Monday, July 14, 2008

VEJA 2 - Inquérito incompetente beneficia Dantas - Blog do Reinaldo Azevedo - 12/07/08

A edição da VEJA põe ordem na barafunda, a começar da irretocável Carta ao Leitor.
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A prisão do banqueiro Daniel Dantas, do especulador Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, acusados de um rol de crimes que envolvem de corrupção a fraudes financeiras, vai seguindo um roteiro previsível no caso dos crimes dos colarinhos-brancos. O juiz decreta a detenção temporária ou preventiva sem que haja necessidade para isso, a Polícia Federal protagoniza uma ação espetaculosa, os presos aparecem de algemas nos jornais e na televisão, os advogados dos presos entram com pedido de habeas corpus, uma instância superior o concede, os presos são libertados para responder ao processo em liberdade – e, depois de anos de refrega jurídica, os acusados são absolvidos. Na massacrante maioria das vezes, não porque sejam de fato inocentes, mas porque o inquérito original, feito a toque de caixa, com falhas e inconsistências pueris, abre aos advogados de defesa brechas enormes para fazer a transformação de criminosos em injustiçados.

A lógica mais banal sugere que deva ser feito o contrário: a polícia investiga os suspeitos, elabora um inquérito com provas e argumentos irretocáveis, a peça é examinada e acolhida pelo juiz, abre-se um processo com os réus respondendo em liberdade e, só lá no final, em caso de condenação, os culpados são presos. Presos de verdade, por anos a fio, e não apenas por alguns dias, como vem sendo a regra.

No que se refere à última operação da Polícia Federal, esses erros de investigação tão comuns atingem níveis lisérgicos. A pressa em produzir imagens para a televisão de criminosos de colarinho branco sendo algemados resultou em um inquérito incompetente na colheita de provas, indigente em sua compilação e ágrafo na apresentação final – o que prenuncia vida fácil para a defesa dos acusados quando as instâncias judiciais começarem a cumprir sua nobre função. Os policiais produziram 5 000 páginas. Elas foram reduzidas a 173 no relatório final do juiz, que teve a sabedoria de rejeitar a imensa quantidade de arbítrios, julgamentos apressados e convulsões ideológicas exaradas pelo delegado da Polícia Federal responsável. Uma reportagem desta edição de VEJA mostra que essa operação foi feita longe do alcance do diretor-geral da PF e com a participação indevida de espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O resultado do amadorismo e da incompetência do trabalho policial será, provavelmente, a impunidade de Dantas, Nahas e companhia. Uma pena.


Por Reinaldo Azevedo

Friday, July 11, 2008

TARADOS PELO ESTADO POLICIAL - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/07/08

“O fascismo começa caçando tarados”. A frase é do cineasta italiano Bernardo Bertolucci. Estaria querendo dizer com isso que devemos deixar os tarados livres para agir? Não! Está chamando atenção para o fato de que não se pode usar a caça aos tarados como justificativa para impor um regime de terror. Aliás, a frase tem especial validade hoje em dia, quando, sob o pretexto de prender pedófilos, há quem advogue, sem qualquer cerimônia, o fim da privacidade na Internet. O Brasil vive um momento muito delicado. Muito mais do que parece. Porque Daniel Dantas, Celso Pitta e Naji Nahas podem ser impróprios para consumo humano, podem estar lá no último degrau da cadeia alimentar, tenta-se usar a necessidade de puni-los por seus eventuais crimes como pretexto para instaurar no país um clima de terror. Eu não estou nem aí para os tontons-maCUTs; eu não estou nem para os subjornalistas que vivem de dinheiro público e de achacar pessoas — mereciam estar na cadeia —; eu não estou nem aí para a patrulha que resolveu fazer plantão aqui. NÃO VOU ENDOSSAR UM PASTELÃO AUTORITÁRIO DA POLÍCIA FEDERAL, PATROCINADO PELO SR. TARSO GENRO.

Ora, os regimes de força sempre buscam pretextos verossímeis — e até verdadeiros. O fato é que, sob o pretexto de prender alguns bandidos, querem instalar um estado policial. É evidente que não usariam como desculpa pecados cometidos pelas virgens pálidas, não é mesmo? Porque as virgens pálidas não pecam. Usa-se como pretexto a ação deletéria de algumas notórias reputações — que, no entanto, em algum momento, serviram ao próprio poder que agora os persegue. O caso de Daniel Dantas é o mais evidente. Desde que o PT chegou ao poder, é com petistas que ele negocia, como já demonstrei aqui, e é a petistas que paga, sempre com grande generosidade, por serviços prestados.

Mas isso não quer dizer que ele e os outros todos não tenham direitos. Já disse: defender o direito das santas é fácil; difícil é reconhecer que a lei protege também as putas. Eu não tenho a menor dúvida de que a PF, desde o início do governo Lula e especialmente depois do mensalão, tem exagerado no espetáculo e tem desrespeitado os direitos dos presos. Escrevo isso há anos. No caso em particular, não tenho dúvida de que os pedidos de prisão provisória e também preventiva são exorbitantes. O juiz Fausto Martin De Sanctis os concedeu? Ao lado de sua tarefa de julgar, ele acredita ter também uma missão? Problema dele. Trato disso no post seguinte. Mas a questão mais grave de todo esse episódio não é essa, não. A QUESTÃO MAIS GRAVE É O TERRORISMO QUE ESSA GENTE ESTÁ TENTANDO FAZER COM A IMPRENSA.

Mas eu lhes asseguro, senhores leitores. Vão quebrar a cara. E aqui quero fazer um reparo ao que eu próprio escrevi. É claro que não é toda a Polícia Federal que está envolvida nessa história — falo de uma facção. Apontei aqui no começo do ano passado uma PF balcanizada, dividida em grupos, lembram-se? Informei aqui ontem que essa operação nem mesmo passou pelo diretor-geral da instituição. Foi conduzida pelo chefe da Abin, que é um órgão de Inteligência do Estado, Paulo Lacerda.

