Tuesday, November 10, 2009

Anotações para uma reedição da história universal da infâmia - Blog do Augusto Nunes - 10/11/09

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10 de novembro de 2009


Em novembro de 1984, por não enxergar diferenças entre Paulo Maluf e Tancredo Neves, o Partido dos Trabalhadores optou pela abstenção no Colégio Eleitoral que escolheria o primeiro presidente civil depois do ciclo dos generais. Em janeiro de 1985, por entenderem que não se tratava de um confronto entre iguais, três parlamentares do PT ─ Airton Soares, José Eudes e Bete Mendes ─ votaram em Tancredo. Foram expulsos pela direção.

Em 1988, num discurso em Aracaju, o deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva qualificou o presidente José Sarney de “o grande ladrão da Nova República”. No mesmo ano, a bancada do PT na Constituinte rejeitou o texto da nova Constituição.

Em 1989, derrotados no primeiro turno da eleição presidencial, Ulysses Guimarães, candidato do PMDB, e Mário Covas, do PSDB, declararam que ficariam ao lado de Lula na batalha final contra Fernando Collor. Imediatamente recusado, o apoio acabou aceito por insistência dos parceiros repudiados. Num comício em frente do estádio do Pacaembu, Ulysses e Covas apareceram no palanque ao lado do candidato do PT. Foram vaiados pela plateia companheira.

Em 1993, a ex-prefeita Luiza Erundina, uma das fundadoras do partido, aceitou o convite do presidente Itamar Franco para assumir o comando de um ministério. Foi expulsa. Em 1994, ainda no governo de Itamar Franco, os parlamentares do PT lutaram com ferocidade para impedir a aprovação do Plano Real. No mesmo ano, transformaram a revogação da providencial mudança de rota na economia numa das bandeiras da campanha presidencial.

Entre o começo de janeiro de 1995 e o fim de dezembro de 2002, a bancada do PT votou contra todos os projetos, medidas e ideias encaminhados ao Legislativo pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Todos, sem exceção. Uma das propostas mais intensamente combatidas foi a que instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em janeiro de 1999, mal iniciado o segundo mandato de Fernando Henrique, o deputado Tarso Genro, em nome do PT, propôs a deposição do presidente reeleito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O lançamento da campanha com o mote “Fora FHC!” foi justificado por acusações, desacompanhadas de provas, que Tarso enfeixou num artigo publicado pela Folha de S. Paulo. Trecho: Hoje, acrescento que o presidente está pessoalmente responsabilizado por amparar um grupo fora da lei, que controla as finanças do Estado e subordina o trabalho e o capital do país ao enriquecimento ilegítimo de uns poucos. Alguns bancos lucraram em janeiro (evidentemente, por ter informações privilegiadas) US$ 1,3 bilhão, valor que não lucraram em todo o ano passado!

O que diriam Tarso, Lula e o resto da companheirada se tal acusação, perfeitamente aplicável ao atual chefe de governo, fosse subscrita por alguém do PSDB, do DEM ou do PPS? Coisa de traidor da pátria, inimigo da nação, gente que aposta no quanto pior, melhor, estariam berrando todos. “Tem gente que torce pra que tudo dê errado”, retomaria Lula a ladainha entoada há quase sete anos.

Faz sentido. Desde a ressurreição da democracia brasileira, a ação do PT oposicionista foi permanentemente orientada por sentimentos menores, miúdos, mesquinhos. É compreensível que os Altos Companheiros acreditem que todos os políticos são movidos pelo mesmo combustível de baixíssima qualidade.

Desfigurado pela metamorfose nauseante, o chefe de governo não teria sossego se o intratável chefe da oposição ainda existisse. O condutor do rebanho não tem semelhanças com o Lula do século passado, mas continua ouvindo o som dos balidos aprovadores. O caçador de gatunos hoje é padroeiro da quadrilha federal. O parlamentar que recusou a conciliação proposta por Tancredo é o presidente que se reconcilia com qualquer abjeção desfrutável. O moralizador da República presidiu e abafou o escândalo incomparável do mensalão.

