado e, como se veria depois, foi preso com toda a dignidade de um comandante, sem passar pelas agruras dos companheiros de infortúnio.
O genocídio comunista no Araguaia
No caso dos demais comunistas, candidatos a passar pelo que Carlos Marighella passou nos porões da ditadura Vargas, é até compreensível que eles quisessem afastar todas as possíveis causas de sua prisão. E se Elza Fernandes, com sua ingenuidade facilmente manipulável pela polícia, era uma dessas causas, quem pode acusá-los por tentar salvar a própria pele esfolando a pele de terceiros? Confesso que até entendo o desespero dos subversivos políticos que, perseguidos pela polícia e temendo a tortura e a morte, entregavam um companheiro ou até mesmo o eliminavam, numa tentativa desesperada de sobrevivência. O que não se pode admitir é que, mesmo depois desse tipo de experiência, várias vezes repetida na história, a esquerda jamais aprenda com seus próprios erros e continue glorificando a luta armada, como se fosse possível construir uma sociedade perfeita regada com o sangue de inocentes.
Com base nessa arrogante cegueira ideológica, que desconsidera as fragilidades do homem concreto, a esquerda cria mitos — como o nazismo verde-oliva que vai sendo imposto pelas Comis­sões da Verdade. Ao mesmo tempo, como contraponto a essa crueldade nazista dos militares, engendra-se, também falsamente, o impoluto idealismo da geração de guerrilheiros que combateram o regime, hoje transformados em verdadeiros santos nas páginas dos jornais e nos livros de história. Já escrevi e repito: o regime militar de 64 é a muleta moral dos intelectuais de esquerda — eles o acusam de todos os crimes para melhor acobertarem os próprios. Começando pela guerrilha urbana e rural, o crack da época, que aliciava adolescentes e jovens doidivanas para uma luta obviamente suicida, cujos mortos deveriam pesar não apenas nos ombros de seus torturadores e assassinos, mas também na consciência dos velhos dirigentes comunistas do PCdoB — diretamente responsáveis pelos mortos na Guerrilha do Araguaia.
Só mesmo a insanidade ideológica para levar um grupo de intelectuais a acreditar que seria possível fazer a revolução comunista num País de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 70 milhões de habitantes a partir do voluntarismo de 98 guerrilheiros, praticamente sem armas, perdidos no meio da selva, na maioria estudantes universitários urbanos, muitos dos quais nunca tinham tomado nem banho frio na vida. O modelo era a Grande Marcha de Mao Tsé-Tung. Mas o Oriente é outro mundo e a China faz fronteira com a Rússia, o que facilitava o apoio de Stálin à guerrilha maoísta. Como contam Jon Holliday e Jung Chang na biografia “Mao: A História Desconhecida”, a União Soviética tinha homens em todas as principais cidades chinesas e fornecia armas, remédios e informações essenciais para a sobrevivência do Partido Comunista Chinês.
O perigoso maniqueísmo ideológico
Com base nesse aparato bélico e de espionagem, os soviéticos conseguiam sublevar camponeses em diversas províncias chinesas e, antes mesmo de Mao iniciar a Grande Marcha, os comunistas já contavam com um exército de 20 mil homens na China, tirados do exército nacionalista de Chiang Kai-shek. Algo muito diferente do Brasil, um país quase tão grande quanto a China, com uma cultura nada guerreira e, ainda por cima, na área de influência dos Estados Unidos, que, obviamente, jamais aceitariam de braços cruzados a transformação do maior país da América Latina numa nação comunista. Para os Estados Unidos, uma coisa era permitir que uma pequena ilha como Cuba se tornasse uma ditadura comunista; outra bem diferente era aceitar que o mesmo ocorresse no Brasil. Se nem hoje a Rússia aceita que a Crimeia deixe sua área de influência, como imaginar que o Brasil se tornaria satélite de Moscou a partir da tresloucada aventura dos guerrilheiros do Araguaia?
Todas as guerrilhas de sucesso no mundo, inclusive a que é promovida pelas Farc na Colômbia, foram feitas em regiões de fronteira, de preferência entre países rivais, permitindo que os guerrilheiros, quando cassados pelas forças legais de seu país, pudessem se homiziar temporariamente no país vizinho. Creio que a única guerrilha do mundo totalmente ilhada na região central de um país, sem qualquer rota de fuga decente, foi justamente a Guerrilha do Araguaia — o que mostra a insanidade mental e moral de seus idealizadores. Os jovens que perderam a vida na guerrilha armada, urbana ou rural, não eram heróis coisa nenhuma. Eram apenas lunáticos — seduzidos para a morte pelos genocidas da própria esquerda que formularam uma luta armada sem qualquer chance de vitória. E se o seu intento lograsse algum efeito, ele não seria a implantação do socialismo, mas a eclosão de uma guerra civil. Ou os empresários iriam dividir suas empresas; os proprietários rurais, suas terras; a classe média, suas casas — tudo isso sem luta? Se a guerrilha desse certo, o Brasil não seria uma nova potência socialista — seria uma imensa Angola de miséria e sangue.
Não se constrói uma nação com base no maniqueísmo ideológico, que aniquila o senso crítico e infantiliza os jovens, tornando-os presas fáceis de qualquer demagogo de esquerda que se apresente como revisor do passado e senhor do futuro, oferecendo a utopia da revolução como uma espécie de errata da própria humanidade. A nação precisa ser criticamente educada para pensar o passado sem exageros, reconhecendo os erros e acertos de cada período histórico. É impossível, por exemplo, que, nos 21 anos que separam o golpe militar de 1964 da eleição de um presidente civil em 1985, o Brasil tenha sido apenas uma terra arrasada por “anos de chumbo”, como querem fazer crer os Comitês da Vingança que se arvoram a senhores da verdade. “O regime militar brasileiro não foi uma ditadura militar de 21 anos” — é o que afirma o historiador Marco Antonio Villa, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de São Carlos, em seu livro “Ditadura à Brasileira”, com o qual eu e os fatos concordamos integralmente. Até o final de 1968, antes do AI-5, o Brasil vivia uma efervescência político-cultural mais intensa do que hoje. Depois da Anistia, em 1979, também.
Mas não se deve combater o mito guerrilheiro com outro mito — o do Exército salvador da pátria, que, a cada ameaça comunista, é chamado a salvar a democracia a golpes de Estado. O Brasil vive novamente um desses momentos cruciais de sua história, em que as instituições estão sendo transformadas em instrumento da ideologia esquerdista — o que leva alguns setores da sociedade, ainda que minoritários, a pedir a volta dos militares. É suicídio. Uma nação adulta dispensa pais de farda. A República brasileira não pode ser uma quartelada, com interregnos de democracia em meio a uma história de arbítrios. Mas também não pode ser uma eterna utopia, em que, à custa de construir um “outro mun­do possível”, a esquerda destrua co­tidianamente o mundo real, atiçando pobres contra ricos, negros contra brancos, mulheres contra ho­mens, minorias contra maiorias, até que, em meio a esse caos de conflitos forjados, tenhamos o pior dos conflitos: militares contra civis — que é onde morre a democracia. 