Truculenta e incompetente
E é difícil saber, TIREM CÓPIA DESTE TEXTO, se essa gente é mais truculenta do que incompetente ou o contrário. Qual é a acusação contra Nahas, por exemplo? Receber informação privilegiada da taxa de juros arbitrada pelo Fed? Sinto vergonha até de escrever isso. O sr. Protógenes, chamado de “doutor” por alguns jornalistas, como noticiou ontem o Painel, não deve saber a diferença entre o Fed e um ovo cozido. A acusação é ridícula. Ou ainda: Nahas tinha informações privilegiadas sobre descobertas da Petrobras? Há empresas especializadas nisso, senhores. Ademais, fosse verdade, quem é o agente público que lhe passou a informação? Antigamente, no Brasil, havia corrupto sem corruptor. Agora temos corruptores sem corruptos.

Todos saberemos o que diz o inquérito que deixou tão convencido o juiz De Sanctis. Se o padrão for o mesmo das acusações a Nahas, sabem o que vai acontecer? Nada! Nahas, Dantas e Pitta acabarão absolvidos, e a população ficará indignada, com justiça, com o que lhe parecerá impunidade. Não! Não será impunidade, não. Será incompetência do inquérito. Eu não recomendaria a companhia de Celso Pitta nem para tomar um Chicabon na esquina. Mas o que há mesmo contra ele? Pegava dinheiro com Nahas — “provavelmente” do que desviou da Prefeitura, diz a acusação. “Provavelmente”? Mas isso basta para meter alguém na cadeia com prisão provisória?

ATENÇÃO: O SR. PROTÓGENES, COM TANTO DESTRAMBELHAMENTO, PODE ESTAR É CONTRIBUINDO PARA A IMPUNIDADE DESSES SENHORES, NÃO O CONTRÁRIO. A incompetência, acreditem, é uma forma de sabotagem. E depois se jogará a culpa nas costas largas da Justiça.

Imprensa
Os jornalistas de aluguel, aqueles sustentados pelo dinheiro público, babavam o seu rancor e o seu ressentimento exultantes ontem, alimentando o boato de que alguns de seus inimigos — SEUS INIMIGOS SÃO, GERALMENTE, PESSOAS MAIS COMPENTES DO QUE ELES, COM MELHORES EMPREGOS DO QUE Os DELES, COM UMA REPUTAÇÃO MUITO SUPERIOR À DELES — tinham finalmente sido pegos pelo tal Protógenes. É o que veremos. Vamos ver quais são as acusações e contra quem.

Tenho pra mim — o tempo dirá — que o sr. Protógenes, sob os auspícios dessa figura conspícua em que se transformou o sr. Tarso Genro — foi além de suas sandálias, avançou o sinal. O terror que se tentou infundir na imprensa nestes três dias dará com os burros n’água e vai acabar expondo uma das piores características do governo Lula: o rebaixamento das instituições do estado e sua transformação em mero palco para o confronto de facções.

E, espero, a imprensa sairá fortalecida desse imbróglio. Porque vai perceber que, desde a redemocratização — a rigor, desde a ditadura meia-bomba de João Figueiredo —, nunca foi alvo de tamanha e tão destrambelhada sanha autoritária. Dantas, Pitta e Nahas são figuras notórias que estão servindo de pretexto para delírios de outra natureza.

Essa gente acha que sua tarefa está chegando perto de uma conclusão. E eu asseguro que a luta pela liberdade de imprensa está apenas no começo.

Quanto a Dantas, Nahas e Pitta, se não pagarem por seus eventuais crimes, o único responsável terá sido o delegado Protógenes, que optou pelo teatro e esqueceu a investigação.


Por Reinaldo Azevedo

LULA, O VIETCONG - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/07/08

Existe bafômetro no Vietnã?

A que outro ser, no planeta, seria dado afirmar que se identificava com o Vietnã porque, afinal, como corintiano, estava sempre com os fracos e oprimidos? A ninguém mais. Acho que isso é coisa genuinamente nossa. Como megapororoca, jabuticaba e certas besteiras. Lula excede-se às vezes.

Sem contar a bobagem de ter afirmado que os comunistas venceram a guerra contra os EUA naquele país. Venceram porcaria nenhuma! Os americanos saíram de lá, pressionados pela opinião pública interna e externa. Foi, quando muito, uma derrota política, mas não militar.

Sempre que pode, Lula destila um pouco de antiamericanismo barato. Efeito prático, de governo propriamente, não tem. É só uma cretinice a mais a circular pelo mundo, contribuindo para emburrecer gerações e nos envergonhar. Ademais, na origem, agressor era o Vietnã do Norte, comunista. Os EUA protegiam o Vietnã do Sul, inclusive dos comunistas dessa parte do país: os vietcongs.

Certos eventos em curso no Brasil mostram que a falência da educação brasileira está produzindo seus frutos: nas escolas, nas ruas, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário — e, é óbvio, na imprensa. O analfabetismo funcional, moral e ideológico chegou lá.

A luta será dura, longa, árdua. Não desistam.


Por Reinaldo Azevedo

O QUE OS JORNALISTAS DO PT QUEREM ESCONDER DE VOCÊ - Blog do Reinaldo Azevedo - 10/07/08

Não foi só Diogo Mainardi que disse “Oba, oba, oba”, ontem, quando soube que Daniel Dantas e Naji Nahas tinham sido presos. Por motivos muito distintos, o subjornalismo que serve de esbirro ao petismo estava mais contente do que pinto no lixo. Os mascates e anões batiam palminha porque devem vassalagem a inimigos do banqueiro; outros tantos, por vassalagem mesmo ao PT ou a setores da legenda — já que a coisa por lá anda um tanto balcanizada, dividida, rachada, conflagrada. O mesmo se pode dizer, aliás, da Polícia Federal. Fiquem calmos. Vou explicar tudo direitinho.