Mas não admite sequer criticas formuladas sem aspereza pelo antecessor que atacava com virulência. É inveja, Lula deu de gritar agora. O espelho reflete o contrário. Nenhum homem culto prefere ser ignorante, nenhum homem educado sonha com a grosseria, gente honrada não quer conversa com delinquentes.

Lula não esquece que foi derrotado por FHC duas vezes, ambas no primeiro turno. E sabe que o vencedor nunca inveja o vencido.

Monday, November 09, 2009

Vinte anos depois - Nelson Ascher - www.dicta.com.br

Arquivado em: História incluído por dicta
Data do post: 9 de novembro de 2009
Tags: Muro de Berlim

por Nelson Ascher

Há várias maneiras de abordar os eventos de 1989, que entraram para a história como a queda do Muro de Berlim. Para começar, junto com o desmantelamento, dois anos depois, da União Soviética, eles representam o fim da Guerra Fria, o conflito que, depois da Segunda Guerra Mundial e por quase meio século, dividiu o planeta em dois blocos antagônicos. Eles apresentaram também, para quem tivesse a mente e os olhos abertos, os resultados do maior experimento de engenharia social realizado não com ratinhos de laboratório, mas com gente de verdade. Quando acompanhados de perto, eles pertencem ademais à história de cada nação, de cada uma das sociedades envolvidas. Abordados sob esses variados ângulos, os fatos nos oferecem lições diversas e complementares, um autêntico leque de narrativas que têm em comum, todas elas, a ausência de um final feliz.

A Guerra Fria, como se sabe, foi mais do que um simples embate entre dois blocos em busca da hegemonia. Desde o começo, talvez com mais cinismo entre as lideranças e com mais sinceridade e empenho entre os militantes, ela representou o conflito não só de duas visões de mundo ou de duas formas de organização sócio-política. Ela contrapôs, isto sim, duas concepções da própria natureza humana. Embora –graças a uma espécie consensual de amnésia– elas continuem existindo e se digladiando quase como se todas aquelas décadas não tivessem existido nem produzido resultados concretos, a vantagem de sua competição aberta foi justamente a de propiciar uma comparação visível e mensurável de ambas. Isto se deu porque, desde sua imposição na Rússia e, em seguida, nos países vizinhos, os partidários da engenharia social, isto é, os comunistas, fizeram previsões e promessas verificáveis a olho nu.

O adversário que, recorrendo a um termo duvidoso, reducionista e uniformizador da heterogeneidade, chamavam de capitalismo estava fadado a se autodestruir por meio de uma sequência acelerada de crises cada vez mais graves. Já o comunismo, livre de contradições internas por ter reorganizado as forças produtivas numa base racional, assegurava, se mais nada, pelo menos uma fartura material bem distribuída. Uma vez feitas, era impossível impedir que tais previsões e promessas fossem constantemente monitoradas e, quanto mais, em termos de abastança ou afluência, os países capitalistas deixavam as nações socialistas para trás, mais o comunismo se desmoralizava aos olhos de seus súditos e menos atraente ele se mostrava no mundo desenvolvido. Os resultados comparativos do milagre econômico na Europa Ocidental patentearam aos poucos, salvo para os militantes mais cegos, que o que mantinha o comunismo no poder na outra metade do continente não era qualquer opção ideológica da população, mas simplesmente os tanques soviéticos. Entre regimes que propiciavam o enriquecimento progressivo de seus cidadãos e aqueles que mal conseguiam nutrir seus súditos, não havia ideologia capaz de justificar estes últimos.

Sabe-se hoje que, durante suas décadas finais (um pouco esticadas, aliás, pela alta do petróleo que, a partir de 1973, beneficiou a Rússia), a URSS via, como possível salvação, mesmo que provisória, a incorporação, sob a forma de satélite, da Europa Ocidental a seu bloco. Foram as iniciativas defensivas de Ronald Reagan e Margareth Thatcher que tornaram essas hipóteses inviáveis e, obrigando seus rivais a aumentarem desmesuradamente seus gastos militares, culminaram com a bancarrota pacífica do sistema soviético.