Saturday, March 29, 2014

Padilha mente sobre situação do saneamento em São Paulo


Pedro Tobias

Pedro Tobias

Especial para o UOL
Sou médico. Na faculdade, aprendemos cedo que a ética deve ser a mais importante qualidade da profissão. Quando falta ética, sinônimo de caráter, a pessoa pode ser vítima do oportunismo e se aproveitar das circunstâncias para tirar proveito em benefício próprio.
É o que acontece com Alexandre Padilha – que, em busca pelo reconhecimento popular que não obteve como ministro da Saúde, se utiliza da maior seca que atingiu São Paulo em 80 anos para tentar se promover de modo eleitoreiro. No intuito de sair do ostracismo, Padilha enxergou no infortúnio de milhões uma oportunidade pessoal, não se furtando a utilizar este mesmo espaço para fazer uma série de falsas acusações ao governador Geraldo Alckmin.
Talvez Padilha não estivesse em São Paulo em 1995, ano em que o PSDB assumiu o governo. Mais de 5,5 milhões de pessoas sofriam diariamente com rodízio de água na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Logo no primeiro momento foi implantado o Programa Metropolitano de Água, que, com 80 grandes obras e investimentos superiores a R$ 2 bilhões, terminou com o rodízio três anos depois.
Parece óbvio, mas não há como acabar com o racionamento de água de 5,5 milhões de pessoas sem planejamento e investimento.
De lá para cá, grandes obras têm sido realizadas regularmente, como a PPP Alto Tietê, concluída em 2011, que adicionou 5.000 litros por segundo de água tratada ao sistema de abastecimento metropolitano. Também foi aumentada a produção de água nos sistemas Guarapiranga, Rio Grande, Alto Cotia, Baixo Cotia e Embu-Guaçu, com mais 10.600 L/s.