Petistas (sejam eles delegados da PF ou seus assessores de imprensa na Internet) querem dar à prisão de Dantas um significado que ela não tem. Seria o final de um ciclo de “roubalheiras” das privatizações tucanas. O banqueiro, segundo eles, encarnaria a impunidade do PSDB, agora eliminada pelos probos petistas — não tenham cólicas de rir antes de terminar de ler o texto. E também não comprem gato por lebre. Setores desse subjornalismo e do partido acham que, ao “pegar” Dantas, pega-se o que eles chamam de “banqueiro do PSDB”. Do PSDB? E se eu demonstrar aqui que ele pode, mais apropriadamente, ser chamado de “banqueiro do PT”? Já chego lá.

Mas por que o PSDB? Huuummm. Teremos de voltar a 2004. A Operação Satiagraha — esse nome ridículo, de ecos orientais, me fez lembrar de Luiz Gushiken... — teria nascido na Operação Chacal, em 2004, aquela que investigou se a Kroll havia espionado o governo a pedido de Dantas. À época, foi apreendido um HD do computador do banqueiro contendo um suposta lista de nomes de brasileiros que investiam no Opportunity Fund. Mas eles não podiam? Não! O fundo foi constituído em 1995, nas Ilhas Cayman, e registrado na CVM pelo Anexo 4, que permite somente investimentos de estrangeiros. Chegou a se especular que pelo menos 200 brasileiros estariam com os nomes arquivados no tal HD.

Mas e daí? E o PSDB? Ah, bem... Vamos ver o que andavam botando para circular na praça duas figuras bem conhecidas de vocês. Vejam o que noticiava o Correio Braziliense de 17 de maio de 2002: “Segundo suspeitas do procurador da República Luiz Francisco de Souza, empresários que contribuíram para as campanhas presidenciais de Fernando Henrique Cardoso podem ser os titulares das cotas do Opportunity Fund. ‘O fundo é fruto do casamento dos tucanos (PSDB) com o PFL, que nasceu na privatização do setor elétrico’, afirmou ele a Paulo Henrique Amorim, do UOL News”. Luiz Francisco? Sim, aquele... Que tomou chá de sumiço quando Lula chegou ao poder.

É por isso que havia tanta gente mandando recadinhos ontem. É por isso que os anões e mascates estavam tão excitados. Agora que vocês já sabem qual é a jogada, vamos a alguns fatos interessantes. Vamos ver como andou se comportando o “banqueiro tucano” Daniel Dantas:

1- Dantas pagou R$ 8,5 milhões ao advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Cacai, amigo de José Dirceu. De fato, quem advogou para ele foi José Oliveira Lima, também chapa do ex-ministro, por R$ 1 milhão. O pagamento a Cacai foi, sei lá, uma espécie de deferência;

2- Dantas pagou, por meio da Brasil Telecom, R$ 1 milhão de reais a título de honorários advocatícios, a Roberto Teixeira. Sim, o Primeiro-Compadre, aquele da Varig;

3- Antes de a Gamecorp, de Lulinha, fechar o acordo milionário com a Telemar (atual Oi), Dantas pagava à empresa do filho do presidente e sua trupe R$ 100 mil mensais para que fornecessem conteúdo para o portal de internet da Brasil Telecom;

4- Dantas pôs em sua folha de pagamentos a agência Matisse, de propriedade de Paulo de Tarso Santos, petista histórico e marqueteiro das campanhas de Lula em 1989 e 1994. A Matisse foi contratada para "reposicionar" a marca da Brasil Telecom. Mas o que fez mesmo foi ajudar a "reposicionar" Dantas frente ao governo petista;

5- Dantas conseguiu emplacar no governo o ministro Mangabeira Unger, que contratara como consultor e trustee da Brasil Telecom, quando era controlada pelo Banco Opportunity. Mangabeira recebeu US$ 2 milhões;

6- Dantas contratou, sabe-se agora, Luiz Eduardo Greenhalgh, petista histórico. Não se conhecia a sua intimidade com esse ramo de negócios;

7 – Dantas contratou a agência de Marcos Valério, o notório operador do mensalão.

Dantas fez negócio, portanto:
- com o filho do presidente;
- com o compadre do presidente;
- com o ministro do presidente;
- com os chapas do ex-ministro forte do presidente;
- com o publicitário do presidente.
E tudo, como se vê, no governo do PT.

Os esbirros do petismo estão batendo palminhas por quê?

Refiro-me acima a pagamentos conhecidos. Mas também os remeto a trecho de uma reportagem de Marcio Aith, publicada na VEJA em 2006. Leiam com atenção:

Uma dica: ele [Daniel Dantas] poderia revelar, por exemplo, quantos encontros teve com o ex-presidente do Banco Popular, Ivan Guimarães, e o que foi discutido em cada um deles. Já se sabia que Guimarães operou como uma espécie de genérico de Delúbio Soares durante a campanha presidencial de 2002. O que não se sabia, e Dantas certamente pode comprovar, é que Ivan continuou operando na clandestinidade em 2003 e em 2004, já no governo, achacando empresas e empresários. Ivan procurou Dantas em setembro de 2004. Queria falar sobre a investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra o Opportunity.

Dias depois, a comissão julgaria um processo contra o banco, acusado de burlar regras do Banco Central ao admitir brasileiros num fundo de investimento das Ilhas Cayman. O Opportunity poderia ser inabilitado pela CVM, mas acabou recebendo uma pena leve. Esse Ivan é mesmo terrível.

