Monday, November 16, 2015

Reynaldo Rocha: Não somos sequer uma nação - Coluna do Augusto Nunes - Opinião 16/11/2015

REYNALDO ROCHA
Há uma música brasileira que é uma obra-prima e, portanto, eterna:Palhaço, do mestre de Carmo, Egberto Gismonti. Somente um gênio poderia compor uma obra tão profundamente melancólica para o que deveria ser o símbolo da alegria. Quase uma oração de angústia. O oposto do que seria um palhaço.
Estamos cansados de um país que é o contrário do que se procura imaginar que é. Não somos pacíficos. Somos inertes. Não somos democratas. Somos indiferentes. Não temos futuro. Permitimos que nos roubem até o passado.
Somos alegremente tristes. E falsos na alegria. Não rimos de nossos males por ironia. Rimos porque somos a piada. Não escolhemos líderes. Buscamos pais da pátria ou salvadores do país ─ como se existissem. Não somos cultos. Desvalorizamos a cultura. Não respeitamos pensadores, poetas, letristas, músicos, historiadores, professores, sociólogos, psicólogos, juristas ou cientistas. E devotamos uma quase adoração a quem venceu sem esforço.
Não somos homens. Somos machos. Não sabemos cuidar de crianças, com exceção das nossas. Não somos enganados. Engolimos mentiras. Não somos guerreiros. Somos índios fantasiados num eterno carnaval. Não somos capazes de demonstrar nossa indignação. Achamos que o Brasil sempre foi assim.
Não temos coragem. A prudência extrema é o outro nome da covardia. Não somos sequer uma nação. Somos um ajuntamento. E nem somos clowns, que são nobres no que fazem. Somos os Palhaços da música de Gismonti. Um povo cada dia mais triste. E que cobre com máscaras a fisionomia melancólica. Que finge que é povo. Somos uma imensa trupe de palhaços tristes no picadeiro gigantesco.

Sunday, July 19, 2015

Abaixo o povo Brasileiro - Olavo de Carvalho - Diário do Comércio, 17/07/2015

Abaixo o povo brasileiro
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 17 de julho de 2015
          