ARTIGO DO EX-MINISTRO

Talvez Padilha não saiba,  mas órgãos insuspeitos do governo federal reconhecem a excelência de São Paulo nesta área [água]
Nos últimos 10 anos foram incluídos 15.600 litros de água por segundo no sistema que abastece a RMSP – suficientes para abastecer 4,7 milhões de pessoas.
O Cantareira, que já foi responsável por 60% do abastecimento da população atendida pelo Sistema Integrado da RMSP, atualmente participa com 48%, com tendência de queda para 37% em 2025. 
Está em andamento a construção do novo sistema produtor de água São Lourenço, uma PPP com investimento de R$ 2,21 bilhões e que vai adicionar mais 4.700 litros de água potável a cada segundo, com entrega em 2018. Estamos falando de obras já concluídas e outras em andamento: o nome disso é planejamento e ação.
Governo federal
Talvez Padilha também não saiba, porque não conhece o assunto e fica somente repetindo o que lhe sopram no ouvido, mas órgãos insuspeitos do governo federal reconhecem a excelência de São Paulo nesta área. No último "Atlas do Saneamento Urbano" publicado pelo IBGE, podem-se ler frases como: "Nesta unidade da Federação (São Paulo) houve melhorias e ampliações expressivas na rede de esgotamento sanitário, sendo o grande destaque nacional das redes de saneamento".
Ou esta: "No quesito acesso à água, destaque para o Estado de São Paulo, onde a quase totalidade dos municípios tem abastecimento de água por rede geral em todos os distritos (...). Mais uma vez, o Estado de São Paulo destaca-se pela alta proporção de municípios e de distritos por município com tratamento da água distribuída".
Mas, como médico e ex-ministro, com certeza Padilha sabe que, em consequência dos melhores índices de saneamento do Brasil, São Paulo é um dos Estados com menor incidência de doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado.
Aqueles que não fazem nada estão sempre dispostos a criticar os que fazem. É o caso de Padilha e do PT. O último levantamento publicado pelo Instituto Trata Brasil, o mais respeitado do Brasil na área de saneamento, demonstrou que apenas 8 das 114 obras do PAC saneamento lançado em 2007 foram entregues.
O levantamento aponta ainda que 60% estão paralisadas, atrasadas ou não foram iniciadas. Outro estudo do mesmo instituto demonstrou que, entre os países que mais avançaram em saneamento nos últimos 12 anos, o Brasil amarga a triste 112ª posição, atrás de países como Paraguai, Trinidad e Tobago, Iraque e Cazaquistão.
Isso em um país com 7,2 milhões de pessoas sem acesso a um vaso sanitário, o que coloca o Brasil entre os líderes daquilo que é chamado pela imprensa internacional de "ranking da vergonha".
Talvez tenha sido por medo desta triste verdade que, no ano passado, o governo brasileiro vetou a investigação de uma missão da ONU que avaliaria a situação do acesso à água e saneamento no país. O veto foi anunciado sem nenhuma explicação razoável. A ordem veio do próprio gabinete da presidente Dilma Rousseff.

PRECARIEDADE

7,2 milhões de pessoas no país não têm acesso a um vaso sanitário, o que coloca o Brasil entre os líderes daquilo que é chamado pela imprensa internacional de 'ranking da vergonha'
Padilha, que parece não ter autocrítica, gostar de falar mal de São Paulo, principalmente da Sabesp. Mas a situação do saneamento no Estado é bem diferente da encontrada no resto do país, que está sob comando do PT já há longos 12 anos.
Vamos aos fatos: enquanto 36 milhões de brasileiros não têm água tratada em pleno século 21, segundo o próprio Ministério das Cidades, nenhum dos 645 municípios paulistas padece desse mal vergonhoso. Das 10 maiores cidades brasileiras com melhores índices de saneamento, nada menos do que 7 são paulistas (Trata Brasil).
A Sabesp fornece água tratada a 28 milhões de paulistas de 364 municípios (quase 70% da população do Estado), além de coletar 84% do esgoto gerado e tratar 78% dessa carga poluidora, índices infinitamente superiores ao resto do país. Hoje, 230 desses municípios já são chamados de "300%": isso significa que têm 100% de água tratada, 100% de coleta de esgoto e 100% de tratamento de esgoto.
São Paulo vai atingir, já em 2014, a universalização (os "300%") em todas as cidades que a Sabesp atende no interior e, até 2020, também no litoral e Grande São Paulo. Estamos próximos de um feito inédito no país, que deve ser comemorado e servir como bom exemplo para o Brasil.
Todos esses índices só foram alcançados porque a companhia investe em média R$ 2,5 bilhões por ano em saneamento, o que significa um terço de tudo que é investido em todo país. Ou seja, de cada R$ 3 investidos nessa área no Brasil, R$ 1 vem de São Paulo. No Brasil existem 26 Estados e o Distrito Federal. Mesmo assim Padilha prefere falar mal de São Paulo e da Sabesp.
Transporte
 Padilha também fala mal do ritmo de construção do metrô de São Paulo, que transporta 8 de cada 10 passageiros transportados por todos os metrôs do pais. Entre outras grandezas, ele afirma que o governador Alckmin só entregou 5 estações do Metrô na sua atual gestão.
Podemos comparar e perguntar quantas os governos da Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, todos governados pelo PT, entregaram nos últimos quatro anos? Padilha sabe a resposta: nenhuma.
Em São Paulo, há no momento 4 linhas do metrô em obras simultaneamente. No Rio Grande do Sul, as obras de uma única linha foram anunciadas em 2011 pela presidente Dilma, e reanunciadas por ela ano passado, mas até hoje não saíram do papel. Na Bahia, uma única linha já está há mais de 12 anos em construção e, até agora, nenhum passageiro foi transportado. No DF nem uma única obra foi feita nos últimos quatro anos.

