Wednesday, October 29, 2008

A greve dos funcionários da EBC - Blog do Reinaldo Azevedo - 29/10/08

Do Portal Imprensa. Comento depois:
Nesta quarta-feira (29), cerca de 200 jornalistas da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) - responsável por veículos como TV Brasil, Agência Brasil e Rádio Nacional - anunciaram uma greve de 24 horas pedindo equivalência salarial em relação aos jornalistas recém-contratados sem concurso.
A direção da empresa oferece piso de R$ 2 mil para concursados e de R$ 5 mil para selecionados apenas por análise de currículo. O critério para essa diferença, segundo a empresa, é que os não-concursados são "especialistas".
Um comunicado divulgado pela diretoria da EBC informa que a greve dos funcionários é irregular. Para a empresa, "houve intransigência e incompreensão do relato sobre a reunião ocorrida entre os sindicatos e a direção da empresa, na qual foi assegurado que com a implantação do plano de carreira não ficaria um só funcionário da EBC sem a garantia mínima de reposição de 7,1%, além dos demais benefícios oferecidos pelo novo plano de carreira, que traz incremento de até 42% nos pisos salariais".
A estatal afirma também que a a paralisação descumpre "o rito legal" e é "extemporânea porque estava em curso uma ampla negociação". Se a greve for mantida, a empresa diz que não manter a proposta de prorrogação do contrato coletivo em vigor por mais 30 dias.
"A persistência da greve compromete as negociações e a própria implantação do plano de carreiras, com prejuízos para toda a coletividade da EBC, no momento em que o sistema público de comunicação começa a se consolidar", diz o comunicado.
No fim, o texto informa que "a direção da empresa espera uma reconsideração para que as negociações prossigam nas próximas horas e seja possível concluir o acordo que já estava em curso, com avanços e garantias que iam ao encontro das reivindicações".

Comento
Quanta intransigência da EBC, não? Chamem o Tarso Genro para negociar. Se ele recebe lideranças da Polícia Civil de São Paulo que promoveram uma manifestação armada — sim, de trabuco e escopeta na mão; um coronel da PM levou um tiro —, por que tanta severidade com jornalistas desarmados, não é mesmo?

A EBC tem mais de dois mil funcionários. Parece piada, mas é verdade. Segundo as entidades que representam jornalistas, desde a criação da empresa, foram contratados mais de 200 jornalistas sem concurso — cargos de confiança — e com salários maiores.

Mais de dois mil? Pois é, a Rede Globo, que chega a ter 75% dos televisores sintonizados na emissora no horário nobre, tem um total de 8 mil. Alcança 130 países. É claro que a EBC não é apenas a Lula News: há ainda a Agência Brasil, a Radio MEC e a Rádio Nacional. Trata-se de um verdadeiro complexo de comunicação para, para, para... para nada!

Eu apoiando a greve porque é de jornalistas e porque, afinal, ela torra o saco do governo Lula? Eu não! Sou contra greve de servidores. De quaisquer servidores. Tenho, confesso, certa tentação de apoiar, mas por motivos talvez insuspeitados por muitos: falando em tese, nada contra os profissionais em particular, sempre que o estado deixa de produzir “informação”, acho que o cidadão sai ganhando. Por mim, quanto menos essa gente trabalhar, o rendimento do país cresce. Paralisação total seria, assim, o extremo da produtividade.

Ninguém se interessava antes pela produção oficial de notícias. Agora que Lula decidiu injetar alguns milhões no setor e que se contratou gente a torto e a torto, as pessoas continuam a não se interessar. Não é formidável?

Tudo é meio chato, aborrecido mesmo, e a razão, nesse imbróglio, não está em lugar nenhum. Há tempos os funcionários da EBC vinham protestando contra o fato de que matérias que faziam eram usadas por mais de um veículo da EBC — como se, sei lá eu, reportagens da Folha On Line não pudessem ser publicadas na Folha, só para dar um exemplo de prática similar existente em empresas privadas de comunicação. Vale dizer, atendida essa reivindicação, haveria ainda mais funcionários na EBC.

Quanto às diferenças salariais, ai, ai... Um dos desastres do serviço público é a dificuldade para remunerar melhor os mais competentes — e a remuneração excessiva de serviços não-especializadas. Ocorre que, nesse caso, o problema é bem outro. Esses não-concursados estariam sendo chamados porque agregariam mais qualidade etc e tal, porque mais experientes.

O principal sorvedouro do orçamento da EBC é a Lula News. Dá traço de audiência. Assim, funcionários que se dizem mal pagos e que produzem algo que quase ninguém vê, lê ou ouve se rebelam contra uma distorção conjuntural (a contratação de não-concursados com salário maior) acrescida àquela que é a distorção essencial: estado não tem de produzir informação.


Por Reinaldo Azevedo

MARIA VICTORIA, A REACIONÁRIA DA ENTREVISTA PONG-PONG - Blog do Reinaldo Azevedo - 27/10/08

Fiz um vermelho-e-azul ontem com Maria Victoria Benevides, como viram, a intelectual do PT apresentada apenas como uma cientista política. Está aí abaixo, ainda na homepage. Sim, um pouco e a levei a sério, outro tanto recorri à pena da galhofa — não contem com a tinta da melancolia, reservada apenas a assuntos mais sublimes do que a política, como a luta do Ser contra o Não-Ser Universal, por exemplo. Mas não duvidem: Maria Victoria, se tratada como sintoma ou como um programa político não explicitado, é coisa séria. Em sua entrevista à Folha — foi inaugurado o estilo pong-pong: o entrevistado fala, e o entrevistador radicaliza — , é evidente que ela faz pouco caso da democracia, que, entende-se, só é virtuosa quando as aspirações de seu partido — ou, mais amplamente, da esquerda — são contempladas.

Vejam lá. Aquela senhora disse coisas muito graves, mormente porque é uma professora universitária e, vá lá, tem o pensamento como uma de suas obrigações — recebe do estado para ensinar e para orientar os jovens. Já explorei o suficiente a tolice de tentar encaixar as clivagens contemporâneas na camisa-de-força dos partidos que havia no Brasil pré-64, como se, naquele período, se tivesse plasmado o caráter nacional, e o presente não fosse senão caudatário daquelas contendas. É um raciocínio energúmeno, que elimina a história. No tempo em que PSD, UDN e PTB disputavam a hegemonia política, o Brasil tinha mais de 60% da população no campo — hoje, mais de 80% dos brasileiros estão nas cidades. Mas não só. O Brasil de 1980, que viu nascer o PT, já não existe, com a diminuição da importância da mão-de-obra industrial na economia e... na política. O pong-pong foi só uma manifestação regressiva do marxismo mais bocó, uma espécie de “Dois Perdidos Numa Tese Velha”.

Então ela é irrelevante? Não! Não é, não. Não podemos perder de vista, por exemplo, a caracterização até certo ponto correta que Maria Victoria fez de seu partido. Mas falo disso mais adiante. Antes, quero alertar para algo que me parece bem interessante.

Maria Victoria não é uma “uma”, mas uma legião, como diria a Bíblia. Ela vocaliza uma cultura interna: a do seu partido. E o seu partido, não resta dúvida, reconhece apenas formalmente a legitimidade dos adversários eleitos. Voltem à entrevista e vejam como ela caracteriza Kassab e o governador José Serra — que não tem origem na direita, ela reconhece, mas estaria se “endireitando”. Para ela, o DEM-PSDB só venceu as eleições porque teria conseguido distorcer a compreensão do povo — que, deixado à sua própria natureza, votaria em Marta. É como se o trabalho da Prefeitura nesses quatro anos não tivesse existido. O resultado das urnas foi só o produto da má consciência.

Ora, quais são os desdobramentos de tal abordagem? O primeiro, obviamente, é a baderna que o partido promove nos vários setores da administração quando quem está no poder é um adversário. Ora, Maria Victoria é a prova de que eles não reconhecem a legitimidade do “outro” apenas porque “outro”. Para esta gigante, não existe uma institucionalidade que iguale os adversários em direitos e obrigações, embora eles possam divergir radicalmente sobre todos os assuntos. Ora, numa disputa ética, os oponentes combinam em não divergir sobre uma coisa aos menos: as regras do jogo.

Com o PT não é assim. Vejam o exemplo de setores da Polícia Civil de São Paulo, ora sob comando da CUT e da Força Sindical. Sabem que sua reivindicação é impossível — como eram todas as feitas pelos servidores federais no governo FHC. Mas e daí? “A questão é política, companheiro”. O governador foi unanimemente tratado pela imprensa, e é óbvio e correto, como o grande vencedor individual das eleições de 2008. Uma vitória conseguida nas urnas, com o apoio do mesmo povo que serve sempre para santificar Lula. Mas está às voltas com um grau de radicalismo dos setores sindicalizados da Polícia Civil que beira o grotesco. Haverá o momento em que alguém vai se lembrar de apelar ao PCC, como se fez em 2006? Fiquemos atentos. Se o "outro" é ilegítimo porque "outro", que mal há em sabotá-lo?

E agora...
E, agora, vamos a uma percepção de Maria Victoria que não deixa de estar correta. Reproduzo: “O PT nacional se beneficiou enormemente das políticas regionais e municipais no governo Lula. O PT no resto do Brasil está ligado a propostas e projetos locais, nos quais o conteúdo ideológico é muito pequeno, e a presença da classe média também. Essa classe média forte, organizada, com imprensa, universidades, pequenos e médios empresários, é imensamente mais forte aqui. Dificilmente existe, no resto do Brasil, essa rejeição forte e absoluta ao PT que existe em São Paulo.”

Nem eu diria com tanta propriedade. O país que vai acima é o paraíso dos petralhas. O PT viceja, assegura Maria Victoria, onde a classe média é pequena, fraca, desorganizada, sem imprensa, sem universidades, sem pequenos e médios empresários. Nesse caso, assegura-nos a petista, a rejeição ao PT é menor. Ela tem razão: o PT está se tornando dependente do pobrismo. Com efeito, comunidades prósperas não suportam o petismo. “E Lula nesse contexto?” Lula é outra história, e o próprio Lula sabe disso. Maria Victoria acerta também quando diz que o Apedeuta fez políticas para beneficiar os muito pobres e os muito ricos: a uns, deu Bolsa Família; a outros, deu Bolsa Juros. Até os mais entusiasmados com a política econômica apareceram ontem na TV recomendando que se diminuam os gastos com juros... Num extremo, populismo; no outro, financismo. Mas aqui já estamos falando de outros quinhentos, que vão cobrar a sua conta um pouco mais tarde.

Concluo
Maria Victoria revela-nos um entendimento da política que dá de ombros pra democracia e vê nela um desvio se as urnas não referendam os nobres desígnios que esses “progressistas” têm para o povo. E olhem que estamos falando de eleições municipais. Imaginem se o PT não conseguir inventar um candidato viável para 2010. Os legionários de Maria Vitória vão tentar reagir. Afinal, nem ela nem eles entenderam ainda a democracia. Resta o quê? Vou perguntar ao prefeito Gilberto Kassab se o Haldol está na lista do programa "Remédio em Casa". Se não estiver, tem de entrar. E se poderá fazer um favor a Maria Victoria Benevides.


Por Reinaldo Azevedo

UM VERMELHO-E-AZUL COM MARIA DERROTA MALEVIDES - Blog do Reinaldo Azevedo - 27/10/08

Maria Victória Benevides concedeu uma entrevista à Folha, publicada nesta segunda. Falou ao jornalista Maurício Puls, o mesmo que entrevistou Francisco de Oliveira há alguns dias — a ele, a minha solidariedade: poderia lhe recomendar novas viagens. Mas não vou. Há quem goste de visitar sempre os mesmos lugares porque já reconhece a paisagem. Adiante. Deixarei claro, no vermelho-e-azul que segue adiante, quem a Folha diz que ela é e quem ela realmente é. Vamos lá?

A CIENTISTA POLÍTICA Maria Victoria Benevides, 66, avalia que Gilberto Kassab não venceu a eleição porque sua aprovação é alta, e sim porque a rejeição a Marta Suplicy é muito forte. "Kassab não provocou nenhuma rejeição. Isso não significa que ele seja bom: significa que as pessoas eram indiferentes a ele".
Professora titular da Faculdade de Educação da USP e autora de "O Governo Kubitschek" (1976), "A UDN e o Udenismo" (1980), "O Governo Jânio Quadros" (1981) e "O PTB e o Trabalhismo" (1989), entre outros livros, Benevides afirma que Kassab é apenas um político fabricado pelo governador tucano José Serra -"ele é uma espécie de Pitta que deu certo"- que conseguiu reunir todas as vertentes da direita paulistana em sua batalha contra o PT.
A abertura de uma entrevista deve ser uma síntese do que vai no resto. Até aí, bem. Contestarei na seqüência a bobajada dita por esta senhora. Mas acho que o texto de Puls omite dos leitores, e isso pode ser um pouco vergonhoso, que Maria Victoria Benevides é militante do PT, é quadro do partido. Mais: pertenceu à tal Comissão de Ética Pública — que costumo chamar de “Começão de Ética Pública” — do governo Lula durante o mensalão. Eis a Maria Victoria Isenta que agora vai pensar o Brasil. Eis Maria Derrota Malevides.