Outra dica: Dantas poderia contar às CPIs como Yon Moreira da Silva, ex-diretor de Negócios Corporativos da Brasil Telecom, lhe apresentou a idéia de comprar parte da Gamecorp, a empresa de Lulinha. Aliás, o próprio Yon pode colaborar com as investigações. Depois que as circunstâncias vergonhosas do caso Gamecorp foram denunciadas por VEJA, o ex-diretor da Brasil Telecom declarou que a Telemar fizera um bom negócio e pagara um preço justo para tornar-se sócia do filho do presidente. O que Yon não conta é que essa declaração lhe foi implorada pelo próprio Palácio do Planalto – mais especificamente pelo então ministro Jaques Wagner, que, falando em nome do presidente Lula, pediu a Dantas que o ajudasse a preservar o filho do presidente. Como se vê, o obscuro Dantas daria uma ótima contribuição ao país se saísse de uma vez das sombras. Coragem, Dantas!

De volta à nossa campanha
Vejam só, caros leitores, eu posso escrever aqui o que os anões, mascates e ratazanas não podem: “Vai, Dantas, conta tudo. Mas tudo mesmo!”


Por Reinaldo Azevedo

Monday, July 07, 2008

O etanol e a solidão das vaquinhas brasileiras - Folha de S. Paulo - 06/07/08 - Site www.e-agora.org.br

Rogério Cezar de Cerqueira Leite, Folha de S. Paulo (06/07/08)


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0607200809.htm

No que segue, vamos demonstrar que há muita ignorância e uma certa dose de má-fé no alicerce dos argumentos contra o etanol

DE TODAS as críticas que se erigiram nos últimos cinco ou seis meses ao álcool combustível de cana-de-açúcar, a mais renitente é aquela que se refere à competição com a produção de alimentos. No que segue, vamos demonstrar que há muita ignorância e uma certa dose de má-fé no alicerce desses argumentos.

Afirmam os especialistas que a população do globo deverá estacionar entre 9 bilhões e 10 bilhões de habitantes. Como todo mundo sabe, a máquina biológica humana consome em média 2.000 kcal por dia. Isso corresponde a aproximadamente 600 gramas de cereal por dia, o que, para um vegetariano, é suficiente.

O Homo sapiens, porém, pode usar o dobro: para cada quilo de carne, consome entre 7 kg (gado confinado) e 2 kg (frango de granja) de cereal. Supondo um consumo individual de 40 kg a 60 kg de carne por ano (frutos do mar etc. vão de lambujem), podemos deduzir que mais 600 gramas de cereal serão necessários por dia.

Com isso, a humanidade, para viver saudavelmente, deverá consumir anualmente, direta e indiretamente, entre 4 bilhões e 5 bilhões de toneladas por ano de cereais, o que demandaria uma área de cerca de 800 milhões de hectares com tecnologias atuais (produtividades entre 10 toneladas/ha por ano, que é o caso do milho, e 4 toneladas/ha por ano -arroz, trigo, soja- são correntes).

Para substituir todo o combustível fóssil consumido hoje por etanol, incluídas tecnologias que aproveitassem integralmente os resíduos lignocelulósicos da produção de álcool e cereais, seriam necessários entre 300 milhões e 400 milhões de hectares. Ora, a FAO informa que o total de terras cultivadas é de 1,5 bilhão de hectares, havendo ainda uma disponibilidade adicional de terras cultiváveis de 3,5 bilhões de hectares.

Ou seja, não será preciso ampliar a área cultivada para suprir a humanidade de toda a comida e energia de que precisa hoje e precisará no futuro, mesmo que o consumo de energia dobre e a população do globo atinja o limite superior. Bastaria usar tecnologias atuais que aumentam a produtividade. E ainda há terra disponível, aquela atualmente não cultivada, para uma população extra de 30 Chinas ou 4,5 vezes a população final da humanidade. Ainda bem que os chineses ainda não perceberam essa abundância de terras cultiváveis.

Outra fantasia criada pela mente mórbida dos ecoidiotas transnacionais e ecoada por nossos verdolengos com e sem colete propõe uma espécie de mecanismo dominó. Assim, a expansão da cultura da cana-de-açúcar estaria impelindo a soja para o norte, que, por sua vez, estaria empurrando o gado, que, como conseqüência, estaria invadindo a floresta amazônica. Ora, a invasão da Amazônia pela soja e por pastagens ocorreu antes de qualquer aumento de produção de cana. Vamos, todavia, ver por que esse ecobesteirol, além de ser pura fantasia inconsistente, é fruto de má-fé.

A cultura da cana ocupa cerca de 6,5 milhões de hectares (aproximadamente metade para o álcool, metade para o açúcar), a soja ocupa 22 milhões, e as pastagens, 200 milhões. Dobrando a produção do álcool e mantidas as mesmas deficiências tecnológicas atuais, seriam ocupados menos que 2% da área de pastagens. Nosso rebanho tem cerca de 200 milhões de cabeças (uma vaca por hectare). Ou seja, a distância média intervacas, que é de 100 metros, seria reduzida para 98 metros. Seria um transtorno muito grande para as pobres vaquinhas ou, ao contrário, contribuiria para a redução da solidão em que se encontram essas senhoras?

Como não é possível acreditar que os ecofestivos brasileiros sejam incapazes de uma aritmética tão elementar como a aqui utilizada, só nos resta crer que não se vexam de utilizar argumentos pífios e de má-fé. Ai, que saudades da Marina! Então, como se explica a onda neomalthusiana que abala os alicerces das políticas de biocombustíveis, inclusive a do álcool de cana-de-açúcar? Há certamente várias vertentes.

Em primeiro lugar, um inequívoco jogo de interesses comezinhos de nações, empresas e políticos. Em segundo, uma imensa e indesculpável ignorância de fatos corriqueiros e de aritmética elementar. E o que há de mais extraordinário é que essa militância pseudoconservacionista se põe a serviço de inconfessáveis interesses de empresas de petróleo e especuladores no setor de alimentos.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 76, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha.

Saturday, July 05, 2008

Sobre lagartixas e dragões - Folha de S. Paulo - 05/07/08 - Site www.e-agora.org.br

Gustavo Franco, Folha de S. Paulo (05/07/08)


AS PESSOAS estão exageradamente assustadas com a inflação, a começar pelo ministro da Fazenda, e isso é muito bom.