ELEIÇÕES

O novo rosto que o PT apresentou não esconde a velha face mais repudiável do partido, que tem a mentira e a baixaria como método
 Como é historicamente sabido, o PT não considera as eleições uma oportunidade para o confronto de ideias e debate de opiniões. O PT considera as eleições uma guerra pelo poder que o partido persegue a qualquer custo.
O ex-ministro vinha sendo apresentado como alguém que debate ideias e programas com civilidade. Porém, bastaram apenas alguns dias de pré-campanha para demonstrar que está no DNA de Padilha a lógica petista da guerra. E na guerra, como todos sabemos, a primeira vítima é sempre a verdade. O fato é que o novo rosto que o PT apresentou não esconde a velha face mais repudiável do partido, que tem a mentira e a baixaria como método.

Friday, March 28, 2014

Procura-se uma nova classe alta, por Nizan Guanaes

Estreia ilustre na RG de março, o publicitário mais arretado do Brasil aponta o grande luxo que anda em falta na lista de compras da elite brasileira

por Nizan Guanaes
O que os americanos e ingleses mais sofisticados têm em comum? Cultura.
Livros e dinheiro são uma mistura perfeita para elegância, savoir faire e bom gosto.
Infelizmente o Brasil, que copia tanta coisa destes dois grandes países, não aprendeu a copiar essa ainda. A pobreza do rapaz rico dos camarotes, estampada na capa da Vejinha, mostra uma classe alta inculta que beira as raias do constrangimento num país cheio de desigualdades.
Ninguém que tenha aberto um livro será capaz de, num mundo desigual como o nosso, abrir champanhes magnum a rufar de tambores e piscar de luzes.
Dinheiro sem livro faz garotos ruidosos e meninas caladas. Gente mal vestida com as melhores grifes. E que não sabe se comportar no mundo.
Gente caipira.
A começar, não sabem falar inglês, inaceitável num mundo global. O mais lamentável ainda é que falam mal português também.
A vida social em Nova York e Londres se passa dentro de universidades e museus, misturando caridade, diversão e cultura. Quando você conversa com pessoas como Tina Brown e Arianna Huffington, elas não são apenas locomotivas sociais, elas são enciclopédias vivas. Sem cultura e sem refinamento intelectual, seremos sempre sinhozinhos e sinhazinhas capiras  mesmo que a gente compre todas as roupas, relógios, fivelas, todos os aviões e carros do mundo.
Este país, apesar de todos os desafios que tem, já é um gigante global. E além de uma nova classe média, ele precisa de uma nova classe alta.
Harvard, Yale, Stanford, Oxford, Cambridge… são centros sociais desse mundo moderno. É lá nessas escolas que se formam o establishment social que vai influir no mundo. No Brasil, nós ainda achamos que esse establishment se forma em Nammos, em Mikonos, ou no Club 55, em St.-Tropez.
Nasci no Pelourinho. Fui a uma universidade bem mais ou menos. Mas em vez de dar uma Ferrari pro meu filho, coloquei ele na melhor escola que São Paulo tem: a Graded. E ele, por conta própria, escolheu fazer o colegial em uma das melhores prep schools dos Estados Unidos. A escola Exeter foi fundada em 1781. Lá estudou Mark Zuckerberg. A biblioteca tem 250 mil livros. E Antonio está estudando latim, fazendo remo e sofrendo pra burro pra entrar na disciplina da escola. Mas isso sim é uma herança.
Meu filho leu mais do que eu, sabe mais do que eu. Está se tornando um homem melhor por dentro e por fora.
Eu acredito que desse jeito construo não só um futuro pra ele, mas construo um futuro melhor pro país. Eu me dedico pessoalmente à educação de minhas crianças. Cada uma tem seu caminho e seu estilo. Passei, por exemplo, uma semana mostrando a Antonio o que era Istambul. E três horas jantando com Zeca, eu e ele, num restaurante três estrelas Michelin em Osaka.
Os brasileiros melhores que nós formamos são a maior contribuição que podemos dar ao futuro desse país. Claro que o caminho não é fácil. Antonio, por exemplo, acostumado à boa vida de um menino em sua idade em São Paulo, luta para se enquadrar à vida espartana e focada em Exeter. Ao acompanhar meu filho e sua luta na tradicional escola, vejo de posição privilegiada como os Estados Unidos e a Inglaterra fabricam grandes mentes a ferro e fogo. Estudantes de história que viram fotógrafos ou vão fazer moda, ou simplesmente serão grandes anfitriões.
Mas em tudo que forem fazer terão a marca indelével da boa educação. E é isso, educação, que nós, a elite, desejamos e cobramos tanto para os pobres que eu cobro para os ricos. Porque é elite estudada, culta e sensível um dos maiores luxos que este país mais precisa.