Nas discussões públicas, com milhões de assuntos entrecruzados e novos fatos sucedendo-se a cada instante, o número de indivíduos com capacidade e tempo para averiguar pessoalmente a veracidade ou falsidade últimas do que se diz é ínfimo ou nulo. Para a massa dos observadores, a noção de “verdade” está indissoluvelmente fundida com a de “confiabilidade”, portanto com a de “autoridade”: o argumentum auctoritatis – o mais fraco dos argumentos, segundo Sto. Tomás de Aquino – acaba sendo não apenas o mais usado, mas o único pelo qual a população se deixa guiar.
Portanto, para saber quais idéias serão aceitas pela população, basta averiguar o que dizem as “autoridades”. Em geral, as fontes de autoridade são duas e apenas duas:
(1)O Estado.
(2)O beautiful people: As pessoas famosas e a mídia que lhes dá a fama. Inclui-se aí a classe acadêmica.
Uma certa margem para a discussão objetiva só aparece quando essas duas fontes entram em conflito. Quando elas estão de acordo, a opinião divergente, por mais fundamentada que seja, desaparece no oceano da indiferença ou é francamente estigmatizada como sintoma de doença mental.
No Brasil, onde a mídia e a classe acadêmica dependem quase que inteiramente do Estado, este se torna a fonte única da autoridade, sua palavra o fundamento inabalável de todas as crenças. Quando a opinião pública se volta contra o governo existente, é porque este, por inabilidade ou por qualquer outra razão, relaxou o controle sobre a fonte secundária. Isso aconteceu no regime militar, na gestão Collor de Mello e agora neste final melancólico do império comunopetista.
Mesmo na vigência do conflito, no entanto, a mídia, o show business e a classe acadêmica sabem que, a longo prazo, continuam dependentes do Estado. Por isso, quando se opõem a um governo, lutam apenas por mudanças superficiais que preservam intactas as estruturas fundamentais do poder. A classe governante absorve todos os impactos e sempre encontra um modo de revertê-los em seu benefício.
Por isso é que, mesmo não sendo tão grande em termos absolutos – imaginem, somente, uma comparação com a burocracia chinesa ou cubana --, o Estado brasileiro tem um poder avassalador face à sociedade civil inerme, incapaz de organizar-se, a qual, mesmo sabendo-se roubada, ludibriada e humilhada só consegue mobilizar-se quando chamada a isso pelo beautiful people, que invariavelmente tira vantagem da situação e acaba recompondo suas boas relações com o Estado na primeira oportunidade.
Com toda a evidência, o problema do Brasil não é o tamanho do Estado, mas a fraqueza da sociedade civil, isto é, da massa que trabalha e produz. Querem maior prova disso do que o fenômeno escandaloso de um partido governante que, rejeitado e abominado por noventa e dois por cento da população, continua inabalável no seu posto e ainda se permite falar em tom ameaçador e arrogante?
É uma triste ironia que, nessa hora, mesmo os que odeiam esse partido com todas as suas forças tomem a precaução de não combatê-lo senão “pelas vias institucionais e normais”, como se as instituições, uma vez consagradas no papel, tivessem o direito de revogar a vontade popular que um dia as criou e legitimou e agora se vê esmagada sob a máquina infernal da cleptoburocracia.
O cúmulo da demência aparece quando o grito de “respeitar as instituições” vem das mesmas bocas que acabam de dizer: “As instituições estão todas aparelhadas”. É um lindo raciocínio: As instituições não são confiáveis, portanto confiemos nelas.
Fortalecer e organizar a sociedade, apelar à desobediência civil, incentivar a iniciativa extra-oficial, “ignorar o Estado” como recomendava Herbert Spencer, são ideias ante as quais essas pessoas recuam horrorizadas, preferindo antes suportar o descalabro petista por mais não sei quantas décadas do que admitir que a autoridade legítima não está em Brasília, e sim nas ruas e nas praças de todo o país.
O sistema comunolarápio não ruirá enquanto o beautiful people – no qual nós, jornalistas, nos incluímos -- não aceitar que, acima dele e acima do Estado, existe uma terceira e mais legítima fonte de autoridade: a opinião de todos, a vox populi.
Enquanto isso não acontece, o povo continua sendo sacrificado no altar do oficialismo, onde sacerdotes da infâmia repetem dia e noite o mantra sinistro:  “Viva a normalidade institucional! Abaixo o povo brasileiro!”

Friday, June 26, 2015

"Você não tem medo, Reinaldo, de que as pessoas..." Não! No dia em que eu tiver medo, paro de escrever. Ou: Renovando o mandato de mais nove - Blog do Reinaldo Azevedo, 26/06/2015 as 6:23