Felizmente, exatos 14 anos depois do Plano Real, a memória do flagelo da hiperinflação permanece viva, ainda que embaçada. Sabe-se que foi uma tragédia, mas apenas os maiores de 32 anos tiveram a chance de ver, já maiores de idade, a criatura caminhar sobre território brasileiro. Na verdade, aqui esteve durante vários anos, quando foi alimentada por idéias de economistas heterodoxos, como estes que estão aboletados no Ipea, e tratada com banhos frios, feitiços e confiscos, às vezes mais danosos que o mal que a criatura nos causava.

A inflação acumulada em 12 meses até junho de 1994, medida pelo IPCA, atingiu 6.432,7%. Vale refletir sobre a grandeza desse número. Em junho de 1994, a inflação foi de 50% no mês, que equivalem a 12.875% anuais, ou cerca de 2% por dia útil. A meta de inflação para 2007 seria a inflação de um simples fim de semana, naqueles tempos loucos. Um feriadão já seria suficiente para estourar a meta.

Mas a criatura desapareceu em julho de 1994. No ano calendário de 1997, a inflação foi de 5,2%, e em 1998 chegamos a 1,6% para o ano inteiro, nossa melhor marca. Vida se assentou, especialmente depois dos sacolejos de 1999, 2002 e 2004, que abriram várias tumbas, e expuseram diversos esqueletos que, afinal, não saíram andando e devorando as pessoas, como alguns temiam.

Diante da excitação das últimas semanas em torno da aceleração da inflação de 4,5% anuais para 6,0% anuais, a primeira impressão, entre os mais velhos, é a de estamos lidando com lagartixas e não com dinossauros.

A presunção, talvez inocente, é de que esses não são fabricados a partir daquelas, mas os maiores de 50 anos sabem que a exposição prolongada a doses regulares de idéias econômicas radioativas podem metamorfosear animais frágeis em serpentes, que depois viram dragões. Não é muito provável, é claro, e, por isso mesmo, o ministro da Fazenda tem razão em dizer que não há motivo para pânico. Entretanto, esse tipo de desmentido é uma espécie de contradição em termos: se é preciso que o ministro diga algo assim, é por que há motivo para pânico.

E o motivo é muito simples: o ministro, e com ele o governo, não mostra nenhuma convicção de que o problema da inflação tem como causa a política fiscal, o mesmo velho problema. Para não repetir Milton Friedman sobre refeições gratuitas, vale lembrar Machado de Assis, no mesmo espírito: não se pode ir à Glória sem pagar o bonde.

Thursday, July 03, 2008

As lágrimas decorosas de Fernando Henrique Cardoso - Blog do Reinaldo Azevedo - 02/07/08

Algumas textos que li sobre a imensa dor que FHC deixou transparecer pela morte de Ruth Cardoso, sua parceira durante 60 anos, demonstram que o país vive uma espécie de transe — há alguns sinais de que pode estar saindo dele, mas ainda não estou certo disso. Vamos ver.

Pela primeira vez, que eu me lembre, vimos o ex-presidente realmente emocionado em público. E, a julgar pela sua trajetória e pela estrita racionalidade com que enxerga o mundo e a política, assim foi porque não pôde viver a sua dor ao abrigo de olhos curiosos ou solidários. Se pudesse, ele certamente o faria. Praticamente obrigado a pronunciar ontem algumas palavras, só conseguiu agradecer aos brasileiros e deixar claro que mais não podia falar. E reitero: acompanhamos a sua tristeza pelas frestas do inevitável. Até o limite do possível, experimentou o sofrimento de modo privado.

Volto, então, aos textos que procuraram relatar a sua reação. Convido-os, se for o caso, a relê-los. Há sempre laivos de surpresa, como se seus autores se espantassem que também FHC possa ter sentimentos — que, enfim, seja capaz de se emocionar, como qualquer um de nós. Durante anos, a máquina petista de moer reputações — para mim, aquele abraço é um abraço é um abraço, e nada além disso —, infiltrada, como não poderia deixar de ser, também no jornalismo, criou a imagem do intelectual insensível, alheio às dores humanas, incapaz de sofrer ou de se comover. O nosso “homem sensível”, de fato sofrido e capaz de reconhecer os relevos humanos, bem, este homem sempre foi, e ainda é, Lula.

Nos poucos dias que separaram a vitória em 2002 da sua primeira diplomação, Lula certamente verteu mais lágrimas em público do que FHC em oito anos de poder. Exibiu-as, em cascata, na campanha eleitoral criada por Duda Mendonça. Em vez do choro furtivo do tucano, indisfarçável por força das circunstâncias, a cascata lacrimejante de Lula: borrascosa, acompanhada daquele discurso rococó que juntava e junta ainda, numa mistura exótica, um tanto de luta de classes e outro tanto de arrivismo ideológico nouveau riche. Enquanto um sempre economizou na dor, outro faz dumping de emoções pessoais.

É curioso. Os olhos com que se passou a ver o tucanismo — e, a rigor, as atuais oposições — são, na verdade, uma lente redutora: a petista. Querem um exemplo até banal, mas ilustrativo? Há pelo menos 10 anos o humorista filopetista José Simão, da Folha, faz o seu “antitucanês reloaded, a Missão”, declarando “morte ao tucanês”. Não sei de alguém ainda tem saco para quem se tornou funcionário da piada. E o que é “destucanar” a realidade? Corresponderia a chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, como se tucanos estivessem condenados a eufemismos, à retórica que edulcora a realidade, à fala oblíqua. Já o “lulês”, não. Ele pode ser chulo, mas caminha rente ao chão, não com a cabeça das nuvens, alheia “ao povo”.