Monday, March 10, 2014

Moral de Amadores - Folha de S. Paulo - Luiz Felipe Pondé



Quando não existe comércio, não há esperança. Afirmação estranha, eu sei, para um país atrasado como o nosso, que ainda não descobriu que quem faz "justiça social" verdadeira é o comércio.
Um amigo esquisito que eu tenho me disse certa feita que, no século 19 no Brasil, era comum se usar a expressão "comércio de ideias". A expressão me soou familiar de alguma forma.
Acho que ela é melhor do que "mundo cultural" ou "ciências humanas", porque ela descreve de forma mais precisa o que acontece quando as pessoas de fato debatem ideias.
Um dos traços do atraso ancestral do Brasil está no fato de que a elite acha que as ideias não valem dinheiro. Hoje em dia, mesmo em pânico com a crescente violência de certas ideias totalitárias no país e com o crescimento do perigoso ressentimento social, a elite continua pensando como gente atrasada: quer que o produto (as ideias) caia do céu, como se amadores pudessem construir aviões ou erguer bancos. Triste país esse que ainda vive num mundo antes da escrita. Estamos às portas de uma guerra cultural e política.
O comércio é o coração de toda civilização que se preza. Os delírios políticos dos últimos 250 anos têm sua pedra de toque na condenação sistemática do comércio. Enquanto pensarmos assim, não sairemos do buraco em que nos encontramos. Você identifica um mau filósofo quando ele se dedica a condenar o comércio. Toda ética que exclui o comércio é moral de amadores.
O pior é que na prática todos nós sabemos disso, inclusive quem trabalha no comércio de ideias verdadeiro, aquele que faz circular ideias nos livros, nas revistas, nos jornais, na mídia, mesmo nessa masmorra sem luz, paraíso dos linchamentos e das bobagens, chamada redes sociais.
No dia a dia, comercializamos terapias, aulas de ioga, esperanças transcendentais, sonhos futuros, curas, amores. Mas, ainda assim, insistimos na ideia primitiva de que um mundo sem comércio seria um mundo melhor. Quando vendemos algo, nem por isso partimos do pressuposto de que o que vendemos é "sujo" porque vendemos. Mas, como sempre acontece, condenamos no outro o mesmo interesse que temos em nós: ganharmos algo ao longo da vida.
Sei que os primitivos dirão que a ganância estraga tudo. Mas o comércio institucionaliza a ganância, fazendo com que ela seja mais do que si mesma, fazendo com que ela produza todo um mundo material no qual nosso espírito sobrevive.
Só gente semiletrada acredita que o espírito humano precisa de menos comércio do que o corpo. Na verdade, o espírito costuma ser mais caro do que o corpo, basta comparar o preço do amor com o do sexo. Sexo é sempre barato, mesmo que você pague R$ 5.000 por ele -por isso, aliás, é que seu efeito é tão efêmero se comparado ao do amor.
Na Pré-História, por exemplo, dados arqueológicos mostram como, entre 30 mil e 20 mil anos atrás, na região que vai da Israel moderna até as fronteiras ocidentais da Índia, se desenvolveu uma robusta (para a época) rede de comércio entre vários povoados, que assegurou uma redução da violência generalizada que caracterizava a Pré-História.
Quando você vai ao cinema, quando vai jantar com amigos, quando vai à praia, quando vai a uma exposição de arte, quando vai à Europa ou ao Vietnã, quando toma remédios, quando dá um presente, você está fazendo comércio.
Quando acaba o comércio, perde-se a fé no mundo. A forma mais rude dessa ideia se manifesta no uso impensado da expressão "queda do crédito", que nada mais é do que a redução do "quantum" de fé que se deposita nas relações de trabalho e de troca que sustentam uma sociedade. Homens civilizados se relacionam fazendo comércio.
Nada aqui significa um mundo perfeito, mas um mundo possível. Mesmo os semiletrados sabem, apesar de não dizerem, que é o comércio que sustenta a civilização, principalmente a liberdade das ideias. Do que viveria o espírito se não existissem grandes livrarias, físicas ou virtuais, que fazem chegar até nós Shakespeare e Machado de Assis?
Espero que um dia o Brasil saia desse pesadelo pré-histórico do ódio ao comércio. 

Democracia e ditadura - O Estado de S. Paulo - 10/03/2014 - Denis Lerrer Rosenfield