FOLHA - Kassab começou no PL, um satélite do PFL, mas logo ingressou no próprio PFL, que aqui em São Paulo reunia herdeiros da UDN. É possível dizer que a "direita udenista" conseguiu substituir a "direita populista" representada por Maluf?
Não é uma pergunta. É uma tese. Puls está ainda preocupado com a UDN... Que Maria Victoria, com 66 anos, esteja disposta a remoer o passado e a decretar que nada de novo existe sob o sol, vá lá. Que Puls, com 40 e poucos, esteja nessa... Bem, isso é problema dele, e idade física não é sinonimo de idade intelectual. São Paulo tem hoje 11 milhões de habitantes. Tudo mudou na cidade — e, a rigor, no Brasil desde 1964. Com quem está o setor financeiro da economia brasileira, por exemplo? Qual foi o partido que recebeu as doações mais generosas do que ambos chamariam “direita brasileira” em 2006? O PSDB? O DEM? Não! Foi o PT. O PT de Maria Victoria Benevides. A tese é tão picareta, que, para definir onde está a UDN, seria preciso dizer onde estão o PSD, o PTB, o Partidão... Ou só a UDN, como a direita que precisaria ser exorcizada, sobreviveu?

MARIA VICTORIA BENEVIDES - A direita udenista certamente está com Kassab, mas Kassab não é fruto da direita udenista, mas dos liberais que vieram da esquerda do antigo MDB e da oposição à ditadura. É por isso que é muito difícil estabelecer claramente uma definição de sua identidade política. Nós podemos falar do DNA dele: o DNA dele, com toda a certeza, é de direita, mas um mix da direita udenista com a direita pessedista. Mas basta ver quem o fabricou politicamente: foi José Serra, que está longe de ter um DNA de direita udenista. Ele vem da esquerda e depois evoluiu para uma posição liberal.
Eu juro que não tinha lido esse trecho da resposta antes de escrever a minha objeção à pergunta de Puls. Quanta besteira! Quanta vigarice intelectual! Como se lê, a história nada mais seria do que uma repetição do mesmo; a velha tolice marxista, tornada clichê, decalcada de O 18 Brumário... A história se repetindo como farsa. E o DNA de Marta, qual é? O da esquerda revolucionária? Se Benevides quer se comportar como geneticista política de um indivíduo, tem de atentar para as origens de sua adversária. A candidata que exibe o líder operário Ivo Rosset, dono da Valisère, como um de seus mais caros aliados é o quê? Aliás, ela deveria ter levado ao ar imagens de seu casamento, de que ele foi padrinho, um verdadeiro sonho da Ilha de Caras, como exemplo de seu compromisso com a classe operária. Ou Malevides vai agora me acusar de preconceito contra a classe burguesa?

Kassab é apoiado hoje por uma parte importante do antigo Partidão [PCB], por uma parte importante do antigo movimento sindical. Isso não tem nada a ver com a direita udenista, mas, numa escolha em dois turnos, ele ficou com a direita udenista, a direita malufista, a direita janista e a direita adhemarista. Conseguiu reunir não só a direita udenista, mas todo o conjunto conservador das direitas de São Paulo, mais os tucanos liberais, dos quais a maioria não tem origem na direita, mas que acabaram se "endireitando" no governo.
Meus Deus! É o feitiço do tempo. Janismo, adhemarismo... Nesses quatro anos de gestão Serra-Kassab, nada aconteceu na cidade. Uma vitória com 18 pontos percentuais de diferença é só uma reação de setores conservadores da sociedade. São as pobres massas iludidas pelas tramóias da direita. Essa gente odeia democracia. É por isso que, uma vez no poder, tenta sabotá-la de forma descarada. Um dos esforços mais evidentes foi o mensalão. E Maria Derrota Malevides cuidava da ética do governo naquele tempo. Que coisa asquerosa!

FOLHA - Mas qual seria a substância político-eleitoral de Kassab?
Bem, Puls, sobre a substância eleitoral, nada precisaria ser indagado: quase quatro milhões de votos. Quanto à política... A pergunta apenas tange a velha corda da esquerda, para quem um “conservador” ou “udenista” será sempre fabricado. Por que Puls não entrevista um intelectual conservador para saber qual é a substância política de Marta Suplicy?

BENEVIDES - Eu acho que ele foi uma pessoa fabricada. Ele é uma espécie de Pitta que deu certo. O Pitta foi fabricado pelo Maluf igualzinho o Kassab foi fabricado pelo Serra. Quem era Kassab antes do Serra? Eu mesma nunca tinha ouvido falar dele, assim como ninguém tinha ouvido falar do Pitta. É o Pitta que deu certo. E deu certo porque o PSDB, embora rachado e enfraquecido por divisões internas, se deu conta de que ele era a maneira que tinha de ganhar a batalha contra o PT, que é seu grande adversário.
Não tinha ouvido falar porque é ignorante. Porque está presa às clivagens da década de 50. Há tempos, Kassab é um dos importantes articuladores da política paulista e paulistana. Assim como os petistas têm seus homens de bastidores, que não estão submetidos aos holofotes da imprensa, os não-petistas também têm. A tese da militante, que faz micagens de socióloga independente, é mentirosa desde a origem. Recupere, leitor, o noticiário de 2004. Serra não tinha relações políticas com Kassab. O acordo com o então PFL foi costurado por Geraldo Alckmin. E o hoje DEM não escolheu Kassab porque ele fosse um idiota, não é mesmo?

FOLHA - A questão é saber se esses políticos fabricados têm longevidade. Hoje a aprovação a Kassab (59%) na cidade é bem maior do que a do próprio Serra (38%), o que sugere que ele poderia sobreviver a uma eventual derrota de Serra em 2010. Mas, olhando para o passado, os políticos fabricados não duraram muito: Adhemar fabricou o Lucas Garcez; Jânio, o Carvalho Pinto; Quércia, o Fleury. Fabricaram um sucessor, mas o sucessor não teve sobrevida.
Puls é um moço muito lido, como se nota... Que pena que faça tão pouco com tanto! Reparem que a entrevista se torna uma espécie de campeonato entre o entrevistador e a entrevistada para ver quem detrata mais o prefeito reeleito. Não há, até aqui, vamos ver o que segue, uma só referência à sua gestão. Pouco interessa saber se ela foi boa ou má. Isso não é uma entrevista: trata-se de uma peça de propaganda partidária disfarçada de peça jornalística. E a suposição permanente, claro, é a de que o povo foi enganado por uma tramóia. O jornalista faça o que quiser, mas as comparações são intelectualmente desonestas. Para que a sua tese tivesse alguma virtude, Serra teria de ter aparecido com Kassab pendurado nos ombros. Não apareceu. Vocês acharão na própria Folha articulistas indagando onde estava Serra, que teria desaparecido durante o primeiro turno. Isso gerou reportagens no jornal às pencas.

BENEVIDES - O que falta nessas comparações que você fez é a perspectiva do segundo turno: o que mais beneficiou Kassab foi a possibilidade de reeleição contra sua principal adversária, a Marta, que tinha uma enorme rejeição.
Estou doido para saber qual é a explicação da gloriosa para a rejeição a Marta... Notem que, mais um pouco, a petista Maria Victoria ainda diz a Puls: “Pô, rapaz, não seja tão radical; não queira estar à minha esquerda...”

Kassab não provocou nenhuma rejeição. Isso não significa que ele seja bom, significa que as pessoas eram indiferentes a ele. É muito mais fácil criar uma perspectiva positiva em relação a alguém que tem uma imagem indiferente do que destruir uma rejeição e transformar essa rejeição em aprovação. E Kassab apareceu muito, teve um apoio muito grande do governo Serra e também, indiretamente, do governo federal, porque Lula não quis se indispor com São Paulo. Ao contrário. Serra não tem uma queixa a fazer do Lula.
Ah, em parte, a vitória de Kassab deve ser atribuída ao presidente Lula!!! Não entendi: quer dizer que o lulismo acabou beneficiando o “udenismo” em São Paulo??? A entrevista foi mediada só por água? Sim, Kassab teve apoio do governo Serra. É uma vergonha!!! Onde já se viu??? Aliados políticos se apoiando mutuamente? Isso é coisa da direita... Mas por que Marta é tão rejeitada, professora?

FOLHA - Uma reportagem recente da Folha mostrou que a gestão Kassab recebeu mais verbas do governo Lula do que a própria gestão Marta.
É verdade, Puls. Porque há mais dinheiro disponível. E porque há mais obras com dinheiro da Prefeitura e do Estado, que demandam contrapartidas do governo federal.

BENEVIDES - Exatamente. Eu não apostaria na continuidade do Kassab, mas também não apostaria no fim. O que eu fiquei impressionada foi com os míseros 6% [dos votos] do Maluf. Os malufistas morreram...
Assim a senhora decepciona o entrevistador.

FOLHA - O populismo em São Paulo praticamente acabou? BENEVIDES - O populismo na vertente malufista. Mas o populismo continua, sob formas clientelistas -aliás utilizadas por todos os partidos-, porque ele está muito entranhado na cultura brasileira. Não acredito que o populismo tenha acabado. E não vejo, a não ser pelo estilo mais cordato, muita diferença entre Maluf e Kassab.
Outra tese vigarista! Cadê a referência ao populismo de esquerda do petismo, espalhado pelo Brasil inteiro? Como esta senhora explica que a esmagadora maioria das Prefeituras petistas esteja em municípios pequenos, onde é forte a presença do Bolsa Família? Cadê uma reflexão sobre o desempenho bisonho do PT nas capitais? A que se deve? Associar Kassab a Maluf é mais uma das táticas petistas de caluniar de modo oblíquo. E que se note: o malufismo só está tão fraco porque Marta perdeu em 2004. Naquela eleição, ela fez um acordo formal com Maluf. Fez ou não fez, Maria Derrota Malevides?

FOLHA - A sra. diz que o Kassab se beneficiou da rejeição a Marta. Mas o que explica essa rejeição?
Opa, vamos ver. Estou doido para saber.

BENEVIDES - Há uma rejeição grande ao PT, que aumentou muitíssimo depois da crise de 2005, que decepcionou muita gente, dos meios intelectuais até uma esquerda tradicional, além de uma classe média que se sentiu abandonada, porque na realidade houve uma prioridade aos mais pobres. O problema é que o governo ficou nos extremos: favoreceu muito os muito ricos e os muito pobres, e a classe média tem motivo de ressentimento. Isso aumentou muitíssimo a rejeição ao PT.
Huuummm... Como é bom falar o que dá na telha sem compromisso com a coerência, não é? E na certeza de que o entrevistador também está pouco se lixando para o que ouve. Um partido que privilegia os muito ricos e os muito pobres não fica, assim, com uma cara meio udenista, não?

E a própria Marta é vítima de muito preconceito e muita rejeição. Dela ficou o quê? O que ficou de lembrança da Marta? O "Martaxa". A prova é que ela bateu muito contra isso. O problema é que a memória da imensa maioria dos eleitores, os mais pobres e os menos politizados, é mais curta.
Ah, não!!! Os dados publicados pela Folha demonstram que os mais pobres e menos politizados votaram em Marta. Se alguém foi beneficiado pela ignorância, esse alguém foi a petista. É claro que Maria Victoria não faria esse juízo tão severo sobre as vitórias de Lula. Povo, quando vota em Lula, é esclarecido; quando vota em Kassab, é ignorante.

Marta devia ter um nível de aprovação altíssimo por causa dos CEUs, mas os CEUs foram apropriados pelos outros: ninguém diz que vai abandonar os CEUs. Deixou de ser algo exclusivo do PT. E a rejeição a Marta é muito forte porque juntou a rejeição ao PT, que piorou muito em razão do que aconteceu, à rejeição a Marta, que é grande por ela ser a Marta: ela agrega rejeição por ignorância, por preconceito, pelo grupo dela no PT.
A resposta é um tanto obscura, especialmente quando remete ao “grupo dela no PT”, mas, sobre a parte compreensível, indago: se o povo rejeita o PT por causa do mensalão, ele não faz bem? Não é uma virtude? Ademais, dona Benevides, ninguém prometeu acabar com os CEUs, assim como ninguém prometeu acabar com as AMAs ou com o Cidade Limpa. Quer dizer que a “direita”, como diz a dupla, deve ser malhada por não fazer o que a esquerda gostaria que ela fizesse para, então, atacá-la. Sinto vergonha em seu lugar. Chegar aos 66 anos e não perceber a lógica capenga do raciocínio é uma coisa triste.