O que Simão faz como piada antiqüíssima, boa parte dos analistas repete como coisa séria. Observem aqueles que costumam falar dos anos do que chamam “ruína tucana”. Parece não ter havido nos dois mandatos de FHC nada de positivo. E não gostam em Lula é do que chamam a “continuidade” daquele modelo; a única virtude do petista seria a sua maior dedicação à causa social — ou seja: o Lula que chora, não o Lula que pondera; o Lula do bolsismo frenético, não o que, com percalços e defeitos, vá lá, fez a opção pelo equilíbrio das contas públicas. Eles gostam do Lula que “sente”, não do Lula que “pensa”.

E o mal de FHC, num plano simbólico, era precisamente este: sempre pareceu pensar em excesso e sentir muito pouco. Daí que seu desconsolo, ainda que diante de uma tragédia familiar, da vida estritamente privada, tenha causado alguma surpresa. A muitos confortava a fantasia estúpida de que o presidente que não chorava no poder nem apelava a questões emocionais fosse mesmo um insensível, incapaz, bom tucano que é, de chamar dor de “dor”. Dele talvez se esperassem eufemismos, reações oblíquas, aquele cinismo que lhe atribuíam e que eu sempre considerei que tinha outro nome: DECORO — o mesmo que orientava a vida de Ruth Cardoso.

Observo que notei certa surpresa da imprensa também com o sofrimento explícito de José Serra — amigo pessoal de Ruth — e com o texto que leu na Missa de Sétimo Dia, nesta terça. Citava um belo poema de Manuel Bandeira por ocasião da morte de Mário de Andrade e tratava de dores irreparáveis. Também em torno deste há certa fantasia de que está sempre calculando o próximo passo, como se lhe fossem vedadas a dor profunda e a reação espontânea.

Lula parece ser o único político, sabe-se lá por quê, capaz de sentimentos genuínos. Ao menos é essa a construção da imprensa petista. Se bem se lembram, exaltou-se a sua generosidade e civilidade em ir ao velório de Ruth e abraçar FHC. Até o sofrimento do outro, por alguns instantes, na construção perturbada dessa gente, ele roubou. De fato, apontar a “generosidade” só faz sentido se considerarmos os quase 14 anos em que FHC tem-lhe servido de saco de pancadas.

As lágrimas decorosas de FHC só surpreendem alguns analistas porque há muita coisa na política que esta fora do lugar.


Por Reinaldo Azevedo

Wednesday, July 02, 2008

LIMITES À PROPAGANDA: ESSA GENTE FINGE CUIDAR DO NOSSO CORPO PORQUE QUER ROUBAR A NOSSA ALMA - Blog do Reinaldo Azevedo - 02/07/08

O governo quer limitar agora, conforme se noticiou aqui ontem à noite, a propaganda de alimentos que “engordam”. Prometi que falaria a respeito na madrugada. Acabei me ocupando de outros assuntos. Retomo a questão.

Há um excesso de intromissão do estado na vida do cidadão e na sua capacidade de escolha para que isso não caracterize um método. Entendam: há uma questão é geral, que é de princípio, que deveria provocar a nossa repulsa fosse qual fosse o governo: o entende estatal não pode tratar o indivíduo como um menor de idade, incapaz de saber o que é bom para si mesmo. Sendo o governo Lula em particular, a atenção deve ser redobrada. Há um núcleo no petismo que está empenhado em criar dificuldades financeiras para o que ele chama “mídia”.

O texto que segue a partir do parágrafo seguinte repete, com poucas alterações, o que escrevi a respeito no dia 4 de julho do ano passado, quando essa idéia veio à luz pela primeira vez. Como se vê, não é iniciativa nova. E também percebemos que eles jamais desistem de uma idéia. Vamos lá.

O método
Este texto identifica um método de ação do governo Lula: o chavismo à moda da casa. Denuncio aqui os instrumentos a que pretende recorrer o governo para implementar entre nós o bolivarianismo light. Porque o PT sabe que não pode fazer da Rede Globo a sua RCTV, por exemplo, resolveu criar dificuldades para a emissora. No mundo ideal do petismo, devemos ficar todos subordinados à TV de Franklin Martins, que não precisa do mercado para existir, ou à TV Record — que, se ficar sem anunciantes, jamais ficará sem a Igreja Universal do Reino de Deus, dona do partido do vice-presidente e do de Mangabeira Unger, aquele secretário que fala uma língua mais incompreensível do que a do Espírito Santo quando baixa em Edir Macedo — deve baixar, eu suponho.

Penitencio-me aqui. Dizem que sou arrogante, que nunca assumo um erro. A segunda parte, ao menos, é mentirosa. Errei, sim. Errei na única vez em que apoiei, ainda que parcialmente, uma proposta do governo Lula. Fui enganado pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Uma recomendação: eis um nome do governo Lula que deve ser visto com muito mais cuidado.

Como sabem, o governo limitou o horário da propaganda de cerveja na televisão. E também enrosca com o seu conteúdo — Temporão, por exemplo, invocou com a tal “Zeca-Feira”. Mais: afirmou que a publicidade glamouriza o consumo do produto... No programa Roda Viva eu lhe disse que era favorável à limitação de horário, mas contrário a que o governo se metesse no conteúdo publicitário. Ora, isso seria nada menos do que censura. E o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária é um órgão que funciona, sim, senhores! Só falta agora a gente ter um Romão Chicabom também na Saúde...

É claro que a limitação da publicidade acarretaria uma diminuição de receita para as emissoras de TV. "Fazer o quê?", pensei. "Aconteceu isso quando se proibiu a propaganda de cigarros; que procurem novos nichos, novos produtos, novas fontes de receita". Eu, o liberal tolo diante de um petista... Nova pretensão anunciada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deixa evidente que a limitação da propaganda de cerveja tem mais a ver com a saúde do governo Lula do que com a saúde dos brasileiros. Eu passei a considerá-la parte de uma estratégia para asfixiar as emissoras que dependem do mercado para viver: que não têm estatais ou igrejas de onde tirar a bufunfa. Fui um idiota. Não apóio mais. Penitencio-me.

