Thursday, March 12, 2015

Golpe de jiu-jitsu - Publicado no blog Vespeiro - www.vespeiro.com, em 28 de fevereiro de 2015

28 de fevereiro de 2015 § 34 Comentários
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Artigo para O Estado de S. Paulo de 28/2/2015
Não ha explosões nem rupturas. Não ha socos nem chutes fulminantes, à Anderson Silva. Golpe, hoje, é de jiu-jitsu. A luta é no chão, lenta e sufocante como aperto de cobra. Nada de muito espetacular acontece. Persistente, insidiosa e inexoravemente, os braços e pernas da cidadania no Legislativo e no Judiciário, vão sendo agarrados, torcidos, imobilizados; o país vai parando, exausto, e o estrangulamento econômico é que leva aos tres tapinhas no final.
É esse o script bolivariano. Depois vem o caos…
Mas em países da pujança e da complexidade do Brasil o buraco é mais embaixo. Tiroteio no morro é sempre impressionante mas diz pouco sobre o que rola no alto comando do crime organizado. Com o “petrolão” acontece coisa parecida. Se quiser saber onde é que essas guerras realmente são decididas, siga o dinheiro.
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A “caixa preta” do BNDES e dos fundos de pensão estatais está para o “petrolão” como o armamento nuclear está para as armas convencionais na guerra pela construção do “Reich de Mil Anos” do PT. Luciano Coutinho é a Dilma competente. O “true believer” que sabe o que faz. Mas por tras de tudo e por cima de todos paira Luis Ignácio Lula da Silva, o que não acredita em nada. A este, com seu faro e instinto fulminantes para o poder, não custou um átimo entender o potencial que tinha o fascínio do doutor Coutinho pelo sistema coreano dos Chaebol. “Aparelhar” esse fascínio foi brincadeira para o nosso insuperável virtuose na arte de servir doses cavalares de dinheiro para os ricos e de mentiras para os pobres enquanto atiça uns contra os outros e é amado por ambos, arte em que se iniciou, já lá vão 40 anos, frequentando a ponta da ponta do capitalismo cínico de seu tempo, aquele sem pátria das multinacionais automobilísticas do ABC paulista. Foi ali que ele aprendeu a comprar pequenos privilégios para a clientela dos metalúrgicos que o mantinha na linha de frente do jogo do poder a custa de garantir lucro fácil às multinacionais pondo o resto do Brasil andando de carroça paga a preço de Rolls Royce. Foi ali que ele entendeu a força que o dinheiro tem, a resiliência dos laços que ele cria e a conveniente característica de moto contínuo que os esquemas amarrados com ele engendram, realimentados pela corrupção e pela miséria que eles próprios fabricam.
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Do esquema coreano de “empresas-mãe” recheadas de dinheiro do estado entregues a um indivíduo ou a uma família, cercadas de pequenas “empresas-satélites” amarradas a elas pelo elo pétreo da sobrevivência econômica nasceu a versão macunaímica dos “campeões nacionais” do BNDES e dos fundos de pensão estatais dos quais hoje dependem cada vez mais o fornecimento de todos os insumos e a absorção de toda a produção – e portanto todos os empregos – da vasta periferia da economia que orbita esses ungidos do estado petista.
A diferença está em que se na Coréia a explosão da corrupção e a instrumentalização política da relação de dependência inerente aos monopólios de que até hoje, apesar do nível de educação conquistado por seu povo, aquele país não consegue se livrar, foi o corolário indesejável de uma vasta operação para criar a partir do zero um país e uma economia devastados pela guerra, aqui a trajetória foi exatamente a inversa. O PT não pensa no Brasil, o PT pensa no PT. Aqui, tudo começou para dotar um partido político de condições de impor sua hegemonia com o recurso à corrupção elevada à categoria de moeda institucionalizada de compra de poder e à criação de elos de completa dependência a monopólios politicamente manipuláveis de vastas áreas de uma economia pujante mas diversificada demais para o gosto de quem sonha com sociedades inteiras dizendo amém a um chefe incontestável que não desce nunca do trono.
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É essa segunda parte que decide o jogo e o resultado parcial está aí. Com pouquíssimas exceções, não ha mais força econômica de qualquer relevância fora do “esquema”. Só um rei e seus barões; tanto mais “relativos” estes quanto mais aquele se tornar “absoluto”. E se o agronegócio, calcanhar de Aquiles dos totalitários do passado, foi exceção por algum tempo, esse tempo passou. O universo da proteína animal, “chaebolizado” tornou-se galático; o da bioenergia, garroteado pelo golpe da “gasolina barata”, ou se multinacionalizou, ou não vive mais sem as veias pinçadas na UTI do governo. Eficiência empresarial? Esta “commodity” hoje compra-se. Os grandes “tycoons” do “setor privado” brasileiro que continuam voando em seus jatões cada vez mais obscenos são só os CEO’s a soldo de uma economia estatizada, ainda que vestindo roupas civis e não mais a farda militar de outrora.