FOLHA - Segundo o IBGE, em 2006 a taxa de luz existia em 3.893 municípios, e a taxa do lixo, em 2.753. Ou seja, elas existem na maioria das cidades, e não causam tanta celeuma.
Quanta precisão! Pois é. Por que o PT não decidiu fazer, como se diz, uma luta política e defender a taxa, a exemplo do que faz Puls? Mas ele foi o primeiro a recuar. Retiro Puls da perplexidade: como essas taxas não existiam em São Paulo, o paulistano preferiu continuar, como direi?, sem elas. Povo só gosta de pagar taxa e imposto na cabeça de esquerdista.

BENEVIDES - E principalmente aqui em São Paulo, para a imensa maioria das pessoas, era um valor ridículo. Eu me lembro que minha faxineira veio reclamar disso, e eu perguntei quanto ela pagava de taxa de lixo. Era R$ 3. O filho dela estudava num CEU e ele ia e voltava da escola numa van da prefeitura, mas o que ficou foi a tal taxa do lixo, porque isso foi superdimensionado pelos adversários.
O raciocínio de Benevides é o mesmo que fez Lênin antes de decidir que o melhor a fazer com o povo contra-revolucionário era passar fogo. Povo é muito injusto mesmo, dona Benevides. Veja o caso de sua faxineira... A senhora doida pra fazer justiça social, enquanto ela tira o pó dos móveis, e ela se ligando a reacionários. É por isso que a esquerda revolucionária abole eleições. Para evitar que ignorantes como a faxineira de Dona Benevides impeçam a patroa de fazer a resolução social. O PT precisa urgentemente criar umas faxineiras no fundo de seu quintal ideológico para não chocar a ala intelectual do partido.

Eles foram competentes em grudar esse adesivo na Marta. E essa coisa das taxas nunca foi apresentada de uma maneira que mostrasse que ela eliminou o IPTU de muitos. Por exemplo, um de meus filhos mora hoje num prédio que ficou isento. Isso nunca foi suficientemente mostrado. Aí predominou a rejeição. E a campanha da Marta foi contaminada por equívocos de marqueteiros e assessores.
No debate da Globo, Marta afirmou que um de seus filhos adorou o túnel da avenida Cidade Jardim — uma das estrovengas caras e inúteis que o PT deixou como herança em São Paulo. Sem contar que teve de ser interditado um mês depois de inaugurado. Um pedaço estava desabando. E ele enchia d’água. Agora, é o filho da Dona Benevides que foi beneficiado com isenção de IPTU. De resto, quem impediu o PT de se defender? Esta senhora reclama do quê? De os adversários fazerem oposição ao PT!!! Ela acha isso muito feio e muito errado.

FOLHA - A sra. citou o impacto da crise de 2005. Mas, olhando o país, o PT foi quem mais cresceu na eleição.
Uau! Uma pergunta digna do nome!

BENEVIDES - Mas aí é importante ver que o PT de São Paulo não é e nunca foi o PT nacional.
Oba! Vamos ver qual é a diferença.

FOLHA - Qual é a diferença?
BENEVIDES - O PT nacional se beneficiou enormemente das políticas regionais e municipais no governo Lula. O PT no resto do Brasil está ligado a propostas e projetos locais, nos quais o conteúdo ideológico é muito pequeno, e a presença da classe média também. Essa classe média forte, organizada, com imprensa, universidades, pequenos e médios empresários, é imensamente mais forte aqui. Dificilmente existe, no resto do Brasil, essa rejeição forte e absoluta ao PT que existe em São Paulo.
Esta mulher é escandalosa! Está claro, a esta altura, que ela não gosta do resultado eleitoral de São Paulo ou da rejeição que o PT sofre aqui. Logo, ela prefere o contrário. Ela prefere o Brasil onde a classe média é fraca, desorganizada, sem imprensa, sem universidades, sem médios empresários. O bom Brasil, aquele onde viceja o PT, admite Dona Benevides, é o da ignorância, da pobreza, da mixuriquice, sem nem a imprensa para encher o saco. Dona Benevides está dizendo que gente mais esclarecida não suporta o PT. Eu acho que ela tem razão. Mas, se depender dela, tudo isso muda.

Inclusive porque São Paulo tem esses extremos: tem uma forte presença de pobres e miseráveis, mas tem a maior classe média, a maior concentração de riqueza, a maior concentração de universidades, intelectuais, empresários organizados, que atuam com muito mais força na opinião pública do que os partidos.
Sei, e o PT se mostra incompatível com as universidades, os intelectuais, os empresários organizados... Aliás, o fascismo também.

O PSDB e o PFL não são só partidos políticos: são partidos vinculados aos grupos de interesse de tudo o que é forte em São Paulo. Eles têm apoio majoritário na Fiesp, UDR, associações de empresários, instituições da sociedade civil. Basta ver que o PT sempre teve enorme dificuldade para ganhar na cidade. Ganhou com Erundina porque não tinha dois turnos, ganhou com Marta porque polarizou com Maluf.
Ué... Mas não eram partidos artificiais? Kassab não é só um boneco de Serra? Então as legendas existem? Será que é bom falar o que dá na telha? E o PT? Ele representa os interesses de quem? Terei de recontar aqui a história das empresas telefônicas no governo Lula para a gente saber quais os vínculos do partido de Maria Victoria com o empresariado? É bem possível que PSDB-DEM tenha mais relações institucionais com o empresariado do que o PT. O partido prefere relações clandestinas.

FOLHA - Ela teve inclusive o apoio do governador Covas e do PSDB.
BENEVIDES - O apoio do PSDB. E hoje o PSDB sabe que seu maior adversário é o PT. Por isso o PSDB não faria em São Paulo aliança com o PT, como foi tentado em Belo Horizonte.
Nossa! Estou chocado com a revelação. Quanto a Minas, mais vigarice intelectual! Deu-se lá a união de caciques — aquilo, sim, tem a cara de década de 50. Tanto é assim, que o PT mineiro rachou, e a turma de Patrus Ananias apoiou Leonardo Quintão.

FOLHA - É possível dizer então que o PSDB conseguiu se tornar o partido dessa classe média organizada?
BENEVIDES - Sim. O PSDB, aliás, é o partido que está no poder desde Franco Montoro, com um breve interregno. Está lá. E está fortemente instalado no governo Kassab. Por isso não dá para dizer que o kassabismo é a direita udenista. É direita, mas com muitas nuances. Direita udenista é o DNA dele: direita udenista que apoiou o golpe militar, que esteve com Maluf e Pitta. Mas a coalizão dele é muito mais ampla. Esse foi o grande trunfo dos tucanos. Como foi o grande trunfo do PT em outros Estados do Brasil.
Rá, rá, rá. Tanto volteio para chegar ao fim e desmentir a tese da própria entrevista. Sendo assim, Kassab não é, então, uma invenção, como ela disse. Maria Victoria, muito dialética, demonstra que Maria Victoria está errada. Sendo assim, então não se trata de repetição do passado, mas de uma construção presente. Quanto à ditadura militar, golpe etc... Ai, que preguiça! Se é para ser rigoroso, então o DNA da Dona Benevides é o dos assassinos da revolução francesa, do stalinismo, do maoísmo, do castrismo...

Ah, volta e meia, repito a máxima do poeta português Antero de Quental para um adversário de idade já avançada. Terei de fazê-lo de novo: Dona Maria Victoria Benevides, a senhora precisa de 50 anos a menos de idade ou de 50 a mais de reflexão.


Por Reinaldo Azevedo

Thursday, October 23, 2008

GREVE DA POLÍCIA: OS MITOS E A IMPRENSA - Blog do Reinaldo Azevedo - 23/10/08

As entidades de classe da Polícia Civil decidiram ontem pela continuidade da greve. Haverá hoje um protesto na Assembléia Legislativa. CUT, Força Sindical e PT tentam nacionalizar o movimento — a idéia não é parar a polícia em outros estados, mas criar a “solidariedade” com os policiais de São Paulo. Em suma, trata-se de um ato político, como política foi a manifestação delinqüente da semana passada. E, como já vimos, há na imprensa gente que decidiu pôr o fígado no lugar do cérebro e está, digamos, dando gás ao descalabro que é a greve de gente armada.

Há na Folha de hoje um artigo de Sidney Beraldo, secretário de Gestão Pública de São Paulo, sobre a Polícia Civil. Tem de levar setores da imprensa à reflexão. Ou o que ele diz abaixo é verdade, e a cobertura da greve tem sido, além de incompetente, também ela politizada, ou o secretário não está dizendo a verdade.

Se ele fala a verdade, então é preciso que muita gente volte a ler o Manual de Redação. E a razão é simples: há, abaixo, dados fundamentais que são ignorados pelos leitores porque não foram noticiados. Não há outro caminho: ou os números que seguem são desmontados, ou é preciso mudar o eixo da cobertura do caso. Vamos lá:

*
EM TORNO da greve na Polícia Civil de São Paulo, têm sido dadas como definitivas afirmações absolutamente equivocadas sobre as questões salariais do setor. Vamos a alguns dos mitos.

1) "Há 14 anos não se dá reajuste para a polícia paulista." Falso. Desde 1995, o menor salário dos delegados subiu 215% -ou 26% acima da inflação. No caso dos investigadores, o menor salário, no mesmo período, subiu 58% acima da inflação. Em dez anos, o total de salários pagos na segurança subiu 117%; o número de servidores cresceu menos de 13%. Os salários são altos? Não. Tudo o que o governo pode desejar é aumentá-los, em todas as áreas. Mas, para isso, depende da arrecadação.

2) "São Paulo paga o pior salário do Brasil para a Polícia Civil." Falso. Essa idéia partiu de reportagens que se referiram aos salários de início de carreira, R$ 3.708, pagos a apenas 15 delegados de um total de 3.500. No projeto de lei enviado na segunda-feira à Assembléia Legislativa, esse piso é aumentado para R$ 4.967, com 34% de reajuste. O projeto de lei ainda permitirá a promoção de 1.184 delegados e 16 mil policiais nas demais carreiras. O reajuste linear é de 6,5% no salário base (que inclui aposentados) em 2009 e o mesmo índice em 2010. Na média, um delegado paulista passará a ganhar R$ 8,1 mil em janeiro.

3) "São Paulo é o Estado mais rico do país e deveria pagar os maiores salários." É um argumento que satisfaz o bom senso, mas violenta os fatos. A receita tributária disponível para o governo do Estado, quando se leva em conta o número de habitantes, é a décima do país. Em São Paulo, o governo federal arrecada 42% dos seus tributos, mas não transfere quase nada de volta, enquanto os Estados menos desenvolvidos recebem transferências elevadas. E, apesar de possuir a décima receita tributária por habitante do país, São Paulo realiza a quarta maior despesa em segurança em relação à sua receita tributária!

Isso mostra o esforço que tem sido feito, aliás, bem recompensado: este é o Estado com a menor taxa de homicídios do país, com nível semelhante ao das nações desenvolvidas. Mais ainda. Nas comparações entre Estados, inclui-se Brasília, mas, ali, quem paga a polícia (e a educação, a saúde e a Justiça) é o governo federal, sem as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou o Paraná, onde não há vinculação entre os salários da Polícia Civil e da PM. Em São Paulo, essa vinculação existe, o que evita o descolamento dos salários e, portanto, as distorções.

4) "Os aposentados estão sem reajuste há três anos." De novo, falso. Este governo começou, no ano passado, a incorporar gratificações ao salário, beneficiando os aposentados, como foi o caso da gratificação por atividade policial -a primeira vez que isso ocorreu na história da Polícia Civil.
No novo projeto de lei, é previsto o acréscimo gradual aos proventos dos aposentados de metade do adicional local de exercício. Além disso, os policiais civis poderão obter aposentadoria especial, como tem a PM, e como reivindicam há tempos.

5) "O governo é intransigente, não negocia." Mais uma vez, falso. Desde fevereiro, temos participado de seguidas reuniões. Caminhou-se até o ponto em que, em setembro, já com uma greve anunciada pelos sindicatos, o TRT fez uma proposta de conciliação, sumariamente rejeitada. As reivindicações iniciais dos sindicatos implicavam um acréscimo de despesas de R$ 7,9 bilhões (duplicando a folha de salários da segurança), sem mencionar a eleição direta do delegado-geral. As reivindicações mais recentes implicam acréscimos de R$ 3 bilhões, também impossíveis de serem absorvidos. No ano que vem, deduzidas as despesas com salários, dívida com a União, vinculações obrigatórias, R$ 3 bilhões é o total disponível para os gastos de todos os órgãos dependentes do orçamento do Estado.
Considere-se, ainda, a imensa dificuldade de negociação por um motivo simples: são 18 as entidades da Polícia Civil, entre sindicatos e associações, com idéias muito diferentes sobre o que é o mais importante.

6) Há ainda um mito final, que é o do caráter exclusivamente salarial e profissional do movimento. Não duvidamos que essa fosse, e seja, a intenção da maioria. Mas o resultado foi outro, como a análise dos lamentáveis acontecimentos de quinta-feira passada demonstra. No momento em que o governo materializa o projeto, já anunciado antes, de valorização das carreiras de todas as polícias, que arriscam suas vidas para defender a vida das pessoas, não será melhor substituir o confronto que uns poucos desejam (a turma do quanto pior, melhor, que é pequena, mas barulhenta) pelo diálogo com todos?