A Anvisa, órgão subordinado ao Ministério da Saúde, agora quer limitar ao horário das 21h às 6h a propaganda de alimentos considerados poucos saudáveis, "com taxas elevadas de açúcar, gorduras trans e saturada e sódio" e de "bebidas com baixo teor nutricional" (refrigerantes, refrescos, chás). Mesmo no horário permitido, a propaganda não poderia conter personagens infantis e desenhos. Segundo a Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação), isso representaria um corte de 40% na publicidade do setor, estimada em R$ 2 bilhões em 2005. Dos R$ 802 milhões que deixariam de ser investidos, aos menos R$ 240 milhões iriam para a TV — a maior fatia, suponho, para a Rede Globo.

Virei caixa dos Irmãos Marinho agora? Não! Virei guardião da minha liberdade. É evidente que se tenta usar a via da saúde para atingir o nirvana da doença totalitária. É evidente que estão sendo criadas dificuldades para as emissoras — e, a rigor, nos termos dados, para todas as empresas que vivem de anúncios — para vender facilidades. O ministro Temporão, que ainda não conseguiu fazer funcionar os hospitais (sei que a tarefa é difícil; daí que ele deva se ocupar do principal), candidata-se a ser o grande chefe da censura no Brasil. Na aparência, ele quer nos impor a ditadura da saúde; na essência, torna-se esbirro de um projeto para enfraquecer as empresas privadas de comunicação que se financiam no mercado — no caso, não o mercado do divino ou o mercado sem-mercado das estatais.

Temporão quer propaganda de camisinha, não de biscoito
Imagine você, leitor, que aquele biscoito recheado (em SP, a gente chama “bolacha”) que sempre nos leva a dúvidas as mais intrigantes (Como as duas de uma vez? Separo para comer primeiro o recheio? Como o recheio junto com um dos lados?) seria elevado à categoria de um perigoso veneno para as nossas crianças — mais um querendo defender as crianças! —, que serão, então, protegidas por Temporão desse perigoso elemento patogênico. Mais: mesmo no horário permitido, a propaganda teria de ser uma coisa séria, né? De bom gosto. Sem apelo infantil. O Ministério da Saúde é uma piada: quando faz propaganda de camisinha, sempre recorre a situações que simulam sexo irresponsável. Mas não quer saber de desenho animado em propaganda de guaraná. A criatividade dos publicitários, coitados, teria de se voltar para comida de cachorro. Imagine o seu filho, ensandecido, querendo comer a sua porção diária de Frolic, estimulado pela imaginação de publicitários desalmados.

Assim como o governo pretendia impor a censura prévia na presunção de que os pais são irresponsáveis, agora quer limitar a propaganda de biscoito e refrigerante porque as nossas crianças estariam se tornando obesas e consumistas.

Estupidez
A proposta não resiste a 30 segundos de lógica. É evidente que biscoito não faz mal. Biscoito não é ecstasy. Em quantidades moderadas, de fato, não havendo incompatibilidade do organismo com os ingredientes, até onde sei, faz bem. Se o moleque ou a menina comerem um pacote por dia, acho que tenderão a engordar. Acredito que há um limite saudável até para o consumo de chuchu... Ora, carro também mata. Aliás, acidentes de automóveis são uma das principais causas de morte no Brasil. A culpa, quase sempre, é da imprudência do motorista ou das péssimas condições das estradas. Nos dois casos, é preciso usar/consumir adequadamente a mercadoria. A Petrobras é uma grande anunciante — e certamente estará no apoio à TV de Franklin Martins. Os produtos que ela vende poluem o ar e aquecem o planeta (sou de outra religião, mas dizem que sim...). A publicidade, então, deverá estar sujeita a severas limitações?

Uma pergunta: água entra ou não na categoria das “bebidas com baixo teor nutricional”? O ridículo desses caras é tamanho a ponto de propor limites à propaganda de água? Ela alimenta mais ou menos do que um copo de coca-cola ou de mate? E de lingüiça, pode? A gordura animal em excesso também faz mal à saúde. Quem garante que o sujeito não vai consumir o produto todos os dias, até que as suas artérias se entupam? Não ande de moto. Há o risco de cair. Numa bicicleta, você pode ser atropelado. E desodorizador de ambiente do moleque que quer fazer “cocô na ca-sa do Pe-dri-nho”? Pode ou não? Não fere a camada de ozônio?

Nazistas
Observem: se isso tudo fosse a sério, fosse mesmo com o propósito de cuidar da saúde dos brasileiros, já seria um troço detestável. Sabiam que os nazistas foram os primeiros, como direi?, ecologistas do mundo? É verdade: não a ecologia como uma preocupação vaga com a natureza, mas como uma política pública mesmo. Hitler gostava mais de paisagem do que de gente, como sabemos. Eles também tinham uma preocupação obsessiva com a saúde, com os corpos olímpicos. O tirano odiava que se fumasse perto dele, privilégio concedido a poucos. Mas o mal em curso não é esse, não.

A preocupação excessiva do governo nessa área, entendo, é também patológica, mas a patologia é outra. Por meio da censura prévia — de que foi obrigado a recuar — e da limitação à publicidade de vários produtos, pretende é atingir gravemente o caixa das empresas de comunicação, que fazem do que conseguem no mercado a fonte de sua independência editorial. Ora, é claro que, sem a publicidade da cerveja, dos alimentos e do que mais vier por aí, elas ficam, especialmente as TVs, mais dependentes da verba estatal e do governo.

O raciocínio é simples: vocês acham que a porcentagem da grana de estatais no faturamento global é maior numa Band ou numa Globo? Numa Carta Capital ou numa VEJA? No Hora do Povo ou no Estadão (a propósito, veja post abaixo)? Os petistas não se conformam que o capitalismo possa financiar a liberdade e a independência editoriais. Quer tornar essas grandes empresas estado-dependentes. Quanto mais se reduz o mercado anunciante — diminuindo, pois, a diversidade de fontes de financiamento —, mais se estreita a liberdade.