Quanto aos habitantes de países como a Polônia, Hungria, Romênia, Tchecoslováquia etc., o sistema em questão, além de um tipo particularmente insuportável de opressão do indivíduo pelo estado, significou também o esmagamento de suas aspirações nacionais. Apesar de suas diferentes trajetórias mais antigas, cada qual desses países era, em 1945, uma nação relativamente nova. A Polônia que, associada à Lituânia, fora um importante reino medieval e desempenhara inclusive um papel destacado tanto na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) quanto na defesa da cristandade contra o invasor otomano, desagregara-se no final do século XVIII, quando se deu sua partilha e seus territórios foram incorporados à Rússia, Prússia e à Áustria. Foi somente após a Primeira Guerra (1914-18) que ela reapareceu como entidade unitária e independente no mapa.

Data dessa mesma época a criação seja da Tchecoslováquia, seja da Iugoslávia, ambos países multiétnicos e multilinguísticos, formados ao redor de reinos que remontavam à Idade Média: respectivamente a Boêmia e a Sérvia. No que diz respeito a ambos, o mosaico de nacionalidades que viviam desconfortavelmente juntas revelou cedo, já no entreguerras, sua inviabilidade, a qual se confirmaria com sua dissolução nos anos 90. Outras tantas tensões internas e externas marcaram a primeira tentativa de vida independente desses países. O que eles têm em comum é o fato de, situados geograficamente entre a Alemanha e a URSS, todos terem sido, de uma forma ou de outra, envolvidos na Segunda Guerra que, em seus territórios, mostrou-se muito mais selvagem e destrutiva do que na Europa Ocidental. Tal envolvimento, porém, não foi uniforme. Invadi da quase concomitantemente pela Alemanha nazista e pela URSS em 1939, a Polônia lutou contra as duas até o fim, e perdeu 20% de sua população (3 milhões de poloneses cristãos e 3 milhões de judeus). A Tchecoslováquia e a Iugoslávia se dividiram em partes diversas, algumas das quais resistiram aos alemães e outras que colaboraram com eles. A Hungria, a Romênia e a Bulgária, cada qual em maior ou menor medida, colaboraram com o 3º Reich, e o mesmo vale para parcelas significativas da população dos países bálticos.

Embora isso pareça história antiga, a verdade é que, congelando as contradições e conflitos internos desses países, o comunismo contribuiu decisivamente para que, uma vez independentes, eles retomassem suas histórias individuais do ponto onde elas foram interrompidas. Assim, eles ressurgiram em 1989 muito mais etnicamente divididos do que seus vizinhos ocidentais e com muito mais contas a acertar com a história. O caso mais grave, sem dúvida, foi o da Iugoslávia. Embora se reconheça atualmente que o principal agente de sua guerra civil nos anos 90 foi o nacionalismo sérvio manipulado por oportunistas e demagogos como Milosevic, não há razão alguma para inocentar o nacionalismo croata, nem se pode negar que os muçulmanos relativamente laicos e seculares da Bósnia aceitaram de bom-grado o apoio e a intervenção direta de fundamentalistas que ligaram, assim, aquele conflito localizado à nova conflagração global.