Por Reinaldo Azevedo

QUEM REALMENTE É O SUPOSTO ESPECIALISTA DA SWAT - Blog do Reinaldo Azevedo - 22/10/08



O sujeito atarracado e evidentemente fora de forma que tem aparecido na TV como “instrutor da SWAT” para criticar a polícia brasileira quando os assuntos são técnicas de invasão e controle de situações como a do seqüestro de Santo André não tem credenciais para isso.

Marcos do Val é um instrutor de Artes Marciais, dono de uma empresa sediada na cidade de Serra, no Espírito Santo, que oferece cursos para policiais em todo o Brasil, com poucos clientes. Já foi recusado pelo GATE, a PM paulista que agora tanto critica. Sua especialidade, segundo o site de sua empresa, são as técnicas de imobilização. Por sua desenvoltura nos últimos dias, parece ser também especialista na arte do engodo e da autopromoção.

No site em que vende seus cursos, o capixaba se diz faixa preta em Aikidô e ex-instrutor da Academia de Polícia Civil daquele estado. Não conta de qual operação de resgate participou, nem qual grupo de operações especiais integrou. Sua sorte é que, nas muitas entrevistas que deu desde sexta-feira, nenhum repórter – aí incluída Ana Maria Braga –, lhe fez essa pergunta. A resposta está na cara (e no resto do corpo também, justiça seja feita): nunca participou de uma invasão, nunca negociou com seqüestradores, que dirá pular de rapel do teto de um conjunto habitacional para salvar duas adolescentes de um homem armado.

A farsa construída pelo sr. do Val se beneficia muito da crença equivocada que existe por aqui sobre o que é SWAT nos Estados Unidos. A cada três palavras que ele diz, uma é SWAT. É seu carimbo, sua credencial. Seu cartão de visitas, seu distintivo (está estampada na camiseta que usou em todas as entrevistas). Chega ao ponto de dizer que é, há nove anos, “policial da SWAT”. Mais uma vez, parece acometido de grave esquecimento, ou ignorância. A SWAT não existe. Vou repetir: a SWAT, assim, com artigo definido, não existe. Aos fatos: SWAT – sigla para Special Weapons And Tactics – é o nome convencional para grupos de operações especiais e de alto risco nas polícias americanas. Muitos nem têm esse nome. Ou seja, falar em “a SWAT dos Estados Unidos” é o mesmo que dizer “a PM do Brasil”. E “policial da SWAT” não existe.

O pior é que se trata de uma armação de baixa qualidade. Por exemplo: em seu site, Marcos do Val gaba-se de ter sido agraciado com o título de “membro honorário da SWAT". Aliás, “a primeira feita pela SWAT a cidadãos não-americanos”. Vejamos: a foto da placa, logo abaixo, informa: “honorary member of Beaumont Policia Department SWAT”. Entenderam? Foi a primeira vez na história que a SWAT de Beaumont, cidade texana de pouco mais de 100 mil habitantes, agraciou um não-americano com tão valiosa comenda.

Vocês nem precisam acreditar em mim. Ele mesmo se mostra aqui: www.cati.com.br


Por Reinaldo Azevedo

OS VIVOS NÃO MUDARÃO AS URNAS EM SP. ASSIM, HÁ GENTE APOSTANDO NOS MORTOS - Blog do Reinaldo Azevedo - 21/10/08

Elio Gaspari tenha as opiniões que quiser, assim como tenho as minhas. Na Folha de hoje, num texto de 2.691 toques, eles conseguiu juntar a manifestação de delinqüentes armados — aqueles que se fingiam de policiais civis — à tragédia de Santo André para atacar o governador José Serra — que, entende-se, seria o culpado último pela greve e pela morte de Eloá. Depois vou tentar saber se Gaspari culpou Lula, comandante-em-chefe das Forças Armadas, pelas mortes dos rapazes entregues a traficantes rivais por um soldado do Exército. Jornalistas são livres também para gostar e desgostar de políticos e entregar a eles ora o seu coração, ora o seu fígado, a depender de como administram seus amores e seus ódios, num ambiente propício a vaidades às vezes aduladas, às vezes feridas. Mais não escreverei a respeito, não neste texto ao menos. Vou dizer, agora sim, o que é insuportável no artigo de Elio Gaspari.

Ele perdeu a noção do legal e do ilegal e, na prática, adulou terroristas disfarçados de policiais e delinqüentes que estimularam o conflito armado. Não contente, investiu contra a disciplinada Polícia Militar, tachando-a de incapaz. Quem ler o artigo não encontrará uma só palavra de censura aos grevistas armados — nada. E ainda há um requinte. Diz ele: “Serra não deveria demonizar o PT e o deputado Paulinho da Força responsabilizando-os pela passeata que pretendia seguir até o Palácio dos Bandeirantes.” Não sei o que ele entende pelo verbo “demonizar”. O governador fez o óbvio. Paulinho da Força teve a idéia da manifestação e a organizou, conforme demonstrei neste blog, e dirigentes do PT e das centrais sindicais estavam lá, dando apoio ao conflito armado. Mais: foi o deputado quem estabeleceu a ligação entre a greve e as eleições.

Diz ainda: “Ademais, Paulinho já era o notório Paulinho quando apoiou a candidatura de Serra à Prefeitura de São Paulo, em 2004. Nessa transação, seu PDT ganhou a Secretaria do Trabalho.” Com a devida vênia, é embaixadinha para ganhar a adesão de néscios. Gaspari demoniza, ele sim, a política. Acordos partidários são parte do jogo, não “transação”. E, se jornalismo é precisão, à época, Paulinho ainda não era o Paulinho do BNDES. Mas digamos que fosse: o que isso tem a ver com os atos de delinqüência explícita protagonizados nas ruas de São Paulo, aqueles que Gaspari não condenou, preferindo atacar a PM?

Ontem, ninguém menos do que o ministro da Justiça, que fala pelo presidente da República, recebeu as lideranças que promoveram a baderna. Um coronel da PM foi ferido a bala. Gaspari deve ter achado o encontro regulamentar. Ora, depois de sair à rua de escopeta para reivindicar melhores salários, não lhes parece natural que essa gente tenha no ministro da Justiça um interlocutor? Falta que se acrescente gravidade ao caso. Os mesmos líderes que promoveram a arruaça da semana passada farão uma nova manifestação amanhã, embora o governo já tenha apresentado uma contraproposta.

A radicalização do movimento é turbinada, entre outras, pela falácia de que, em São Paulo, delegados ganham R$ 3.708 por mês. O salário médio é R$ 7.085,85 — antes da nova proposta feita pelo governo. Com ela, o piso chegará a R$ 5.203. Mas atenção: dos 3.500 delegados do estado, sabem quantos ganham o menor salário? Apenas 15! Sim, a greve, com o apoio do PT, de Paulinho, da CUT, da Forç Sindical e, por vias oblíquas, do governo federal e de stores da imprensa, é política.

É política, e a radicalização, conforme Paulinho recomendou numa manifestação (eu provei aqui) — o que Gaspari prefere ou finge ignorar —, acontece na boca da urna. Alguns “maganos”, para usar vocábulo da predileção do jornalista, estão doidos para fabricar alguns cadáveres três dias antes do pleito.

Não há pessoa viva que consiga mudar o que as urnas destinam para o PT em São Paulo. Assim, há gente tentando apelar aos mortos.


Por Reinaldo Azevedo

Tarso, o homem da “fricção federativa” - Blog do Reinaldo Azevedo - 21/10/08

Leia o que vai abaixo, na Folha Online. Volto depois:
O ministro Tarso Genro (Justiça) evitou nesta terça-feira entrar em choque com o governador José Serra (PSDB) ao receber representantes de entidades sindicais para falar sobre a greve da Polícia Civil de São Paulo.
Segundo o ministro, só haverá interferência nas negociações para acabar com a greve, que já dura um mês, se o governador pedir sua ajuda. Do contrário, o ministro disse que haveria uma "fricção federativa" envolvendo a União, os Estados e os municípios. "Só se o governo do Estado pedir a nossa opinião, se não, evidentemente esse contato nosso não seria bem recebido pelo governo do Estado", afirmou Tarso, depois de se reunir com os policiais civis e sindicalistas em Brasília.
Ao ser questionado sobre o confronto entre policiais civis e militares, ocorrido na última quinta-feira (16), no bairro do Morumbi, próximo ao Palácio dos Bandeirantes --sede do governo do Estado--, Tarso disse que o governo não pode se manifestar sobre conflitos específicos.
"A União fica vedada de manifestar uma opinião sobre o conflito coletivo específico dos servidores porque isso poderia implicar em uma certa fricção federativa que não é boa para o Estado nem para a União", afirmou ele.
Na reunião, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT-SP), colocou os restos de munições, que trouxe do conflito, em cima da mesa do ministro e pediu que ele examinasse o material.
"Os representantes sindicais alegaram que houve uso de munição real e bala de borracha e nós dissemos que essa é uma questão que tem de ser examinada, não é uma questão de ser debatida na esfera federal", disse o ministro.
Durante a reunião, Paulinho, e os presidentes da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Artur Henrique, e do Sindicato dos Investigadores dos Policiais Civis, João Batista Rebouças, pediram para que o ministro colaborasse com as negociações. Mas Tarso reafirmou que essa era uma questão local e que não poderia ter interferência federal.

Comento
Tai um assunto de que Tarso já demonstrou entender: fricção.

Ter recebido os ditos “sindicalistas” já é um abuso, um acinte. Deveria ser processado por crime de responsabilidade, sob a acusação de incitamento ao crime. Estes senhores que foram lá posar de cordeiros, incluindo o deputado Paulo Pereira da Silva, que pode ter o mandato cassado por conta de sua notória biografia, promoveram uma baderna armada nas ruas de São Pulo. Havia, sim, munição de verdade: dos grevistas.
Se era para dizer que nada pode fazer, Tarso recebeu a turma para quê? Para exercitar, uma vez mais, a sua retórica balofa. E, para uma vez mais, SILENCIAR DIANTE DO CRIME QUE FOI COMETIDO EM SÃO PAULO.

Tarso ajudar na segurança pública de São Paulo??? Só pode ser brincadeira, não? Por que ele não vai ajudar as 21 capitais brasileiras onde se mata mais do que na maior cidade do país? Por que ele não vai ajudar Recife, governada pelo PT, no Pernambuco do aliado Eduardo Campos, onde se mata, por cem mil habitantes, quase 10 vezes mais do que em São Paulo? Na verdade, por que Tarso não de cala?

Os petistas, claro, negam que estejam fazendo uso político da greve.

Tarso omite ainda em sua intervenção que o governo de São Paulo já fez uma contraproposta, que acabará elevando o menor salário pago a delegados de R$ 3.708 para R$ 5.203 em 2010 — 40,32% de reajuste. Mas atenção: só 0,4% — isto mesmo: menos de 0,5% — deles ganha o piso. Hoje, o salário médio da categoria é de R$ 7.085,85. Os dados são convenientemente omitidos. Estou tentando saber quantos delegados estão em que faixa de salário. A julgar pelo proselitismo que se faz, fica parecendo que todo delegado recebe, por mês, R$ 3.708. É mentira.

A nova proposta do governo prevê dois reajustes de 6,5% (em janeiro do próximo ano e em 2010), a promoção de 1.184 delegados e de 16.032 policiais civis e incorporação de gratificações. O custo total para o estado é de R$ 830 milhões — R$ 180 milhões a mais do que na proposta anterior.

A manutenção da greve é um acinte e evidencia, a cada dia, o seu caráter político.


Por Reinaldo Azevedo

A AÇÃO DO GATE E A FALÁCIA LÓGICA - Blog do Reinaldo Azevedo - 21/10/08

Publiquei ontem e reafirmo: em 10 anos, morreram apenas duas pessoas nas operações lideradas pelo GATE. Uma delas é Eloá. Neste ano, em 18 ações realizadas, 47 pessoas foram salvas. Em 12 delas, os que mantinham as vítimas em cárcere privado eram pessoas armadas e mentalmente perturbadas. Isso livra o GATE de qualquer crítica? Não! E acho, sim, que elas devem ser feitas. EU JAMAIS NEGUEI, DESDE O PRIMEIRO DIA, QUE TENHA HAVIDO ERROS NA OPERAÇÃO. A PRÓPRIA VEJA, CUMPRINDO O SEU PAPEL, OS APONTOU. O mais evidente, escrevo pela undécima vez, é a volta de jovem Nayara ao teatro de operações. Mas daí a esculhambar, como um bando de trapalhões, uma das unidades mais bem-treinadas do mundo, vai uma grande diferença. Daí a culpar a polícia pela morte da garota, como se tenta fazer, vai a distância que separa a razão da estupidez.