Recebo uma mensagem gentil de um fã antigo do blog, que pede que seu nome seja preservado, até porque não tem apelido e é pessoa conhecida.
Segundo ele, ao afirmar que não há motivos para a recente decretação de prisões preventivas, corro o risco de me “queimar”, embora ele diga estar convencido de que estou certo. Escreve: “Conversei com [cita o nome de um jurista], e ele me diz que você tem razão. Mas será que vale a pena ter razão nesse caso?”.
Vai mais longe: “Parece claro que, entre todas as empreiteiras, a Odebrecht e a OAS eram as mais próximas de Lula e do PT”. Ele usa uma imagem forte: “Parece que os empreiteiros todos estavam unidos para criar as obras monumentais do Terceiro Reich Petista, sem contar as vantagens no exterior, especialmente para o Odebrecht”.
Transcrevo um pouco mais:
“Eles [está se referindo, nesse caso, aos petistas] tentaram eliminar a oposição, censurar a imprensa e destruir reputações. Sempre em parceria com os empreiteiros. Será que estes pensaram, alguma vez, na democracia, no Estado de Direito, nas leis, nessas coisas todas que você evoca agora?”
A resposta, meu caro NM, é “não!”. Acho que não pensaram. Sim, enquanto os empreiteiros ficavam andando de braços dados com Lula pra cima e pra baixo, os agentes do petralhismo se encarregavam de destruir reputações por aqui — e eu sempre fui um dos alvos prediletos dessa gente. E sou ainda. Lula chegou a me premiar com uma citação no V Congresso do PT.
Eu posso ir mais longe: se o modelo petista não tivesse feito água e se a sociedade brasileira não tivesse reagido, pondo um freio aos celerados, não teriam sido os empreiteiros, como estamos vendo, a acender uma vela pela sobrevivência da democracia. Eu não tenho nenhuma ilusão a esse respeito. Nem sobre eles nem sobre comandantes de outros setores da economia, igualmente mesmerizados pelo lulo-petismo e igualmente bem-sucedidos em obter vantagens do estado, pagando caro por isso, mas sendo, por sua vez, muito bem remunerados.
A penúria intelectual das elites econômicas no Brasil merece um estudo. O discurso mais anticapitalista que já ouvi saiu da boca de um empresário multimilionário. Pior: no caso em questão, nem era por pragmatismo cúpido. Era por falta de clareza mesmo.
E não, NM, eu não tenho vocação para Madre Tereza de Calcutá. Não estou agora querendo posar de mártir compreensivo, que estende a mão a quem andou errado. O meu cristianismo não se mistura com cimento e concreto armado. O meu ponto, neste blog, ao longo de nove anos, tem sido outro. Não mudei.
Eu não acredito em saídas fora das leis democraticamente pactuadas, nem que seja para “pegar” meus adversários ou inimigos — julgo não tê-los, mas não posso falar pelos outros. Eu não estou fazendo juízo político das ações do sr. Marcelo Odebrecht, dos demais representantes da sua empresa ou dos diretores da Andrade Gutierrez. E o mesmo valeu para os envolvidos das demais empreiteiras — defendi habeas corpus para eles também.
Estou me referindo é ao conjunto de leis democraticamente pactuadas, fora das quais não há saída. E, se saída parecer, é só um engano porque o processo acaba resultando em anulação, como já se viu outras vezes.
Eu não posso entender, como faz o juiz Sergio Moro, que se cogite de não decretar a prisão preventiva de alguém desde que a empresa à qual ele pertenceu rompa todos os seus contratos com o governo. Não condescendo porque a) isso não está na lei; b) abarcaria também contratos que não estão sob suspeição. Não tenho como aceitar, sem escrever a respeito, que se mande alguém para a cadeia, entre outros motivos alegados — e nenhum de acordo com o Artigo 312 do Código de Processo Penal —, porque o governo não tornou inidônea a empresa de que ele é dono.
Uma investigação que se quer tão rigorosa e conscienciosa, como é a Lava Jato, certamente não precisa recorrer a subterfúgios e atalhos extralegais para, ao fim do processo, punir os culpados.
Sim, eu me preocupo com esse momento por que passa o país. Dia desses, li a entrevista de um procurador ligado a essa operação que pregava nada menos do que a refundação da República. Ele me parecia, assim, aquele Lula lá da década de 80… Digamos que precisemos disso: espero que o Ministério Público não queira ser o Robespierre dessa narrativa.
Ademais, meu queridíssimo NM, eu realmente não me importo, acredite, com o que vão pensar este ou aquele. Tenho a graça — creio que seja fruto do meu trabalho — de escrever apenas e tão-somente o que penso. Se, como diz você, os empreiteiros ora enrolados eram os construtores do “Terceiro Reich Petista”, que, então, paguem por isso, na medida do crime cometido, de acordo com a lei.
Eu não entrego a nenhum ente deste mundo o poder de aplicar as leis segundo a sua conveniência ou a do suposto bem coletivo, quando essa aplicação fere os códigos que as abrigam. E também não delego essa tarefa ao Ente Superior, que tem mais com o que se ocupar.
De resto, mesmo para “pegar o Lula”, há que ser de acordo com a lei. Até porque uma das coisas que mais me causam horror nos “petralhas” é seu absoluto desprezo pelas instituições. EU HONRO A MEMÓRIA DO MEU BLOG. EU HONRO O MEU ARQUIVO.
Essa sempre foi a minha escolha em nove anos de blog. Essa será a minha escolha nos próximos nove. E por mais nove seria não fosse para tão clara certeza tão curta a vida.
Texto publicado originalmente às 22h39 desta quarta
Por Reinaldo Azevedo
(grifos do Blog)