Vale a pena igualmente observar que os estragos decorrentes de décadas de comunismo se revelaram mais profundos e duradouros do que se esperava. Imaginava-se, em 1989, que, capitaneados pela metade oriental da Alemanha e apoiados pela (ainda então) Comunidade Européia, os ex-países socialistas logo se emparelhariam com o resto do continente. Se é verdade que o nível de vida ali melhorou substancialmente, ele segue longe do que vigora no mundo desenvolvido e, devido à relativa fragilidade das respectivas economias, nada indica que alguém nascido ainda no comunismo viva para presenciar grandes avanços. Toda a infraestrutura daquelas nações também estava tão degradada que, em muitos casos, teve que ser reconstruída do zero, tarefa que está longe de concluída. De resto, o modo de vida imposto pelo regime de partido único e a desarticulação de qualquer núcleo de sociedade civil garantiram que, quando os cidadãos recomeçassem a se organizar por conta própria, muitos o fariam segundo moldes que, em outros lugares, seriam considerados arcaicos e falidos. Há, portanto, em toda região uma pluralidade de grupos, partidos e até de milícias de extrema direita que, por seu caráter nacionalista e/ou clericalista e/ou abertamente racista (anti-cigano e antissemita), assemelham-se ao que se podia encontrar no continente 70/80 anos atrás. Não se deve tampouco omitir que, quando sem programa nem planejamento, as economias locais mais ou menos adotaram o livre mercado, os indivíduos mais bem colocados para se beneficiarem disso foram justamente os membros do antigo partido reinante. Há, consequentemente, uma coincidência entre as velhas e as novas elites bem como uma continuidade da corrupção, fatores que têm perpetuado e mesmo acentuado o cinismo do homem comum.

Nada disso, porém, significa que a situação atual não seja visivelmente superior à que prevalecia anteriormente. Na pior das hipóteses, tchecos ou eslovenos, romenos ou poloneses podem fazer as malas, vender a mobília e mudar de país, algo que lhes era proibido no antigo regime. Para os que se habituaram às fronteiras abertas, assim como para a maioria dos habitantes de um mundo caracterizado por fluxos migratórios cada vez maiores e mais intensos, isso talvez pareça um detalhe pouco significativo. Este era, no entanto, a marca registrada do sistema comunista que via –e tratava—os indivíduos como propriedade privada do estado, ou seja, do Partido, ou seja, do autocrata ou do grupúsculo de burocratas que se agregavam no Comitê Central. Para todos os efeitos –algo se constata ainda hoje em Cuba ou na Coréia do Norte—o sistema soviético não foi nem mais nem menos do que a plena reinstauração da escravatura, e nada o demonstra melhor do que o seguinte fato: a forma mais óbvia e generalizada de discordância, insatisfação e ou oposição ao regime era, não a atividade de intelectuais e dissidentes, mas a simples vontade, não raro desesperada, de emigrar, ou melhor, fugir dali. Muitos morreram tentando fazê-lo, e outros tantos amargaram anos de cadeia ou em campos de prisioneiros. Como Berlim estava dividida em duas metades, uma pertencente à Alemanha Ocidental, outra à Alemanha Oriental, ela passou a simbolizar a própria divisão do continente –e do planeta—em dois blocos definidos, afinal, menos pela oposição entre liberdade e tirania do que pela diferença entre afluência e penúria material. E foi lá que se construiu o igualmente simbólico muro cujo objetivo era não impedir uma invasão, mas, sim, bloquear a evasão, a fuga de gente que, reduzida à escravidão e privada de seus principais direitos, pertencia ao estado e ao Partido. Quanto à Iugoslávia, trata-se de um caso à parte que não é, porém, como os nostálgicos supõe, decorrência do fim do comunismo. Pelo contrário. Os elementos da guerra civil interétnica, interconfessional e intercomunitária estavam presentes desde a formação do país e já tinham se manifestado abertamente durante o conflito de 1939-45. Que, durante os mais de 40 anos que perdurou o regime da partido único, sua violência potencial não se atenuasse nem eles tivessem sido equacionados e muito menos resolvidos, é outra prova da ineficiência estrutural (e não apenas econômica) do comunismo realmente existente.