E o GATE não é competente porque eu quero. É porque os números indicam. Ou, então, que sejam contestados. Estou tentando saber quais são os das muitas unidades da SWAT. Serão equiparáveis aos do GATE? Quando e se souber, informo. De resto, um pouco mais de prudência com a polícia do estado que reduziu os homicídios em quase 70% ao longo de 12 anos. Se fosse obra do Espírito Santo, os outros estados teriam experimentado redução semelhante. Voltarei a este ponto. Agora vocês lerão uma breve narrativa. Ou três.

A PRIMEIRA NARRATIVA
Em 1995, dois assaltantes fizeram reféns 18 operários numa obra — a construção de uma mansão — no Morumbi. Era dia de pagamento. O GATE foi acionado. A negociação se prolongou. Dado o primeiro tiro por um dos bandidos, os policiais decidiram invadir a área. Resultado: quatro mortos — os dois bandidos e dois reféns. Sabem o que aconteceu com o comandante e todos os soldados da operação? Respondem até hoje por um processo sob a acusação de homicídio doloso — para ser preciso: homicídio doloso de quatro pessoas. Treze anos depois, eles ainda não se livraram. O comandante era conhecido na tropa. Liderara antes o cerco a uma rebelião num presídio de Hortolândia. Levou um tiro na boca. Ferido, chamou o imediato, o que está documentado, e determinou: “Não deixe o pessoal perder o controle”. O episódio do Morumbi, infelizmente, restou como um exemplo — um mau exemplo — para os homens que atuam na linha de frente do GATE. Já chegou lá.

A SEGUNDA NARRATIVA, QUE EMBUTE UMA TERCEIRA
Vocês se lembram da morte da vítima Geisa Firmo e de Sandro do Nascimento, que a tinha como refém, no famoso episódio do ônibus 174, no Rio? Ocorreu no dia 12 de junho de 2000. Virou filme — daqueles em que a polícia sai como vilã. Ao cobrir o caso, a rádio CBN e a Folha Online resolveram lembrar um outro episódio, em São Paulo. Segue o relato:

Pedro Caringi afirmou, na manhã desta terça-feira (13), durante uma entrevista à Rádio CBN, que a morte da refém Geisa Firmo Gonçalves, 20, e do assaltante, Sandro do Nascimento, 22, na ação de segunda-feira, no Rio de Janeiro, demonstra o despreparo da polícia para situações como esta. Caringi já sentiu na pele o peso de uma ação semelhante. Sua filha, a professora de Educação Física Adriana Caringi, 23, foi morta por um tiro disparado por um policial de elite quando era mantida como refém por um assaltante. O caso aconteceu no dia 20 de março de 1990. A casa onde a professora morava, na rua Tucuruna, 1187, Vila Pompéia, zona oeste de São Paulo, foi invadida por uma dupla de assaltantes.
Adriana foi usada como escudo pelo assaltante Gilberto Palhares. Os dois estavam numa janela no andar superior do sobrado. O cabo Marcos Antônio Furlan disparou um tiro de fuzil. Um único tiro disparado pelo PM, segundo a perícia, atingiu tanto a cabeça do assaltante como a professora. O Governo do Estado de São Paulo foi condenado a indenizar a família pela morte de Adriana. O juiz Pedro Aurélio Pires Maringolo afirmou em sua sentença que o disparo que vitimou a professora foi precipitado, inconseqüente e irresponsável. Furlan foi condenado em 1ª instância, sendo depois absolvido. Ele era integrante do Gate (Grupo de Ações Tática Especiais) desde a criação do grupo, um ano antes.

VOLTEI
Eu realmente fico muito impressionado com a certeza com que “especialistas” — e, claro, alguns leitores — afirmam interrogando: “Por que a Polícia não atirou!?” Ouvimos agora os diálogos do tal Lindemberg com os negociadores e, é óbvio, eles nos enchem de raiva. Lembramo-nos que, vá lá, ele saiu ileso e que Eloá está morta. Mesmo assim, é evidente que não se trata de um bandido profissional. Está, sim, mentalmente perturbado e, vê-se, disposto a tudo. Penso na reação dos chamados formadores de opinião se esse rapaz tivesse levado um tiro na testa. Os seus diálogos assumiriam o peso de um simbolismo: tinha ficha limpa, trabalhava e falava como um jovem pobre qualquer da periferia. A luta de classes, no Brasil, é o principal refúgio da canalhice intelectual.

Mas atenção! Assim seria, com uma espécie de massacre apenas moral da polícia, na hipótese de o tiro ser bem-sucedido e acertar Lindemberg. E no caso de erro? Um brasileiro que apareceu no Fantástico, instrutor da SWAT, afirma que havia alvo para tanto. O GATE, que estava no local, sustenta que não — o que foi endossado pelo coronel José Vicente da Silva, um especialista em segurança, que não costuma se pautar por juízos corporativistas.

Não, engana-se quem achar que vou sair aqui acusando, como é mesmo?, a turma dos “direituzumanos”. Não vou. Mas considerem: é inegável que o lugar de um comandante de uma unidade especializada da Polícia Militar, em situações de extrema tensão como a que ocorreu em Santo André, é um dos piores em que se pode estar. Um tiro significa um processo. Criou-se uma espécie de metafísica em que a policia, obrigada a operar com 100% de eficiência, está sempre, e por princípio, errada.

Vejo os “especialistas” a analisar imagens em computador. O tal instrutor da SWAT, por exemplo, que disse ter "vergonha" (???) do GATE, informou ao Fantástico como faria. Homens estariam pendurados, presos ao teto do edifício. Tão logo Eloá e Lindemberg aparecessem na janela, dois a agarrariam e um terceiro daria um tiro no rapaz. Os russos, claro, fariam tudo conforme o roteiro que ele estabeleceu. Excelente! Seria preciso combinar com as câmeras de TV — com megafone talvez... — para que mostrassem, sei lá, a aprazível topografia da periferia de Santo André enquanto o seqüestrador seria atraído para a janela para ser surpreendido pelos homens-aranha. Ou Lindemberg os veria na televisão, não é?, dada a transmissão ao vivo.

“Então você nega que o GATE tenha cometido erros, Reinaldo?” Assim é se lhes parece. Não nego. Apenas digo que as coisas parecem ser um tanto mais complexas e que uma tropa com tal experiência e com tal performance merece um tratamento um pouco acima da linha da imbecilidade que se lhe tenta atribuir.

E, claro, deixo aqui um questionamento incômodo: até que ponto as unidades especiais da polícia de São Paulo — ou de qualquer lugar do Brasil — não estão indo com medo para o teatro de operações, sabendo que a sua atuação é só a prévia de um julgamento em que, de saída, já estão condenadas? Não sou especialista em tiro — os há dizendo que havia condições para o disparo e também o contrário. Mas sei que, nos ombros, ou no dedo, do soldado vai uma responsabilidade que pode liquidar a sua carreira e, em alguns casos, a sua honra. O que vocês acham que sentiu e sente o soldado que matou Adriana Caringi?

É PRECISO DEFINIR
Sim, como sociedade, precisamos definir quais são os nossos heróis e quais são os nossos bandidos. É evidente que não se deve dar um cheque em branco à Polícia — a rigor, não se deve dá-lo a ninguém. Toda vigilância se faz necessária. Há um histórico de abusos, praticados por maus policiais, que não é pequeno. Mas também cumpre distinguir e separar o que é joio e o que é trigo.

Não há qualquer evidência ou liame lógico que nos digam que, não tivesse havido nenhuma falha, Eloá estaria viva. O estado de Lindemberg e seu comportamento dentro da casa não autorizam que se diga isso. Tal hipótese é mais uma indução ditada por certa predisposição contra a polícia do que dedução a partir dos fatos. Ouçam as gravações. Ele pedia a invasão porque buscava um pretexto para matar. A polícia diz que só agiu depois de ter ouvido um tiro.

Aí diz o tal rapaz da SWAT que suas operações não duram mais de 24 horas. Parece não ser bem assim, mas digamos que seja. Reconhecem-se por lá a autoridade do negociador e a expertise do policial que está em campo. Confia-se em seu julgamento. E os danos colaterais eventualmente havidos, incluindo a morte de reféns, são considerados desdobramentos infelizes da intervenção certa. Não é assim por aqui. Os casos aqui lembrados deixam claro que não.

Concluindo
Ademais, cuidado com a falácia lógica, para a qual a Escolástica já nos advertia, que consiste no seguinte raciocínio: “Post hoc, ergo propter hoc”, ou seja: “Depois disso; logo, por causa disso”. A polícia cometeu erros; logo, Eloá morreu em razão deles.

Eu, que vou dormir sempre de manhã, sei quando está amanhecendo, mesmo que pouco atento ao relógio, porque os passarinhos começam a cantar, os chatinhos. Um pouco depois, lá vem o raiar do dia. É sempre assim. Faz tempo. Desde quando existem esses bichinhos enervantes. Se eu matasse todos eles, nem por isso a luz do dia seria adiada. Sim, ela vem depois do canto. É fatal. Mas também viria sem ele num mundo mais justo — que é aquele sem passarinhos para perturbar os insones...

“Ah, então deixa tudo como está, Reinaldo!” Não, senhores! Que se corrijam os erros do GATE para que, nos próximos dez anos, em vez de apenas dois, não morra um só refém. Mas não é certo, nem justo, sapatear sobre a reputação de uma polícia que é, sim, eficiente. Precisamos aprender a repudiar os nossos bandidos.


Por Reinaldo Azevedo

AGORA A POLÍCIA CIVIL, O BAGUNCISMO DE TARSO E A FALÁCIA DO "SALÁRIO JUSTO" - Blog do Reinaldo Azevedo - 21/10/08

O ministro da Justiça, Tarso Genro, deve se reunir hoje com lideranças de entidades sindicais dos policiais civis que, na semana passada, promoveram nada menos do que uma manifestação armada em São Paulo. Um coronel da PM levou um tiro de bala de verdade, daquelas que matam. A intenção era invadir o Palácio dos Bandeirantes. A idéia da manifestação foi do “companheiro” Paulo Pereira da Silva, deputado federal (PDT-SP) ameaçado de cassação, com o apoio da Força Sindical, CUT e lideranças petistas. Lula disse que atribuir a esses valentes a baderna é uma “heresia”.

Pois bem. O herético Tarso vai se encontrar com os patriotas que decidiram, na prática, unir-se aos bandidos contra a população. É uma acinte. Merece ser processado por crime de responsabilidade. Não é por acaso que, sob o seu comando, temos a Polícia Federal mais politizada da história — e, por “politizada”, quero dizer “balcanizada”, separada em grupos. Os petistas, como sabemos, promoveram proselitismo na PF e na Abin, daí que ambas tenham saído do controle.

Encontrar as lideranças quando o governador de estado impôs como condição o fim da greve para negociar é um disparate político e legal — ou Tarso me prove que ele segue a lei quando acolhe gente que leva armas em manifestação de protesto e abusa da infra-estrutura da Polícia para promover baderna na rua e entrar em confronto com a polícia que estava lá defendendo a Constituição: a Militar. É claro que está agindo em nome de Lula, de olho em 2010. Assim, vejam que ironia: tenta-se caracterizar um situação de crise da segurança pública no estado que tem um dos melhores desempenhos do país nessa área. A cidade de São Paulo está em 22º lugar no ranking das capitais que mais matam no país. Estados administrados por aliados de Lula lideram a lista. Por lá, ele nem vai nem manda fazer bagunça. Sim, o que Genro está fazendo em São Paulo é promover a bagunça.

No dia da luta campal dos arruaceiros, Tarso preferiu, por vias oblíquas, censurar o governador José Serra. Não houve uma só palavra de crítica aos que protagonizaram a baderna. Os petistas estão dizendo o que vem por aí... Imaginem 2010!

Os policiais e os "salários justos"
E continuam a chegar os protestos de gente que se diz policial civil — deve haver muito petralha se fazendo passar por investigador — me indagando se acho justo que se ganhem este ou aquele salários. Alguém já me viu aqui a dizer que a remuneração é um espetáculo ou que é indigno reivindicar ganhos maiores? Não! Porque nunca escrevi isso. O que escrevi, reitero e sustento é que greve de polícia é inadmissível. E lembro aos tontos-maCUTs de sempre: quando policiais federais cruzaram os braços, no governo Lula, censurei também. Quando a PM de Minas parou, no primeiro governo Aécio, aplaudi o governador por ter chamado o Exército. Está em artigo publicado na imprensa mineira. Sou contra greve de servidor público, de qualquer um, imaginem, então, de gente armada — que, na prática, pede a solidariedade dos bandidos. Afinal, esta é a razão de ser de sua chantagem: “Dêem-nos o que estamos pedindo, ou o cidadão comum ficará à mercê dos bandidos”. Tentem provar que estou errado. Não julgo intenções, mas conseqüências.