Denis Lerrer Rosenfield* - O Estado de S.Paulo
O discurso da diplomacia brasileira acerca da Venezuela e dos demais países bolivarianos segue a doutrina do PT, segundo a qual estaríamos diante de uma democracia pelo simples fato de lá haver eleições. Eleições seriam, então, o único critério de definição de Estados democráticos, com evidente desprezo pelas instituições da sociedade civil. Mais concretamente, há total desconsideração pelo equilíbrio entre Poderes e pela independência dos Poderes Judiciário e Legislativo. A liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral é sistematicamente pisoteada, se não aniquilada.
Nesse sentido, a "democracia" poderia prescindir das liberdades civis e políticas, devendo contentar-se com eleições e referendos, cada vez mais restritos, pois as condições de competitividade são progressivamente reduzidas. De fato, a democracia representativa nesses países "socialistas" é substituída, para retomar um conceito de J. L. Talmon, pela democracia totalitária.
A democracia representativa caracteriza-se por ser constitucional, obedecendo a princípios que fogem a qualquer deliberação popular. Consequentemente, não pode ser objeto de deliberação a igualdade de gêneros ou de raças. Uma maioria popular machista ou racista não se poderia impor numa democracia representativa, graças aos limites constitucionais, de princípios e valores, por ela assegurados.
Segundo a democracia totalitária, o poder reside na vontade popular encarnada pelo líder carismático. Não tem este, em razão da delegação popular recebida, nenhuma limitação, como se eleições o autorizassem, virtualmente, a fazer qualquer coisa. Basta um referendo para que isso ocorra. Foi o que aconteceu com o "socialismo do século 21", nas figuras de Hugo Chávez e de sua caricatura, Nicolás Maduro, que aboliram a separação de Poderes, emascularam o Judiciário e o Legislativo, fazendo do Executivo o único Poder que conta.
A economia de mercado, por sua vez, foi cerceada, quando não aniquilada, tendo como consequência o domínio do Estado, cujos efeitos mais nítidos são a inflação galopante e a falta de produtos básicos - o papel higiênico é o mais emblemático deles. Já a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral foi sendo suprimida, só sobrando, hoje, o resquício de uma sociedade livre. Milícias no melhor estilo das SA nazistas aterrorizam a população, fazendo uso da violência e do assassinato sempre e quando o líder máximo o exigir. Tudo, evidentemente, em nome da "revolução" e do "socialismo".
Não obstante, o Itamaraty e setores do PT continuam a justificar a "democracia venezuelana", como se os protestos do que ainda resta de oposição fossem o real perigo. Ora, as posições estão totalmente invertidas. A dita "cláusula democrática", bem entendida, significaria, apenas, a "cláusula democrática totalitária".
Do ponto de vista diplomático, por uma questão de pudor, não se pode acatar o argumento de que o Brasil não se ingere em assuntos de outros países, uma vez que foi bem isso que fez no Paraguai. O então presidente Fernando Lugo foi afastado do poder por um impeachment, segundo a legislação paraguaia. O governo brasileiro não reconheceu o impeachment e aproveitou a ocasião para suspender esse país do Mercosul, tornando viável, dessa maneira, a entrada da Venezuela. É evidente o uso de dois pesos e duas medidas.
Nessa perspectiva, poderíamos aplicar os mesmos critérios para o que se denomina ditadura militar brasileira, com o intuito de melhor apreciarmos a "verdade" do período, contrastada com o juízo "democrático" do atual governo a propósito do "socialismo do século 21".
Considera-se a ditadura militar como se estendendo desde o governo Castelo Branco até o final do governo Figueiredo, quando há diferenças significativas nesse longo período. O governo Castelo Branco, por exemplo, tinha inclinação liberal, enquanto o governo Geisel foi fortemente estatizante. Segundo esse critério, o governo Dilma Rousseff se encaixaria na concepção geiselista, com forte intervenção do Estado na economia, a escolha de empresas e setores privilegiados a serem apoiados e o uso da política fiscal e de subsídios para o apoio a esses grupos. Seria Geisel de esquerda, conforme essa concepção? Mais ou menos democrático? E Lula, em seu primeiro mandato, seria castelista?
Durante o período do governo Castelo Branco (1964-1967) até o Ato Institucional n.º 5, promulgado por Costa e Silva em setembro de 1968, o País desfrutava ampla liberdade. Foi esse ato extinto em 1978 por Geisel e o habeas corpus, restaurado. Penso não ser atrevido dizer que as liberdades civis eram muito mais respeitadas do que o são nos países que, atualmente, encarnam o "socialismo do século 21".
A gozação, para não dizer a sátira e a ironia, do Pasquim começou em 1969, quando o regime militar havia endurecido e a ditadura propriamente dita se estabeleceu. Isto é, a ditadura tolerou o Pasquim, enquanto os governos bolivarianos não toleram nenhuma crítica, muito menos a que se faz pela sátira que atinge os seus líderes.
A greve do ABC sob liderança de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, foi um marco no Brasil, abrindo efetivamente caminho para a liberdade de participação sindical. Ocorreu em 1974, sob o governo Geisel. A partir dela novas greves se estenderam de 1978 a 1980, já no governo Figueiredo. Imaginem algo semelhante nos países bolivarianos. Por muito menos os "socialistas" enviam as suas milícias e fazem uso de perseguições, prisões, tortura e assassinato.
A Lei da Anistia, negociada entre militares democratas, políticos do establishment e a oposição do MDB, com amplo apoio da sociedade civil, foi assinada por Figueiredo em agosto de 1979, abrindo realmente caminho para a redemocratização do País. Foram os próprios militares que tomaram a iniciativa de abandonar o poder.
Sem dúvida a "democracia" bolivariana consegue ser mais dura do que a ditadura brasileira nesses períodos!
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail:denisrosenfield@terra.com.br.   