Toda uma geração cresceu e chegou à idade adulta desde 1989, e tanto os acontecimentos daquele ano quanto as esperanças que despertaram parecem extremamente remotas. Não é difícil, contudo, entender o que, naquele momento, provocou um otimismo até desmesurado. A Guerra Fria havia perdurado por quase meio século e fora travada, no mundo inteiro, entre os mais diversos países e mesmo no interior de muitos. Cada qual desses conflitos tinha raízes e motivos próprios, mas o fato de se desenrolarem no contexto de uma conflagração maior criou a ilusão de que, uma vez que esta terminasse, nada mais havia nem haveria de suficientemente grave para contrapor populações e desencadear guerras. Inspirada também na unificação de um continente –o europeu— cuja desunião deflagrara duas guerras mundiais, essa visão otimista acreditava na iminência da paz universal e depositava suas esperanças em instituições multilaterais e organismos transnacionais. Prevalecendo, à sua maneira, em parte substancial do mundo desenvolvido, sobretudo na Europa ocidental, tal otimismo impede seus adeptos de levarem a sério ameaças como a do jihadismo ou fundamentalismo islâmico e do neopopulismo autoritário de esquerda que se afirma na América Latina. O curioso é que, tendo se esquecido das origens de seu otimismo na derrota da tirania comunista, os otimistas fazem agora causa comum com os derrotados de 1989, aqueles que não tomaram o desmoronamento do bloco soviético como uma refutação de suas crenças. Talvez seja justamente por causa dessa estranha aliança que, embora até haja alguma celebração, fala-se tão pouco sobre/e se investiga menos ainda o sistema que ruiu junto com o Muro de Berlim.



Nelson Ascher é poeta, jornalista e tradutor.

Tuesday, November 03, 2009

Lula não viu - Miriam Leitão - O Globo - 03/11/09

Panorama Econômico

O presidente Lula viajou durante três dias pelas obras da transposição do Rio São Francisco. O que ele não viu? Que do total de um milhão de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) no rio, 700 mil estão degradados. A recuperação mal começou. É preciso plantar 27 milhões de mudas por ano, o Ministério da Integração prevê 1,5 milhão, 5% do necessário, mas só 200 mil estão sendo produzidas.

Conversamos com quem está trabalhando para a proteção do rio. É um desconsolo.

O que Lula não viu foi a vasta tarefa ambiental que precisa ser feita para recuperálo e protegê-lo dos impactos da obra de transposição.

As APPs — que são alto de morro, beira de rio, entorno de nascente, encostas — do São Francisco chegam a 1 milhão de hectares porque o rio é imenso e há muito tempo está mal tratado.

Dos 700 mil hectares que precisam de recuperação, metade pode ser cercada para que a vegetação nativa se recupere naturalmente, mas a outra metade exige plantio de 27 milhões de mudas por ano, de acordo com o Plano Integrado de Desenvolvimento Florestal Sustentável do São Francisco, estudo feito pela Universidade Federal de Lavras, a pedido do próprio governo.

O projeto que está sendo executado pelo Ministério da Integração Nacional prevê a produção anual de apenas 1,5 milhão de mudas, pouco mais de 5% do que seria necessário. Isso é o que está no site, porque se existe uma tarefa difícil é tirar do governo o que está sendo feito para proteger o rio. O Ministério da Integração mandou um texto no mais puro burocratês. A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) pediu as perguntas por escrito na quarta, mandou a resposta no domingo, num claro corte e cola de documento velho. Não há uma resposta compreensível.

Para o Ibama ligamos durante uma semana inteira.

Já os pesquisadores das universidades de Lavras e do Vale do São Francisco conversaram conosco. Eles acham que o número de mudas previsto no projeto do governo é insuficiente e não está sendo atingido. Estariam sendo produzidas não mais que 200 mil, menos de 1% do que precisa ser feito.

O coordenador do Centro de Referência em Recuperação de Áreas Degradadas do Alto do São Francisco, Antonio Claudio Davide, ligado à Universidade de Lavras, percorreu de helicóptero mais de 1.500 quilômetros de extensão do rio para medir a degradação e planejar o projeto de recuperação.

— Gostaria de saber onde estão esses um milhão e meio de mudas, que já seriam muito insuficientes.

Aqui no centro, estamos produzindo 70 mil mudas, que dariam para plantar cerca de 35 a 40 hectares. Precisamos cobrir 350 mil hectares! O fato é que não existe no governo a consciência da importância da recuperação dessas áreas. E sem replantio, não dá para falar na recuperação do São Francisco — explicou Davide.

Os números são tão imensos quanto a dimensão do Velho Chico: de acordo com o plano feito pela Universidade de Lavras, é preciso investir R$ 4,7 bilhões em 18 anos, somente para reflorestamento.