Os policias têm de tentar ganhar mais e fazem muito bem em lutar por isso. Mas de que forma? Eis a questão. Não me venham chamar de razoável uma greve que, para arremate dos males, se faz de arma na mão. E também recomendo um pouco de prudência na argumentação. Sei que muitos se irritam com o que vai adiante, mas espero estar lidando com pessoas autônomas: se o sujeito acha que ganhar X ou Y por mês como policial é inaceitável e que não há boa perspectiva de melhora, qual é a boa resposta? Sair da Polícia. Se quer ganhar R$ 18 mil por mês, tem de escolher outro caminho. Como policial, não será. Eu sei, por exemplo, que jornalistas não podem ter helicópteros — a menos que a riqueza familiar lhes possa proporcionar tal mimo.

“Ah, a gente fala em ganhar um pouco mais, e esse idiota vem com helicópteros”. Estou evidenciando, por meio de um exemplo extremo, que há coisas que certas escolhas profissionais — E TODOS ESCOLHERAM — jamais darão. Isso vale pra mim, pro padeiro e pro policial civil. Salário não é questão de justiça em nenhum lugar do mundo, mas de possibilidades. É possível? A reivindicação dos policiais civis, de mais de 40% de reajuste, é impossível. Ponto. Equiparar o salário de delegados ao de promotores também é impossível. Ponto. E a razão é óbvia: não há bufunfa para tanto. Então acabou a conversa? Não. Pode ser o princípio para uma boa negociação — mas com os profissionais cumprindo a função que prometeram cumprir: e prometeram não ao governador, mas aos paulistas.

Até parece que escrevi aqui, alguma vez, que policial ganha demais. Não ganha. Certamente é menos do que merece — e ainda não vi trabalhador sobre a face da terra que não pense o mesmo do próprio salário. Posso achar juto que a VEJA decuplique o meu. Mas será que ela acha? E se eu impuser isso como condição? Bem, nunca tentei, mas imagino, hehe...

Se pudesse recomendar alguma coisa à Polícia Civil, diria que pauta e métodos precisam ser repensados. Por mim, todos os profissionais do mundo trabalhariam felizes, com salário, como é mesmo?, “justos”. Mas é preciso ser realista. Conversar com um ministro de estado depois daquela bandalheira pode parecer manifestação de realismo. Mas é só Tarso Genro. Sob certo ponto de vista, ele é puro surrealismo.


Por Reinaldo Azevedo

Governo federal incita a baderna em São Paulo - Blog do Reinaldo Azevedo - 20/10/08

Leiam o que vai abaixo. Volto depois:
Por Ana Luísa Westphalen, da Agência Estado
Entidades sindicais que representam os policiais civis do Estado de São Paulo se reúnem na terça-feira, 21, com o ministro da Justiça, Tarso Genro, para discutir sobre a greve da Polícia Civil. O encontro está marcado para as 11h30, no Ministério da Justiça, em Brasília. A informação foi divulgada pelo presidente da Força Sindical, o deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho e pelo secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna.
A categoria negocia há seis meses com o governo estadual, e pede reajuste salarial de 15% para este ano, 12% de correção em 2009 e outros 12% em 2010. O governo do Estado propôs um reajuste único de 6,2%.
Policiais civis devem fazer uma nova manifestação na quinta-feira, 23, em todo o Estado de São Paulo. A data do novo protesto foi decidida durante uma reunião na manhã desta segunda-feira, 20, entre entidades da Polícia Civil de São Paulo. Os policiais civis estão em greve desde o dia 16 de setembro e as negociações com o governo do Estado estão paralisadas desde a última quinta-feira, 16, quando policiais civis e militares se enfrentaram nas proximidades do Palácio dos Bandeirantes.
Os representantes dos sindicatos da categoria voltam a se reunir no próximo dia 27, às 10h30, na Associação dos Investigadores para discutir o rumo da greve. "Esperamos que alguém do governo nos chame em busca de uma possibilidade de uma proposta decente", comenta Leal, "estamos dispostos a negociar", finaliza.
Na semana passada, a intenção dos policiais civis de ir até ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, para forçar a retomada de negociações com o governo, terminou em confronto com policiais militares. Pelo menos 23 pessoas ficaram feridas no confronto.

Comento
Atenção! Essas lideranças que serão recebidas pelo ministro Tarso Genro promoveram, na semana passada, uma manifestação de policiais e sindicalistas que compareceram armados ao ato. Um deles disparou contra um policial, ferido durante a baderna. Não foi um confronto entre polícias. Qual seria a reação de Genro se homens da Polícia Federal fizessem o mesmo? E o governo de São Paulo impõe uma única condição para negociar: o fim da greve, o que é muito razoável em se tratando de servidores armados. O mediador do encontro não poderia ser melhor: Paulo Pereira da Silva, cabo eleitoral de Marta Suplicy e deputado ameaçado de cassação.

No fim de semana, Lula disse que o governador José Serra cometeu uma heresia ao acusar a politização da greve e a influência do PT, da Força Sindical e da CUT. Os eventos em curso o provam. Inicialmente, o próprio Lula se viu tentado a falar com os policiais. Consideraram que aí já seria demais. Então vai o inefável Tarso Genro — sim, o ministro de mão cheia. Dá no mesmo. Ministros falam pelo presidente.

É o governo federal incentivando a baderna em São Paulo. Vocês vão ver: Tarso vai querer se oferecer como “mediador”, achando que isso não tem nada demais, como se falássemos de um confronto entre duas forças legítimas: de um lado, o governo estadual; de outro, homens armados promovendo arruaça. Eis os petistas. Se bem se lembram, o Brasil já se ofereceu como mediador até entre os narcoterroristas das Farc e o governo democrático da Colômbia. Para esses valentes, são dois lados legítimos de um confronto.

Lula já deu início à batalha de 2010. E ela comporta a arruaça armada.


Por Reinaldo Azevedo

A IMPRENSA TEM O DEVER DE NOTICIAR O DESEMPENHO DO GATE. E ELE ESTÁ AQUI - Blog do Reinaldo Azevedo - 20/10/08

Olhem aqui, eu estou entre aqueles que acreditam que o GATE também cometeu erros na operação que resultou na morte da garota Eloá: o mais óbvio, parece-me, foi ter, quando menos, criado as condições para que a outra garota, Nayara, voltasse à cena do cativeiro. Ainda que a equipe tenha considerado que ela era uma interlocutora útil, os devidos cuidados deveriam ter sido tomados para que não voltasse ao cativeiro. De todo modo, esse episódio não teve influência no desfecho trágico, convenha-se. Sim, que se apontem os erros. Mas tratar o GATE, agora, como um bando de trapalhões e incompetentes é injusto e, lamento dizer, só reforça a boca torta pelo uso do cachimbo. A imprensa não gosta da Polícia — isso é histórico. A simpatia pode crescer um pouco quando ela se armam e se junta a sindicalistas para fazer baderna, “companheiro”... Será mesmo o GATE tão incompetente? Em quantos casos de seqüestros dessa natureza a equipe já se envolveu? Qual é o seu saldo? É positivo? É negativo? Quais são os números? Pois eu tentei saber.

Sabem quantos foram os reféns mortos em operações mediadas pelo GATE de 1998 até hoje? APENAS DOIS! Em 2006, um marceneiro prendeu em sua loja a amante e a mulher. Acabou libertando a segunda, matou a primeira e se suicidou. Antes que a polícia pudesse fazer qualquer coisa. E temos, agora, o caso Eloá.

Só neste ano, o GATE atendeu 18 ocorrências — em 12 delas, os seqüestradores eram pessoas emocionalmente perturbadas; os demais eram criminosos comuns. Vinte e cinco seqüestradores foram presos (incluindo Lindemberg), e dois se suicidaram. NADA MENOS DE 47 REFÉNS FORAM LIBERADOS ILESOS SÓ NESTE ANO.

Numa entrevista ao Fantástico ontem, um brasileiro apresentado como instrutor de uma unidade da SWAT, apontou os muitos erros do GATE e chegou a dizer que “sente vergonha” dessa polícia. E indicou ali, depois do fato, claro, o que considerava os muitos procedimentos que deveriam ter sido adotados.

Não, não temos que endossar ou desculpar os eventuais erros do GATE. É preciso apontá-los — até para que sejam corrigidos, tomando o cuidado para não confundir filmes sobre a SWAT com operações da SWAT real. Será mesmo que os índices das unidades da polícia americana são superiores aos do GATE? Aposto que não.

Corrijam-se os erros. Mas, como brasileiro e paulista, eu tenho ORGULHO do desempenho do GATE nos últimos 10 anos, e não vergonha.

PASSE ADIANTE ESTE POST E INDAGUE SE ESSES NÚMEROS PODEM SER CONTESTADOS.


Por Reinaldo Azevedo

Um comentário de Roberto Freire e uma resposta - Blog do Reinaldo Azevedo - 20/10/08

Recebi um comentário assinado por “Roberto Freire”, que, acredito, seja mesmo o presidente nacional do PPS, um partido valente, que, apesar de pequeno, tem a coragem e a decência de fazer oposição a Lula. Não, fazer oposição a Lula não torna ninguém, por si, decente. Mas é sinal de que a legenda não conta com prebendas oficiais para crescer. Acho isso positivo.

Tenho respeito por Freire. E muitas divergências também. Notem que escrevi um “e”, não um “mas”. Respeito e divergência não precisam ser coisas antitéticas. Podem ser coordenadas por um conectivo, como o “e”. Seguem o seu comentário e a minha resposta. Não sendo o Freire político, que sei leitor deste blog, a resposta continua válida.

Prezado Reinaldo,
O seu radical antiesquerdismo o leva a cometer graves erros históricos. A esquerda já chegou ao poder centenas ou milhares de vezes pelo mundo afora, e, se você tiver o cuidado de observar, não houve, na grande maioria dos casos, qualquer limitação à imprensa e às liberdades.
Um único exemplo pode lhe trazer a realidade: veja o mapa político da Europa Ocidental em qualquer momento da história desde quando, a partir do século XVIII, se inventou o referencial “esquerda x direita” para designar os movimentos e partidos políticos. Lá se verão governos de esquerda convivendo com a plena liberdade. abraços
Roberto Freire
Publicar Recusar (Anônimo) 14:58


Caro Roberto Freire,
Começo apontando o acerto do início da sua abordagem. Como efeito, meu “antiesquerdismo” é radical, porquanto vá mesmo à raiz da questão, que — e o senhor o aponta também com propriedade — remete ao século 18, ao período, sabemos todos, da Revolução Francesa. O que restou, daquele tempo, como patrimônio incorporado às conquistas democráticas pertence à pauta da então “direita" da Assembléia. Aquela esquerda nos deu as práticas que resultaram no Terror e na guilhotina tomada como o último argumento do vencedor. De fato, as origens já diziam bem o que viria depois. Não por acaso, Karl Marx tinha grande apreço pelos jacobinos. Afinal, ele também entendia que não se podia construir o “homem novo” sem alguns assassinatos, não é?

Há uma certa confusão, é provável, entre as “esquerdas” de que estamos falando. Entendo que o senhor esteja se referindo aos muitos partidos social-democratas que acabaram se dizendo “socialistas” — aqueles ligados à Segunda Internacional, que jamais buscaram, de modo radical, a ruptura com o capitalismo. Não que o ideário desses partidos me agrade. Mais: os que tentaram ir mais longe na execução do programa partidário, como o primeiro governo Mitterrand, tiveram de recuar, a exemplo do segundo governo Mitterrand. Ademais, é preciso deixar claro que os ditos partidos “socialistas” (na verdade, social-democratas) fizeram governos plenamente identificados com a economia de mercado — e um caso óbvio é o Partido Socialista Operário Espanhol. Convenha, Freire: nem socialista nem operário.

Minha crítica, assim, tem como alvo o socialismo que mais própria e indignamente merece esse título e seus sucedâneos contemporâneos, especialmente na América Latina, onde acabaram se juntando com correntes do nacionalismo mais primitivo e bocó. Temos exemplos flagrantes hoje na América Latina: Venezuela, Equador, Bolívia e, sim, por incrível que pareça, também o Brasil. Por aqui, o PT vai até onde a institucionalidade agüenta, mas é fato que o partido sempre tenta forçar os limites. E, sim, esse partido convive mal com a liberdade de imprensa.

Deixo meu abraço a Roberto Freire, sendo ou não esse que me escreve o presidente do PPS.


Por Reinaldo Azevedo

O NOME DO CRIMINOSO - Blog do Reinaldo Azevedo - 20/10/08

Tudo indica que a polícia diz a verdade quando afirma que invadiu o apartamento em que o tal Lindembergue Alves mantinha reféns Eloá, a ex-namorada, e Naiara, sua amiga, depois de ouvir o primeiro tiro — justamente o disparado contra a cabeça da primeira garota, provavelmente à queima-roupa. Muito bem. Sugiro que façam agora uma espécie de média de tudo o que tem sido noticiado.