O Exército Cubano - O Estado de S. Paulo - 10/03/2014



O Estado de S.Paulo
O governo anunciou, com espantosa naturalidade, que mais 4 mil cubanos virão ao Brasil para integrar o programa Mais Médicos. Com isso, o exército de profissionais exportados pela ditadura castrista para servirem como peça de propaganda eleitoral petista - e serem despudoradamente explorados como mão de obra de segunda classe - chegará a 11.400, maioria absoluta entre os 14.900 médicos do programa.
Ante a pressão do Ministério Público do Trabalho, que está investigando a situação desses cubanos, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, informou que esses profissionais terão um "aumento" em sua remuneração, de cerca de R$ 900 para R$ 3.000 mensais. No entanto, a maior parte da diferença, cerca de R$ 1.400, é justamente o valor que o governo cubano sequestrava do salário desses médicos e depositava em uma conta na ilha em nome deles. Ou seja: o tal "reajuste" nada mais é do que o dinheiro que já era pago aos médicos, mas que só poderia ser usado quando voltassem para casa. Portanto, a situação desses profissionais não mudou nada - eles continuam a ser discriminados.
Por esse contrato, o salário dos cubanos é muito inferior aos mais de R$ 10 mil pagos a médicos de outras nacionalidades que participam do programa. Em vez de entregar o dinheiro diretamente aos médicos cubanos, como faz com os demais profissionais, o governo envia os R$ 10 mil por médico à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que entrega o dinheiro a uma empresa de Cuba, e é essa empresa que remunera os profissionais cubanos - com apenas uma fração do valor original. A ditadura castrista embolsa o resto - e Chioro disse não saber o que é feito com esse dinheiro do contribuinte brasileiro, cujo total passará de R$ 900 milhões.
Chioro disse que esse modelo de contrato é igual ao estabelecido com os demais países que recebem médicos cubanos. Mas o Jornal Nacional (27/2) mostrou que isso não é verdade. Ao pesquisar a situação na França, no Chile e na Itália - países indicados pelo Ministério da Saúde como exemplos -, a reportagem mostrou que, nos dois primeiros casos, os médicos cubanos recebem o salário integral. Já a Itália nem sequer contrata médicos cubanos.
Segundo o Jornal Nacional, a Opas admitiu que o contrato aplicado no Brasil não tem equivalente no mundo. Revelado pela cubana Ramona Rodríguez, que desistiu do programa ao saber que receberia muito menos que seus colegas de outras nacionalidades, o tal compromisso é draconiano - o profissional, por exemplo, não pode receber nem sequer visitas sem avisar à "Brigada Médica cubana", nome fantasia para os agentes do governo castrista.
Quem fornece o serviço dos médicos é uma empresa chamada "Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos S.A.". Os contratados são devidamente advertidos de que terão de guardar "estrita confidencialidade" a respeito dos termos do documento e que, caso se neguem a retornar a Cuba, serão considerados desligados do programa e estarão submetidos à legislação brasileira, que veda o exercício da medicina a estrangeiros que não revalidem seu diploma.
Do ponto de vista trabalhista, o truque é qualificar o trabalho dos médicos como "intercâmbio acadêmico", o que não cria vínculo empregatício. Mas em direito trabalhista existe o princípio da primazia da realidade, em que os fatos se impõem sobre o que está escrito - e a realidade é que os "intercambistas" cubanos nada mais são do que profissionais sub-remunerados. Ademais, o próprio contrato que esses médicos tiveram de assinar os qualifica como "profissionais de saúde", e não como estudantes.
Que o Mais Médicos é eleitoreiro, já não resta a menor dúvida. Em vez de investir na melhoria global da saúde, o governo preferiu o truque de importar milhares de médicos para enviá-los aos confins do País, sem lhes fornecer a infraestrutura necessária para um atendimento eficaz. Nada justifica o descarado atropelo das leis trabalhistas, cujo objetivo é não apenas sustentar a demagogia do governo, mas também - e talvez principalmente - financiar a ditadura cubana.