São R$ 2,37 bilhões para produção e plantio de mudas; R$ 1,8 bilhão para cercar áreas onde haverá regeneração natural; e o restante em infraestrutura, estudos, contratação de pessoal, treinamento. Um gasto anual de R$ 261 milhões, de 2008 a 2025.

Na avaliação de Davide, o projeto de recuperação das APPs está andando em “velocidade de carroça”. Há baixa produção de mudas; resistência de produtores rurais, que querem usar todas as áreas para agropecuária; falta de profissionais qualificados; e pior, as liberações de recursos não têm regularidade. Tem hora que o dinheiro sai, tem hora que não sai.

— O orçamento anual do meu centro é de R$ 350 mil.

Em 2008, o dinheiro veio, mas em 2009 ainda não recebi nada. O ano está perdido.

Agora em novembro, receberei R$ 200 mil, mas é para financiar o trabalho dos próximos sete meses.

Perdi mais da metade da minha equipe e agora terei que recontratar e treinar todo mundo — afirmou.

Enquanto o projeto de recuperação está nesse ritmo, as obras de transposição são exibidas como troféu de campanha eleitoral. De acordo com o 8º Balanço do PAC, de outubro de 2009, as obras do eixo Leste estão 16% concluídas e as do eixo Norte, 13,7%.

Para o coordenador do Programa de Conservação da Fauna e Flora da Universidade Federal do Vale do São Francisco, José Alves, não há garantias de que o projeto de recuperação será feito de forma correta, antes e após a conclusão das obras de transposição do rio: — Estamos trabalhando de forma isolada e os custos e os desafios da recuperação são muito grandes.

Não há continuidade nos repasses por parte do governo federal. É preciso fazer um inventário de toda a fauna e flora, e isso tem que ser feito agora. Coletar espécies raras que só existem no local, aprender a fazer a produção e o plantio das mudas, como armazenar as sementes. Do jeito que está, não temos nenhuma garantia de que depois da transposição, o projeto de recuperação será executado de forma correta — disse Alves, que coordena os estudos sobre a flora.

Isso é só para fazer uma parte do projeto de revitalização: a recuperação da vegetação. Não ocorre lá o que estava na carta de Pero Vaz: “Em se plantando, tudo dá.” É preciso fazer as mudas das espécies certas, esperar crescer, plantar na hora certa, torcer para que as chuvas venham, contar as perdas, proteger as que se firmarem. Tudo numa vasta extensão de um rio que atravessa cinco estados.

Muito precisava ser visto e feito. Abrir dois canais com a força do Exército brasileiro é a parte mais fácil.

Monday, November 02, 2009

Para onde vamos? - FHC - www.estadao.com.br de 01/11/09

Para onde vamos?

Fernando Henrique Cardoso

A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio "talvez" porque alguns estão de tal modo inebriados com "o maior espetáculo da Terra", de riqueza fácil que beneficia poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?

Só que cada pequena transgressão, cada desvio vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advém do nosso príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos.

É possível escolher ao acaso os exemplos de "pequenos assassinatos". Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal-ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira "nacionalista", pois, se o sistema atual, de concessões, fosse "entreguista", deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental numa companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?

Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do "autoritarismo popular" vai minando o espírito da democracia constitucional. Esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os "projetos de impacto" (alguns dos quais viraram "esqueletos", quer dizer, obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: "Brasil, ame-o ou deixe-o." Em pauta temos a Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no Orçamento e mínguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo Tribunal de Contas da União. Não importa, no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: "Minha Casa, Minha Vida"; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.

Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo "Brasil potência". Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU - contra a letra expressa da Constituição - vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que se tenha esquecido de acrescentar: "L"État c"est moi." Mas não se esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender o "nosso pré-sal". Está bem, tudo muito lógico.

Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no "dedaço" que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são "estrelas novas". Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.

Ora, dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil os fundos de pensão não são apenas acionistas - com a liberdade de vender e comprar em bolsas -, mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou "privatizadas". Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República