Uma linha de acusação contra a polícia: demorou demais; deveria ter invadido antes. Outra linha: foi precipitada e atabalhoada ao invadir — nessa hipótese, sem qualquer evidência em contrário, duvida-se da versão dos policiais de que a invasão foi determinada pelo primeiro disparo. Houve erro? Parece que sim: a volta de Naiara ao cativeiro jamais deveria ter acontecido. A Polícia sustenta que ela recebeu autorização para se aproximar e manter uma conversa com o Lindembergue e Eloá, não para voltar ao apartamento. Minimiza, mas não desculpa. Convenham: ela já não tinha mais nada a fazer por ali. De toda sorte, ela está fora de perigo. O quadro de Eloá, segundo os médicos, é de morte cerebral. E é este suposto “erro” o que mais mobiliza os críticos — e tanto pior será quando ela for declarada morta.

O rapaz, que saiu ileso das coisas miseráveis todas que fez, é preservado também no noticiário, e sua versão está circulando nos jornais — só teria atirado depois da invasão. A ela, nota-se, dá-se uma credibilidade superior à versão da polícia. O Brasil é assim: ama os seus bandidos, os seus algozes. A imprensa, em particular, tem uma espécie de tara para santificar o crime e os criminosos.

A polícia poderia ter matado Lindembergue nas vezes em que apareceu à janela? Talvez. E não estaria sendo agora menos atacada se o tivesse feito. Mais um filme estaria em curso, é provável, com patrocínio das estatais, poetizando a bandidagem e fazendo sociologia barata sobre as origens econômicas da violência etc e tal... Já conhecemos isso tudo, não é mesmo?

Seria prudente esperar a divulgação das gravações para saber por que se esperou tanto, com a invasão do apartamento sendo decidida só depois de ouvido o primeiro tiro. Acho que a sociedade paulista deve isso ao GATE em razão de seu histórico de eficiência em operações delicadas — um dos mais altos do mundo. Que Lindembergue estivesse disposto a tudo, já sabemos; isso, nós vimos. Hipóteses mirabolantes surgem: “Por que não se pôs sonífero na comida?” Porque, em qualquer filme B, até em comerciais de televisão, há a dica óbvia: ele poderia forçar as meninas a comer primeiro e... Tinha-se, parece, o perfil de alguém disposto a tudo.

Desfechos em casos assim não costumam ser felizes em nenhum lugar do mundo, lembrou Rodrigo Pimentel, ex-comandante do BOPE, no Rio, outra unidade de elite conhecida por sua eficiência. A algaravia circense que se montou no prédio nos longos cinco dias de seqüestro — e parece que os leitores entendem que a imprensa deve rever seus procedimentos em casos assim (ver texto de ontem, com mais de 200 comentários) — faz-se agora no terreno das especulações. E a polícia foi eleita a vilã — como de hábito no país.

Segundo os médicos, infelizmente, não há mais esperanças para Eloá. O nome do criminoso é Lindembergue Alves, não o GATE.


Por Reinaldo Azevedo

Wednesday, October 15, 2008

O PT OPTA PELO TERRORISMO ELEITORAL. É UM ENSAIO PARA 2010 - Blog do Reinaldo Azevedo - 15/10/08

Leiam o texto até o fim. Vou parar lá em 2010...

Mesmo algumas pessoas não-identificadas com o petismo me perguntam às vezes se, como é mesmo?, não pego “um pouco pesado” com o PT. Não! Nunca! A minha tese é que você jamais será severo demais com o partido. A única chance de ser injusto é supor que os petistas acatam, como acatamos nós, os liberais, os valores da democracia. Seria uma mentira estúpida. Por isso mesmo, a primeira frase do livro O País dos Petralhas é esta: “Tudo o que é bom para o PT é ruim para o Brasil”. E explico as razões da afirmação no artigo que a contém. Perguntou-me outro dia um repórter: “Mas o petróleo do pré-sal não é bom para o PT e para o Brasil?” Não! O petróleo do pré-sal é bom para o Brasil. Bom para o PT é manipular politicamente o petróleo que está enterrado lá, como se fosse uma conquista partidária, de Lula. Assim, a mentira a respeito dó óleo é boa para o PT — e, sendo boa para o PT, é ruim para o Brasil.

Não creio, como sabem e deixo evidenciado sempre neste blog, como está no livro, que o petismo tenha aderido pra valer aos valores democráticos. Sua adesão é apenas tática. Se pudessem, dariam um golpe. Não podendo, tentam enrijecer a democracia, torná-la mais discricionária, subordiná-la às necessidades do próprio partido. Alguns lembram que Lula, na campanha eleitoral de 2002 e na campanha (re)eleitoral de 2006, for bastante “soft”. Ora... Nas duas, esteve o tempo todo na liderança. Na primeira, tinha de falar manso para não assustar; tinha de negar a sua própria trajetória. Na segunda, precisava caracterizar-se como aquele que estava sendo perseguido por uma oposição implacável, o que era falso. Mas nós vimos o que aconteceu quando ficou claro que haveria segundo turno. A civilidade foi para o brejo, e o PT lançou a campanha mentirosa, asquerosa, falsa, pilantra, segundo a qual Geraldo Alckmin, se vitorioso, iria privatizar o Banco do Brasil e a Petrobras. E os tucanos não souberam sair da armadilha.

O que ficava evidente ali? Que o partido tem uma ética elástica o bastante — na verdade, nesse terreno, não tem limites — para acatar qualquer tipo de campanha. Se preciso, o petismo recorre a fatos que estão fora da alçada da política e os “politiza”, lançando mão, como se vê em São Paulo, de hordas de militantes e cabos eleitorais pagos para a prática do terrorismo eleitoral.

Derrubar Lula e partos de mulheres negras
Um dos panfletos que os petistas distribuem cidade afora afirma, imaginem só, que o prefeito Gilberto Kassab quer “derrubar” o presidente Lula — quando, de fato, o prefeito exalta a parceria entre os dois. Indagada a respeito, como reagiu Marta? “Deus me livre! Eu não sabia disso”. E, como de hábito, disse não ter nada a ver com a safadeza.

Outro folheto cita supostos dados da ONG Nossa São Paulo — que vocês conhecem bem — para sustentar que caiu o número de partos de mulheres negras nas unidades de saúde da Prefeitura. Alguém, em sã consciência, supõe que a Prefeitura possa ter tomado medidas — quais seriam elas? — para esse tipo de discriminação? O que é de causar engulhos é que esta ONG, chamada de "independente" pela imprensa, é, na verdade, uma braço do próprio PT. O manda-chuva de lá é Oded Grajew, ex-assessor especial de Lula e ex-dono de uma fábrica de brinquedos. Agora ele brinca de fabricar factóides.

O mais famoso e estúpido deles, já denunciado aqui, sustenta que a gestão Kassab investe mais em bairros ricos do que na periferia. Pois bem: afirmo aqui com todas as letras, e vamos ver se Oded vai me processar: a ONG PETISTA ESTÁ MENTINDO. Os números têm como base apenas a verba da Secretaria de Subprefeituras, que corresponde a menos de 4% do Orçamento. Considerados os outros 96%, o investimento na periferia é muito maior. Relato essa história em detalhes aqui. Também essa mentira da turma de Oded foi parar no programa eleitoral de Marta. A ONG “Nossa São Paulo”, com efeito, é uma São Paulo “deles”.

Quem faz isso faz mais o quê?
O “marqueteiro” genial que bolou a estratégia da dita libertária Marta Suplicy — se o Conselho Regional de Psicologia tiver vergonha na cara impõe a esta senhora, quando menos, uma reprimenda pública — queria que acontecesse com o adversário Gilberto Kassab o que aconteceu na sabatina da Folha. Fizeram-lhe a pergunta até certo ponto fatal, dado o conjunto da obra: “O Sr. é homossexual?” Ele respondeu que não. A aposta do petismo é que tanto a pergunta como a resposta integrem o arsenal de desgaste de Kassab — e não custa lembrar que Marta usou os homossexuais como massa de manobra na sua carreira política. É evidente que as perguntas levadas ao ar — se é casado e tem filhos — buscaram criar uma sombra de suspeição sobre a sua vida privada. A canalhice continua, diga-se: “O que mais ele esconde?”.

Temas como esse não podem nunca comparecer ao debate político? Podem, claro. Fosse Kassab um homossexual e fosse conhecido por, vá lá, sua homofobia, a questão pública tornaria certamente relevante a questão privada, e isso seria, sim, matéria de política. Mas o que PT faz é tão-somente lançar a suspeição sobre alguém que a cidade inteira sabe ser solteiro e sem filhos. Não há, na atuação pública do prefeito, a sombra da intolerância com qualquer das chamadas “minorias”. A pergunta busca gerar a pecha, o preconceito, a onda de ignorância e obscurantismo que, na cabeça dos petistas, teria poder para tirar de Kassab uma eleição certa. E há vagabundos que pensam: "É o preço a pagar para termos um resultado progressista".

Eis então o PT? quando o partido está na frente, como estava nas duas eleições de Lula e no início da campanha de Marta, há até a chance de se fazer uma campanha civilizada. Mas basta que se anuncie o contratempo (como o segundo turno de 2006) ou a evidência da derrota, como neste 2008, e eles abolem a vida privada, o discurso da tolerância e, antes de tudo, qualquer compromisso com a verdade. Oh, claro, o PT tentou ganhar honestamente. Não deu. Então eles não ligam de ganhar desonestamente mesmo.

Será que esse partido acata mesmo a democracia?
Será que esse partido acata mesmo as regras do jogo?
Será que esse partido acata mesmo a alternância no poder?

É o partido que tentou, com o mensalão, fraudar a democracia comprando o Congresso.
É o partido que tentou, com um dossiê falso, fraudar a eleição para o governo de São Paulo em 2006.
É o partido que tentou, com o dossiê elaborado na Casa Civil, de Dilma Rousseff, fraudar uma CPI.
É o partido que, agora, está fazendo consultar para propor, imaginem só!, uma Assembléia Nacional Constituinte.

Agora 2010
Estamos vivendo agora, acreditem, uma prévia de 2010 — e não estou me referindo aos eventuais ganhadores e perdedores da disputa. Estou falando de método. Lula vai tentar, a todo custo, fazer o seu sucessor. Na eleição presidencial, não sejamos ingênuos, vai transferir mais votos do que na municipal — que, com efeito, tem outras variáveis. Os petistas é que criaram a ilusão de que bastaria o Apedeuta mandar, que o Mané eleitor apertaria o botão.

Pois bem. Se o ungido ou a ungida de Lula (ainda acho que será um homem, vamos ver) largar bem na corrida, com chances reais de vitória, assistiremos ao espetáculo do crescimento do passado, claro!, com o Babalorixá exaltando os seus feitos e prometendo que seu candidato fará ainda muito mais e tal... Sim, haverá, sub-reptícia, a idéia de que uma eventual vitória da oposição porá tudo a perder. Seria, assim, um terrorismo light. Mas vocês verão o Deus-nos-acuda se o PT vislumbrar a chance da derrota. Teremos uma campanha ao estilo Marta Suplicy, só que algumas vezes multiplicada. E não poupará nada nem ninguém. E pouco importa que a primeira vítima seja a verdade e a segunda, o decoro.

Não! Eles não têm escrúpulos. Não, eles não têm medidas. Não, eles não têm qualquer compromisso — nem com o próprio passado. O petismo inaugurou, já disse tantas vezes, o presente eterno na política. E, dado o presente eterno, tudo pode no partido de Celso Daniel e do Toninho do PT.


Por Reinaldo Azevedo

Ainda a estranha questão do Equador... - Blog do Reinaldo Azevedo - 14/10/08

Leiam o que vai abaixo. Volto depois.
Tânia Monteiro, de O Estado de S. Paulo
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse nesta terça-feira, 14, que, se o Equador não honrar o empréstimo que tem junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a relação comercial entre Brasil e Equador vai acabar. "Então, vai acabar o comércio entre Brasil e Equador porque o empréstimo é lastreado no CCR (Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos). Eu não entendo como deixar de pagar porque tem a garantia do CCR, que é uma garantia comercial", disse o ministro, acrescentando que, se houve uma irregularidade, ela não foi praticada pelo BNDES.
O presidente do Equador, Rafael Correa, alega que o crédito de quase US$ 200 milhões concedido pelo BNDES foi destinado à construtora brasileira Odebrecht para a construção da hidrelétrica de San Francisco, e não para o Estado equatoriano. Em setembro, ele disse que o governo "pensava seriamente" em não quitar o débito. Nesta terça, o secretário Nacional Anticorrupção do Equador, Alfredo Vera, voltou a dizer que o governo equatoriano não vai pagar o empréstimo.
Antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegar ao hotel Taj Mahal, em Nova Délhi, na Índia, Amorim concedeu uma entrevista coletiva à imprensa na qual afirmou que é preciso ter paciência com o Equador, mas não complacência. "O que é que você quer que eu faça? Que eu invada o Equador? Temos de ter paciência, temos interesse em manter boas relações com o Equador. Agora, a paciência também num determinado momento, não estou dizendo que a gente perde a paciência, mas a gente não pode confundir paciência com complacência", disse.
Amorim ponderou que, "quando o clima não favorece, melhor não falar". E acrescentou: "Quanto mais vocês perguntam, mais dificultam as negociações, porque a tentação da retórica é muito grande. Então, um diz uma coisa, o outro quer responder mais alto e tem muita gente dando palpite. Tem muito ministro de lá dando palpite", afirmou.
Com relação a Furnas, Amorim disse que a "questão foge da realidade". E sobre os engenheiros da Odebrecht que foram expulsos do país pelo presidente Rafael Correa, Amorim disse: "A mim interessava que eles fossem liberados. Se ele (Correa) está querendo chamar os liberados de expulsos, um deles já foi liberado e voltou ao Brasil. O outro saiu da embaixada e também está liberado."