Dilma Rousseff é um acidente de percurso. O “poste” plantado para ocupar o buraco que começou a acreditar que era ela que tinha sido eleita e quase pôs tudo a perder. Talvez ainda consiga, a prosseguir o patológico desemparelhamento entre seu discurso e a realidade. Mas já não é só nisso que se constitui o “pântano brasileiro” descrito pela Economist. O que está paralisando o Brasil é o PT real sem a anestesia chinesa, apenas acrescentado de extensas áreas de grave irritação cutânea provocada pela irrefreável pesporrência de madame.
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Para que os brasileiros enxerguem com clareza de onde é que isso tudo vem vindo e disponham do mínimo necessário para opinar sobre o destino que lhe querem impor antes que seja tarde a imprensa terá de tirar o bisturi da gaveta, lancetar com suas próprias mãos o abcesso que corrói o país por baixo dos “campeões nacionais” e fazer muito barulho para chamar a atenção de todos para ele. Os membros do exclusivíssimo clube dos “campeões” do BNDES, balofos e engurgitados de dinheiro público, almoçam e jantam diariamente em Palácio onde todos se dão tapinhas amistosos nas costas. Ali ninguém vai atirar em ninguém, não haverá prisões nem delações premiadas e jamais nos será “dado acesso” ao câncer que ha por baixo da ferida que, com todo mundo hipnotizado pelo tiroteio do “petrolão”, o país ainda mal vê.
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Wednesday, March 11, 2015

O Estado, a mulher, o sofá e o pato - Publicado no Blog de Rodrigo Constantino em 15/03/12

Por Igor Wildmann, publicado no Instituto Liberal
Como advogado e como cidadão, venho observando que a atuação do Estado brasileiro lembra aquela velha piada da mulher e do sofá: o marido, ausente e omisso, chega em casa e depara-se com sua mulher, nua, no sofá, nos braços de outro. Pasmo e inerte no ato, o marido passa alguns dias a refletir e finalmente toca o sofá para fora de casa, chamando os amigos e lavando publicamente sua honra ao atear fogo, com grande alarde, na “mobília maldita”. A analogia me tem vindo à cachola várias vezes que vejo a forma de o Estado brasileiro lidar com problemas:
a) A taxa anual de homicídios é estratosférica: faz-se uma campanha de desarmamento, incentivando os cidadãos a entregar suas armas. Cria-se lei dura, praticamente inviabilizando ao cidadão pacato o acesso a armas de fogo para a defesa pessoal. Enquanto isso, nas “comunidades”, o crime organizado exibe ostensiva e impunemente suas AK-47, AR-15 e etc., como símbolos de poder e status perante os moradores, impotentes e resignados. Os indivíduos de bem, na favela ou “no asfalto” pagam o pato.
b) Há ondas de assaltos em portas de bancos. Um estado da federação, ao invés de providenciar a prisão das quadrilhas de larápios, edita lei proibindo os clientes de falar ao celular dentro das agências. Os bandidos continuam soltos. E o cidadão comum, horas na fila do banco, paga o pato.
c) A taxa de acidentes automobilísticos é altíssima, em virtude, não se pode ignorar, do estado de conservação vergonhoso das estradas ou da fiscalização deficiente. O que se faz? Criam-se leis com um rigor absurdo, que podem transformar o cidadão médio e pacato em criminoso, caso ele tenha dirigido após comer um bombom de licor, lavar a boca com enxaguante bucal ou tomado uma – e só uma – taça de vinho, coisa que, venhamos e convenhamos, é distinta de “dirigir embriagado.
d) Hordas de dependentes de crack em determinados pontos, completamente escravizados por seu vício, muitos visivelmente fora de equilíbrio emocional, molestando ou furtando os transeuntes. O Estado, inerte perante o problema, resolve conceder-lhes “bolsa” em dinheiro, recurso este que, obviamente converte-se em aumento da liquidez das “Cracolândias”, com consequente majoração do preço das drogas. Os traficantes agradecem. O cidadão médio paga a conta e paga o pato.