Golpe
Trata-se, evidentemente, de um golpe, mais um, contra a imprensa livre. E por que digo que o alvo é a Globo? Porque, afinal, ela concentra boa parte do mercado publicitário de TV — é assim porque é melhor e mais competente, não porque roube as suas “co-irmãs” — e porque, no fim das contas, o que importa mesmo a Lula é aparecer bem no Jornal Nacional. E ele deve considerar que isso é tão mais fácil de acontecer quanto mais ele disponha de instrumentos para tornar difícil a vida da principal emissora do país. Acho que vai quebrar a cara.

E Temporão, tenha sido ou não chamado à questão com esse propósito, tornou-se o braço operativo dessa pressão. Curioso esse ministro tão cheio de querer impor restrições do estado à vida e às opções das pessoas. É aquele mesmo que já deixou claro ser favorável à descriminação do aborto até a 14ª semana porque, parece, até esse limite, o feto não sente dor, já que as terminações nervosas ainda nem começaram a se formar. É um ministro, digamos, laxista em matéria de vida humana, mas muito severo com biscoitos. O que faço? Recomendo a ele que tenha com as crianças que estão no ventre o mesmo cuidado que pretende ter com as que querem comer Doritos?

Eis aí o caminho do nosso bolivarianismo. A terra está amassada pelo discurso hipócrita da saúde. Farei agora uma antítese um tanto dramática, cafona até, mas verdadeira: essa gente finge cuidar do nosso corpo porque quer a nossa alma.
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PS: Divulguem este texto, espalhem-no na Internet, montem grupos de discussão no Orkut, passem a mensagem adiante, mobilizem-se.


Por Reinaldo Azevedo

O real e o abstrato - Ilan Goldfajn - Site www.e-agora.org.br - O Globo - 01/07/08

Ilan Goldfajn, O Globo
(01/07/08)


A preocupação a curto prazo é a inflação, sem dúvida. Mas o risco maior para o crescimento a médio e longo prazos situa-se numa outra esfera. Melhor explicar com frases que ilustram o ponto. O ministro de Minas e Energia afirmou que "não se cogita absolutamente mudar os contratos existentes. Estamos sendo absolutamente generosos", e "na medida em que as empresas apenas estejam auferindo lucros em demasia, deveremos rever essa situação, em benefício de todos" ("Valor Econômico", 27/06). Comentava sobre os "contratos" de exploração de petróleo e o desejo do governo de criar mais uma estatal para a nossa vasta coleção. Os "lucros em demasia" a serem revertidos são no setor de mineração.

O ministro reflete um conflito que transcende a sua área de atuação: os contratos assinados viraram um incômodo, e o seu respeito visto como uma generosidade dos atuais dirigentes. A construção institucional feita no passado - respeito a contratos, regulação via agências do Estado e menos intervencionismo - mede forças contra o desejo atual de controlar, dirigir, estatizar. O cerne do debate sobre o crescimento futuro vai se concentrar nesse ponto: haverá liberdade e facilidade para produzir, investir, arriscar e gerar valor no Brasil?

No debate macroeconômico fala-se claro e bom som da necessidade de resolver os gargalos da economia (ou seja, desobstruir os impedimentos à elevação da produção a médio prazo), de aumentar a oferta disponível para não ter que desacelerar a demanda e de incentivar as exportações. No dia-a-dia, a clareza macroeconômica cede lugar a uma combinação cinzenta de ideologias e interesses.

A discussão dos portos é emblemática. Há um visível esgotamento da capacidade portuária no Brasil com o bem-vindo aumento do comércio exterior. Mas existem limites orçamentários para aumentar os investimentos públicos no setor. Como em outras áreas, o progresso vai depender da capacidade de atrair para o setor capitais privados que estejam dispostos a correr o risco do investimento em troca da expectativa de um retorno futuro. O governo tem que ser capaz apenas de mostrar estabilidade macroeconômica e regulatória (manter as regras que ele mesmo estabeleceu) e reduzir os entraves burocráticos a novos investimentos. Mas não é isso o que acontece.

Há interferência na decisão econômica que deveria ser dos que atuam no setor. Não me refiro aqui à regulação necessária na economia. Afinal, há bens públicos a defender, como o meio ambiente ou o combate à barreira a entradas de novos concorrentes para evitar a formação de cartéis e monopólios. Isso já existe com as diversas agências reguladoras montadas no passado (e sendo enfraquecidas desde então). Nesse caso dos portos, interfere-se arbitrando que a existência de portos estritamente privados tenha que ser justificada apenas com sua carga própria, mesmo que o porto venha também a ser utilizado por terceiros, o que reduziria os custos operacionais pelos ganhos de escala. Ou seja, coloca-se um entrave, cujo custo é claro (retrai investimentos), e o beneficio coletivo duvidoso (qual é o ganho para o cidadão?).

O irônico é que no momento em que a realidade impera e sinaliza-se que se "aceita" remover esse obstáculo (afinal, quem não quer mais investimentos?), a ideologia e o desejo de controle imperam, e o governo anuncia que, como contrapartida, pretende requisitar plano de outorgas e licitar todos os novos portos, mesmo os privados. Ou seja, se alguém quer investir em portos, vai caber ao governo decidir se é viável e/ou desejável. Por trás dessa iniciativa está um conflito comum hoje no governo: o desejo da nova Secretaria Especial dos Portos (criada para acomodar conflitos políticos) de dirigir e decidir sobre o setor, para além da regulação exercida pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Essa nova exigência deve atrasar e/ou desestimular os novos investimentos. Enquanto isso, continuaremos a debater em público, em abstrato, sobre os gargalos da economia e por que o Brasil não consegue crescer mais, sem gerar inflação.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br