Impasse
Ainda nesta terça-feira, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que não há "clima" para retomar os projetos de cooperação com o Equador depois da expulsão da Odebrecht, segundo a agência France Presse. "Tudo na vida tem limites, se o governo brasileiro atua como amigo e recebe hostilidade deve haver uma reação e firmeza", declarou Lobão em entrevista à rádio CBN.
O ministro considerou que a decisão de expulsar a construtora "não leva a nada e não fortalece as relações diplomáticas". Na segunda, o governo do Equador deu um prazo de 48 horas para que quatro funcionários da construtora brasileira deixem o país. Em 23 de setembro, o Equador anunciou a expulsão da Odebrecht, acusada de não ter feito os consertos da hidrelétrica San Francisco, paralisada desde junho. Sobre o projeto, a empresa reiterou que "desde 2 de outubro", data "anterior ao prazo previsto", resolveu os problemas que surgiram e que obrigaram à paralisação da central,

Lula e Correa
O assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse na tarde desta terça que a melhor solução para os problemas enfrentados por empresas brasileiras no Equador é um entendimento direto entre os presidentes Lula e Rafael Correa. "Tem muito ministro falando, e quando tem muita gente falando, dá cacofonia", afirmou. Ele disse que a decisão do governo brasileiro de suspender o envio de uma missão ao Equador para negociar cooperação em obras viárias não representa uma retaliação.

Comento
Ué... A ministra Dilma Rousseff não havia assegurado que o empréstimo havia sido feito para a Odebrecht? Pois é. Como aqui se disse, ela estava dizendo o oposto da verdade. Afinal, Correa é um bandoleiro, mas creio que não idiota o bastante para ameaçar dar calote num dívida que não tem, não é mesmo?

Já deixei aqui uma dica certa feita, que repito agora. O Senado deveria ficar mais atento a esses empréstimos do BNDES, em especial a países como Equador e Venezuela, duas semiditaduras, e Angola, uma ditadura inteira. Afinal, vocês sabem, os mecanismos de transparência ali inexistem. Pode-se fazer o que der na telha.

É puro exercício de ficção, eu sei. Mas imaginem um partido cansado de imprensa, Ministério Público e oposições podendo emprestar milhões para déspotas que não se importam em pagar, digamos assim, uma pequena comissão pelos juros camaradas...
Estou enganado, ou Marco Aurélio Top Top Garcia parece não querer confusão com Correa? Não, acho que ele não quer. Coisa estranha. Fica até parecendo que o presidente daquele país sabe demais e está chantageando as autoridades brasileiras, não parece? Imaginem só: um gigantão deste falando fininho com aquele pequeno país, cuja população é pouco maior do que a da cidade de São Paulo... O conselho por prudência de MAG deve surtir efeito. Ele já foi visto ali pelo Equador. Tem boas relações com aquele governo. Sabe das coisas... Notem que ele é duro: chega até a censurar os ministros que se metem na relação direta Lula-Correa.



Por Reinaldo Azevedo

De novo, a tentação chavista do PT - Blog do Reinaldo Azevedo - 14/10/08

Ah, claro, o jornalismo petista vai dizer que estou exagerando. Vocês sabem: essa gente é compulsiva. Até quando critica o PT aproveita para elogiá-lo. Quando faz restrições às bobagens e baixarias do partido, o tom é sempre este: “Oh, como pode gente tão honrada fazer algo assim?” É mesmo? Mas, se é tão honrada, então por que faz? Ou será que existe uma categoria de honrados que honrados serão independentemente do que façam? Ora, com os diabos a gente asnal!

Mas do que estou falando? Da consulta que o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana, está fazendo com vistas a instalar no país uma nova Assembléia Nacional Constituinte. E seria, desta feita, uma assembléia ad hoc, isto é, instalada apenas para a fazer a nova Carta. Depois, ela se dissolveria.

Uma rápida consulta no noticiário, com a ajuda do Google mesmo, vai-lhes mostrar que foi rigorosamente assim que começaram as "reformas" de Hugo Chávez, Evo Moraes e Rafael Correa. Mais: fazer, como eles dizem, a “revolução por meio do voto” é um dos princípios do Foro de São Paulo, entidade que congrega as esquerdas da América Latina.

Constituinte por quê? Houve, por acaso, algum rompimento da ordem institucional? O país passou por algum trauma político, que cindiu a sociedade, de modo a reunificá-la com uma nova Carta? Não! De fato, o que essa gente quer é estabelecer a cisão para, aí sim, tentar governar por mil anos. Querem saber? Flertar com a idéia, ainda que de longe, já é uma canalhice política.

Ora, por que não? Aproveita-se a alta popularidade de Lula para eleger constituintes ad hoc, a maioria vinda dos chamados “movimentos sociais” — todos esbirros do petismo — para fazer a nova Carta. Melhor ainda: eles nem mesmo terão a responsabilidade de arcar depois com o peso do que votarem. Podem se retirar para seu partido, suas ONGs, suas sinecuras alimentadas com o leite de pata do dinheiro público. Constituinte é constituinte. Se quiserem, podem até extinguir o Congresso.

Reitero: foi rigorosamente esse o percurso seguido pelos três bandoleiros latino-americanos a que me referi. Todos aliados de Lula. Todos eles membros do Foro de São Paulo, como é o PT.

Fiquem atentos: alguns tontos, mesmo formalmente identificados com a oposição, podem começar a achar que a idéia é boa: “Ah, vamos fazer a reforma tributária, a reforma política, a reforma eleitoral...” Conversa. Constituintes, nessas circunstâncias, nada mais fazem do que instalar a desordem no país, que é e será sempre útil a golpistas. Xô, canalha!


Por Reinaldo Azevedo

GROTÕES MENTAIS - Blog do Reinaldo Azevedo - 14/10/08

O PT não elegeu as mais de 700 prefeituras que pretendia. Ficou com bem menos: umas 500 e poucas. Se o PMDB é o rei dos grotões, o PT é o príncipe. É forçoso reconhecer que, nas áreas mais prósperas do país, seu desempenho deixou a desejar. O “partido da boquinha”, para os graúdos, é o partido do bolsismo-isso-e-aquilo dos mais pobres. Nos mais de 500 municípios de São Paulo, por exemplo, fez apenas 67 prefeituras. E disputa algumas outras no segundo turno, inclusive a da capital. Deu largada a esta nova etapa perdendo feio, de goleada, com números verdadeiramente humilhantes. Por mais que seus porta-vozes na imprensa digam que venceu a eleição, o fato é que o PT teve, em termos proporcionais, no país, menos votos do que há quatro anos. Já demonstrei isso aqui com números. Só um resultado pode lhe dar um gostinho de vitória: São Paulo. Sem a cidade, a derrota se consolida de modo inequívoco. Até seus puxa-sacos vão querer mudar de assunto. Pois bem. E como vencer a eleição numa cidade complexa como essa?

Marta e seu marqueteiro até tentaram um discurso moderninho. Certos de que o racha Alckmin-Kassab jogaria a eleição no colo do PT — ela andou falando isso por aí, em contato com jornalistas —, a petista optou por um discurso urbano, todo modernete: falava numa “nova atitude” para a cidade. Isso é conversa de costureiro, de modelista – como se diz isso hoje em dia? Estilista? Era a Marta podre de chique, com seus modelitos impecáveis. Para a cidade, acenou com a tal Internet grátis. Ciente de que o prefeito tinha uma boa avaliação — no começo da campanha, pouco mais de 40% de ótimo e bom; hoje, acima de 60% — , preferiu não atacar as suas obras. Disse apenas que faria melhor, com “mais atitude”. O lema: “A gente não se contenta com pouco”. Completou a estratégia apostando que Alckmin seria bem-sucedido na descontrução da imagem de Kassab.

Deu tudo errado. Marta chegou a ter 47% dos votos, perto de uma vitória no primeiro turno. Alckmin, nesse período, fazia a farra do jornalismo político com sua determinação de “prefeitar”. A petista foi derretendo ao longo da campanha. Quanto mais falava, menos votos tinha. E o contrário foi se dando com o prefeito-candidato do DEM. À medida que uma área da cidade ficava sabendo o que estava sendo feito também na outra, ele crescia. Até o resultado que se viu: ele chegou na frente no primeiro turno. E disparou na primeira pesquisa sobre as intenções de voto para o segundo.

E o que fez, então, o PT urbano, da mulher e libertária Marta Suplicy, uma das referências dos jornalistas descolados, que transitam num estranho ambiente social de São Paulo que junta, hoje em dia, uspianos, ongueiros e petistas limpinhos, como Fernando Haddad, por exemplo? O que foi feito desse petismo jornalístico que se pretende laico, esclarecido, progressista, que se impôs como missão “barrar o avanço da direita”, entre uma taça e outra de vinho — em que todos são agora especialistas —, enquanto se discute, como é mesmo?, a dialética da modernização conservadora do Brasil? Pois é. A pizzada esclarecida dos especialistas em dialética negativa constatou, consternada, o risco real da vitória do terrível “direitista” Kassab — não perca a chance de cobrar dos que sustentam tal tese que evidenciem esse suposto direitismo com exemplos.

Respondo: o petismo urbano e vaca foram ambos para o brejo. E agora volto à questão enunciada lá no primeiro parágrafo: o PT quase pós-moderno, preocupado com “atitudes”, resolveu revelar-se o partido do grotão, aquele em que o medo vence não só a esperança como também a racionalidade. Então é isto: Marta Suplicy trouxe para a política paulistana o partido do grotão, o primitivismo, a retórica truculenta, a promessa irresponsável e inexeqüível (ver abaixo), o preconceito, a vulgaridade, a estupidez, a baixaria, o atraso. A candidata antes dita “progressista”, capaz de, no gogó, quebrar as lanças do convencionalismo, passou a acenar com o discurso mais brucutu.

E o Apedeuta? E aquele que não é solidário nem numa cólica renal? Ora, quem prestou atenção ao centro de seu discurso em favor de Marta teve tempo de ouvi-lo falar que é preciso “conhecer o candidato”, endossando a abordagem pilantra segundo a qual os paulistanos ignoram quem de fato é o prefeito que conta com 61% de aprovação. Percebeu que o tiro saiu pela culatra e, Lula que é, está saltando fora. Faz o mesmo no Rio. Gravou para o candidato do PMDB, Eduardo Paes, mas fez chegar à imprensa o que segue: “Eu gravei o programa, mas disse para o Sérgio que o (Fernando) Gabeira vai desmontar facilmente o meu depoimento. Gravei porque me pediu." A seqüência de imposturas é formidável.

Ainda que Kassab seja relativamente novo na política — e jovem (daí o ridículo petista de tentar ligá-lo ao regime militar) —, e Gabeira seja egresso das lutas pré-1964; ainda que tenham perfis tão distintos, um mais técnico (Kassab), outro mais afeito à retórica humanista, podem estar em curso nas duas capitais fenômenos ao menos correlatos, se não forem da mesma natureza: um certo cansaço do discurso balofo e oco sobre a redenção e o futuro. Sim, reitero, os dois são muito diferentes também na experiência: Kassab está sendo aprovado por aquilo que efetivamente fez, não por suas promessas miraculosas. Gabeira parece crescer num ambiente de certo desencanto com as expectativas que não se cumpriram. Embora seja sempre lembrado como um utopista, parece-me que os que votam nele apostam que possa FAZER o que a política dita tradicional não fez. Se ambos vencerem, é evidente que a tarefa de Gabeira é mais difícil e muito mais arriscada.

Em qualquer dos casos, recorrer à tática própria dos grotões — porque, como diria Marco Aurélio Top Top Garcia, “constrangedor é não ter voto” — corresponde a fazer uma aposta no atraso e na barbárie. Sim, há algumas ambições em jogo: uma eventual vitória de Gabeira representa menos uma derrota de Paes do que do governador Sérgio Cabral. O triunfo de Kassab significaria um revés duplo para o Planalto: Lula teria feito esforços evidentes para eleger Marta, mas o ungido seria o candidato de Serra. Tal candidato é quadro da elite do DEM, o partido que o PT está determinado a destruir, o que não esconde de ninguém.

Os eventos em curso estão sendo muito esclarecedores. Nas duas principais capitais do país, quando menos se espera, os “modernos” aderem às piores práticas do grotão mental brasileiro.


Por Reinaldo Azevedo