e) Crianças aos montes mendigando nos sinais, à vista de todos, a maioria delas visivelmente exploradas por seus pais ou por um adulto qualquer. Crianças e adolescentes aderindo ao tráfico de drogas. Crianças sendo exploradas e se prostituindo. E o Estado, além de muita propaganda, cria uma lei que transforma em bandidos os pais que derem um bom puxão de orelhas num moleque pirracento ou num “aborrecente crisento” e carente de limites. Os pais que se preocupam em transformar seus filhos em seres humanos decentes pagam o pato.
f) O trânsito está cada vez mais caótico nas cidades e curiosamente, os metrôs nunca saem do papel ou das boas intenções. No entanto, já há uma prefeitura com brilhante projeto para tal problema: “proibir a construção de prédios novos com mais de uma vaga de garagem (sim, é sério, esse projeto existe!) e coibir ao máximo a abertura de estacionamentos nas regiões centrais. O Estado não faz o dever de casa. E joga a conta nas costas do cidadão médio que, claro, paga o pato.
g) Vários dos auto-proclamados “movimentos sociais” promovem invasões e depredações em terras alheias. Num caso, vi incêndio provocado por “desconhecidos”, que acampavam às margens de uma propriedade rural. (Os líderes desses movimentos dificilmente se identificam). O que fez o Estado? Incapaz de proporcionar segurança pública e estabilidade nas relações jurídicas, autuou o proprietário por delito ambiental. O mesmo foi reclamar do fato. Os órgãos ambientais criaram uma caça a “irregularidades” burocráticas, até se criar pretexto para autuar e multar o proprietário, que ao fim, pagou o pato.
h) O Estado brasileiro criou, em junho do ano 2000, a Agência Nacional de Águas (ANA), que em seu site proclama como sua missão“implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso a água, promovendo seu uso sustentável em benefício das atuais e futuras gerações”.  Suponho que isso incluiria a gestão dos recursos hídricos, com vários dos métodos hoje existentes: captação e reaproveitamento de água de chuvas, diminuição do desperdício nas redes de distribuição dos próprios órgãos fornecedores, despoluição de bacias, incentivos fiscais à utilização de meios mais racionais para irrigação agrícola, fiscalização realmente rigorosa em relação às minerações próximas a nascentes, etc. Mas quinze anos se passaram desde a criação do órgão (e dos seus correspondentes estaduais) e o que vem ocorrendo é que, mesmo estando o Brasil assentado sobre uma das maiores – senão a maior – reserva hídrica do mundo, o Estado, junto com seus arautos da “patota consciente”, quer nos convencer que são o meu e o seu banho, leitor, os responsáveis por uma espécie de apocalipse hídrico que se avizinha.  Daí o “Leviatã” entra em cena para aumentar a conta de água, avizinhando-se o dia em que irá multar o cidadão por escovar os dentes com a torneira aberta. Água existe. Faltou a gestão. E, seja pelo desabastecimento, seja pelo aumento da conta ou pela a cantilena contra “o monstro que tem piscina em casa” (ou que se refresca com mangueiras na laje nos dias de calor), o cidadão comum paga o pato.
Percebam que há um “modus operandi” por trás de cada um desses exemplos: o Estado não faz o seu dever de casa. E, em face de cada um dos problemas, faz o que é mais fácil e conveniente, não sem antes provocar um escarcéu na imprensa, sempre com campanhas politicamente corretas apoiadas por artistas e outros “useful idiots” bem intencionados: joga o ônus de sua omissão nas costas do cidadão médio, daquele indivíduo identificável, com CPF e endereço certos. O Estado se comporta como o marido da piada: omisso, leniente, míope. A mulher da piada representa o dever que ele não cumpre. O outro, o “amante”, os problemas que não enfrenta. Os amigos que assistem à queima do sofá são os artistas e auto-proclamados “conscientes”, aboletados no seu conforto e na sua vaidade de se pretenderem moralmente superiores, com seus slogans prontos e rasos e sua auto-ilusão messiânica. (Afinal de contas, estão “salvando o mundo,” criando “uma nova sociedade”.)
E o sofá jogado fora e incendiado, com alarde, é o cidadão médio comum, identificável, com endereço certo, com CPF. Aquele que trabalha, que quer que suas crianças durmam cedo e comam frutas, que quer juntar algum dinheiro para sua velhice, que quer segurança e respeita a polícia e o Estado, que se preocupa com as contas e com os impostos, que acha feio jogar papel nas ruas, que tem medo de bandido.
Aquele que, com todos os seus defeitos, neuroses e pecadilhos, preocupa-se em cumprir as leis. Aquele que, ao final, paga o pato. Sinto informar, mas o sofá somos eu e você. Pensando bem, o pato também.