Wednesday, March 05, 2014

A economia da hiena - O Estado de S. Paulo - Rolf Kuntz - 01/03/2014


ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo

De que se ri o animalzinho? - pergunta o cidadão, na velha piada, ao saber da parcimônia sexual e das preferências gastronômicas da hiena. A mesma perplexidade é inevitável diante da aparente alegria de tantos analistas ao conhecer os números da economia nacional em 2013. O miserável aumento de 2,3% do produto interno bruto (PIB) foi descrito como surpreendente. O crescimento de 0,7% no trimestre final quase foi celebrado como o início de uma era de expansão chinesa. Dois argumentos foram usados para justificar a comemoração. Projetado para um ano, aquele resultado trimestral equivale a 2,8%, lembrou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O outro argumento, um pouco mais complicado, aponta o esperado efeito de carry over, ou carregamento. Se a expansão econômica for nula nos primeiros três meses deste ano, será pelo menos mantido o patamar alcançado no trimestre anterior. Daí a necessidade, segundo os mais entusiasmados, de uma revisão das projeções para 2014. Na semana passada, a mediana das projeções coletadas para o boletim Focus, do Banco Central (BC), havia ficado em 1,87%.
Essa alegria é mais preocupante que os números ainda muito ruins das contas nacionais. Com um pouco de juízo e medidas certas pode-se fazer a produção crescer muito mais que nos últimos três anos, quando a média ficou em vergonhosos 2%. Mas o problema se complica sensivelmente quando as pessoas começam a encarar como normal um desempenho pífio, muito abaixo das possibilidades do País, e a festejar pequenas melhoras.
Quem aceita esse padrão de normalidade passa a raciocinar dentro dos limites da política econômica em vigor nos últimos anos. Passa a falar a linguagem do ministro da Fazenda e a aceitar como razoáveis seus critérios de avaliação. Uma coisa é destacar, por seu efeito estatístico, a expansão de 6,3% do investimento em capital fixo. Outra, muito diferente, é apontar esse número como algo extraordinário. Só se entusiasma quem esquece dois fatos bem conhecidos e, de toda forma, indicados com clareza nas contas publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nem um estrangeiro se enganaria ao ver esses números.
Em primeiro lugar, o investimento 6,3% maior que o de 2012 ocorreu depois de uma queda de 4%, detalhe aparentemente esquecido ou negligenciado por muita gente. Em termos de volume, ficou pouco acima, portanto, do registrado em 2011. Em outras palavras, a formação bruta de capital fixo ficou praticamente estagnada ao longo de dois anos.
Em segundo lugar, a taxa de investimento passou de 18,2% do PIB em 2012 para 18,4% em 2013, muito inferior aos padrões dos emergentes e ainda abaixo do pico de 19,5%, registrado em 2010. O nível de 24%, já alcançado por alguns sul-americanos, será atingido até 2020, prometeu o animado ministro da Fazenda.
A estagnação da indústria está refletida tanto no crescimento do setor, 1,3%, quanto nas contas externas. As exportações de bens e serviços aumentaram 2,5%, em termos reais, enquanto as importações cresceram 8,4%. A piora das contas externas já era conhecida. O déficit em conta corrente passou de US$ 54,25 bilhões em 2012 (2,41% do PIB) para US$ 81,37 bilhões em 2013 (3,66% do PIB). A deterioração do balanço de pagamentos é explicável principalmente pela erosão da conta de mercadorias. Essa conta continua em mau estado.
Entre o começo do ano e a terceira semana de fevereiro o País acumulou um déficit comercial de US$ 6,75 bilhões. As vendas ao exterior, US$ 26,91 bilhões, foram 3,7% menores que as de um ano antes, pela média diária, e as importações, US$ 33,65 bilhões, 0,6% maiores, pelo mesmo critério.
Mais uma vez, em 2014 o saldo comercial dependerá do amplo superávit obtido com as commodities, principalmente do agronegócio. A julgar pelos dados até agora conhecidos, dificilmente a indústria será muito mais competitiva, nos próximos meses, do que tem sido nos últimos cinco ou seis anos. As importações começaram a crescer mais velozmente que as exportações antes da crise de 2008. O problema, na época, já era o enfraquecimento da indústria diante dos concorrentes estrangeiros. Afinal, o famigerado custo Brasil já estava na pauta desde muitos anos e nada se havia feito para torná-lo mais suportável. Enquanto a discussão se prolongava sem resultado, o problema se tornava mais grave e a economia nacional ficava menos eficiente e menos capaz de produzir de forma competitiva.
O mau uso do dinheiro público, o desajuste fiscal e a inflação elevada são componentes desse quadro de baixa produtividade, mas há pouco estímulo para o governo cuidar seriamente de qualquer desses problemas. Há oposição à alta dos juros, apesar da inflação resistente e ainda muito elevada. Até a meta fiscal anunciada há poucos dias foi criticada, como se o governo estivesse empenhado, com sua modesta exibição de austeridade, em matar o crescimento.
Há alguns anos o economista Mohamed El-Erian, então um dos chefões do Pimco, um dos maiores fundos de investimento, criou, juntamente com seu colega Bill Gross, a expressão "novo normal", para descrever o padrão observado desde o começo da crise: crescimento baixo, desemprego alto e juros próximos de zero no mundo rico. No Brasil, a reação de muitos analistas aos números pífios de 2013 parece indicar a consolidação de uma nova normalidade econômica. Mas, neste caso, o crescimento baixo é combinado com inflação alta e resistente e contas públicas precárias. Junta-se a isso uma baixíssima disposição para cuidar de problemas bem conhecidos, mas nunca atacados para valer. Nesse quadro, incentivos parciais e de pouco efeito para o crescimento acabam valendo mais que mudanças de grande alcance. Reformas para tornar a economia mais eficiente são complicadas e tomam tempo. Para que esperar? Nesse novo normal, menos e menos pessoas, a cada dia, acharão estranha a satisfação da hiena.
JORNALISTA