Monday, February 23, 2015

A década esbanjada: a nossa grave crise na balança de pagamentos - Blog Rodrigo Constantino/Veja - 20/02/15

Já mergulhei no tema da balança de pagamentos e dos “déficits gêmeos” (conta corrente e fiscal) algumas vezes, mas volto a ele, pois sua importância não pode ser subestimada. A metáfora que já usei e abusei ad nauseam é a de que o Brasil da última década parece uma cigarra irresponsável que ganhou um bilhete de loteria (crescimento chinês + custo baixo de capital no mundo) e gastou por conta, como se não houvesse amanhã, como se o verão fosse eterno. Estamos apenas começando a pagar a fatura.
O professor Ricardo Bergamini faz ótimas análises macroeconômicas, sempre muito embasadas em dados numéricos e rigorosa lógica. Faço parte de um grupo chamado Pensadores, formado basicamente por gaúchos (sou um dos poucos “intrusos”), que trocam mensagens sobre diversos assuntos políticos e econômicos. Hoje, o professor Bergamini nos enviou esse comentário que segue abaixo na íntegra, pois não valeria a pena resumi-lo, de tão didático que está:
Balança de PagamentosReservas cambiais
O balanço de pagamentos é composto do saldo de transações correntes que apura os movimentos correntes em moeda estrangeira de um país, tais como: exportações, importações, viagens, transportes, juros, lucros, dividendos, aluguéis de equipamentos, dentre outros, que totalizou nos 4 anos do governo Dilma um déficit da ordem de US$ 279,0 bilhões.
O outro grupo de apuração do balanço de pagamentos é o denominado de contas de capital e financeira, formado por investimentos do Brasil no exterior e do exterior no Brasil, além dos empréstimos e financiamentos do Brasil no exterior e do exterior no Brasil, que nos 4 anos do governo Dilma apresentou superávit da ordem de US$ 358,6 bilhões, gerando um saldo do balanço de pagamentos superavitário da ordem de US$ 82,4 bilhões.
Mesmo para um primário no tema é capaz de observar que algo muito errado está ocorrendo com o nosso balanço de pagamentos, ou seja: nosso comércio internacional não está se equilibrando, dependendo do fluxo financeiro e de capital para fechar. Isso quer dizer que estamos vivendo uma crise cambial de balanço de pagamentos, apesar do saldo de reservas em moeda estrangeira da ordem de US$ 363,5 bilhões apurados 31/12/14, já que a sua formação não foi conquistada pelo comércio internacional (recursos próprios), mas sim com empréstimos, financiamentos e investimentos (recursos de terceiros), vulneráveis às crises internacionais.
Em algum momento os países da Europa e os Estados Unidos, que até a presente data estão empurrando os seus graves problemas com a barriga (emitindo moeda), terão que enfrentar a realidade com medidas técnicas e conservadoras, qual seja: disciplina e austeridade fiscal. Nesse momento o fluxo de capital para o Brasil será extinto e o Brasil, mais uma vez, encerra o seu segundo sonho do falso milagre brasileiro, repetindo os mesmos erros cometidos com o falso sonho do primeiro milagre brasileiro ocorrido nos governos militares, qual seja: crescer sem poupança própria.
O professor resume bem a situação brasileira, mas ainda podemos ir mais longe. O problema não é tanto a dependência de poupança externa em si, o que até já seria preocupante pelos motivos expostos, mas sim o uso feito por essa “importação de poupança externa”. Ela serviu basicamente para financiar nosso consumo, não investimentos produtivos. Não atraímos capital para novas fábricas ou aumento de produtividade, e sim para bancar a farra do consumo público e privado fomentado por crédito.
Paulo Rabello de Castro, outro ilustre participante do grupo e ótimo economista, acrescentou os seguintes pontos:
Voce retornou com dados muito úteis e um alerta-profecia que tem tudo para acontecer. Parabéns pela contribuição. Em particular, se você abrir mais os dados de “Investimento Estrangeiro Direto” (IED) verificará algo curioso (e preocupante): boa parte não são investimentos mas “Empréstimos Intracompanhias”, ou seja, dinheiro que passeia pelas tesourarias daqui para usufruir os juros de agiotagem que praticamos. Enquanto isso, as saídas de Brasileiros na Compra de Ativos no exterior não para de crescer. É o fato mais grave a corroborar o rumo trágico desta DÉCADA ESBANJADA. Fiquemos atentos e pensemos sobre isso.
Agora já podemos pintar um quadro mais realista e, por isso mesmo, sombrio de nossa situação econômica. O Brasil gastou por conta, financiou a farra com poupança externa, e só conseguiu boiar sem afundar porque o resto do mundo mandou dinheiro especulativo para arbitrar taxa de juros, em um ambiente de baixo ou nulo retorno sobre o capital nos países desenvolvidos.
Para piorar, as reservas cambiais, que serviriam como um colchão para uma eventual crise de fuga de capitais repentina, está superestimada. O BC realizou leilões de swaps cambiais acima de cem bilhões, que ou comprometem as reservas no futuro, ou exigem a emissão de moeda nacional, algo inflacionário. Isso num cenário de inflação já acima de 7% ao ano, mesmo sem crescimento econômico.
A expressão “década esbanjada”, utilizada por Rabello de Castro, captura com perfeição o que vivemos nos últimos anos de PT no poder. O governo federal foi o grande vilão, o maior responsável por essa irresponsabilidade. Mas claro que não agiu sozinho no “crime”; contou com o apoio dos governos estaduais também.
editorial da Folha de hoje toca no assunto, usando o caso do Paraná, governado pelo tucano Beto Richa, para lembrar que o fenômeno não é unipartidário. O Rio, sob governo do PMDB, também fez uma bagunça fiscal danada, e nada se compara ao governo petista em Brasília, totalmente quebrada hoje. O jornal conclui:
Como é usual no Brasil, os cortes acabarão afetando investimentos e outros serviços que deveriam ser prestados pelo poder público. Do lado da arrecadação, governos das três esferas recorrerão a tarifaços e aumentos de impostos.
O ciclo se repete, portanto. Depois da farra eleitoreira, anos de dureza. É preciso romper essa má tradição. Modernizar a gestão orçamentária para torná-la responsável e aproximá-la das necessidades das pessoas, em todos os níveis de governo, é condição necessária para reforçar a cidadania. 
Cidadania exige responsabilidade, exatamente aquilo que faltou ao Brasil na última década. Liderados por um governo federal populista e demagogo, os políticos em geral surfaram uma onda de aumento de gastos públicos que subtraiu a capacidade de poupança doméstica. As famílias não ficaram para trás. Estimuladas por atos estatais eleitorais e de curto prazo, também se endividaram em demasia para financiar consumo imediato, reduzindo a poupança ainda mais.
País que não poupa e não investe de forma produtiva está fadado ao fracasso. Aquela ilusão de prosperidade, que fez com que o PT permanecesse no poder por tempo demais, acabou. Está chegando o dia do pagamento, do “juízo final”. E não será algo bonito de se ver…
Rodrigo Constantino