Thursday, March 12, 2015

Golpe de jiu-jitsu - Publicado no blog Vespeiro - www.vespeiro.com, em 28 de fevereiro de 2015

28 de fevereiro de 2015 § 34 Comentários
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Artigo para O Estado de S. Paulo de 28/2/2015
Não ha explosões nem rupturas. Não ha socos nem chutes fulminantes, à Anderson Silva. Golpe, hoje, é de jiu-jitsu. A luta é no chão, lenta e sufocante como aperto de cobra. Nada de muito espetacular acontece. Persistente, insidiosa e inexoravemente, os braços e pernas da cidadania no Legislativo e no Judiciário, vão sendo agarrados, torcidos, imobilizados; o país vai parando, exausto, e o estrangulamento econômico é que leva aos tres tapinhas no final.
É esse o script bolivariano. Depois vem o caos…
Mas em países da pujança e da complexidade do Brasil o buraco é mais embaixo. Tiroteio no morro é sempre impressionante mas diz pouco sobre o que rola no alto comando do crime organizado. Com o “petrolão” acontece coisa parecida. Se quiser saber onde é que essas guerras realmente são decididas, siga o dinheiro.
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A “caixa preta” do BNDES e dos fundos de pensão estatais está para o “petrolão” como o armamento nuclear está para as armas convencionais na guerra pela construção do “Reich de Mil Anos” do PT. Luciano Coutinho é a Dilma competente. O “true believer” que sabe o que faz. Mas por tras de tudo e por cima de todos paira Luis Ignácio Lula da Silva, o que não acredita em nada. A este, com seu faro e instinto fulminantes para o poder, não custou um átimo entender o potencial que tinha o fascínio do doutor Coutinho pelo sistema coreano dos Chaebol. “Aparelhar” esse fascínio foi brincadeira para o nosso insuperável virtuose na arte de servir doses cavalares de dinheiro para os ricos e de mentiras para os pobres enquanto atiça uns contra os outros e é amado por ambos, arte em que se iniciou, já lá vão 40 anos, frequentando a ponta da ponta do capitalismo cínico de seu tempo, aquele sem pátria das multinacionais automobilísticas do ABC paulista. Foi ali que ele aprendeu a comprar pequenos privilégios para a clientela dos metalúrgicos que o mantinha na linha de frente do jogo do poder a custa de garantir lucro fácil às multinacionais pondo o resto do Brasil andando de carroça paga a preço de Rolls Royce. Foi ali que ele entendeu a força que o dinheiro tem, a resiliência dos laços que ele cria e a conveniente característica de moto contínuo que os esquemas amarrados com ele engendram, realimentados pela corrupção e pela miséria que eles próprios fabricam.
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Do esquema coreano de “empresas-mãe” recheadas de dinheiro do estado entregues a um indivíduo ou a uma família, cercadas de pequenas “empresas-satélites” amarradas a elas pelo elo pétreo da sobrevivência econômica nasceu a versão macunaímica dos “campeões nacionais” do BNDES e dos fundos de pensão estatais dos quais hoje dependem cada vez mais o fornecimento de todos os insumos e a absorção de toda a produção – e portanto todos os empregos – da vasta periferia da economia que orbita esses ungidos do estado petista.
A diferença está em que se na Coréia a explosão da corrupção e a instrumentalização política da relação de dependência inerente aos monopólios de que até hoje, apesar do nível de educação conquistado por seu povo, aquele país não consegue se livrar, foi o corolário indesejável de uma vasta operação para criar a partir do zero um país e uma economia devastados pela guerra, aqui a trajetória foi exatamente a inversa. O PT não pensa no Brasil, o PT pensa no PT. Aqui, tudo começou para dotar um partido político de condições de impor sua hegemonia com o recurso à corrupção elevada à categoria de moeda institucionalizada de compra de poder e à criação de elos de completa dependência a monopólios politicamente manipuláveis de vastas áreas de uma economia pujante mas diversificada demais para o gosto de quem sonha com sociedades inteiras dizendo amém a um chefe incontestável que não desce nunca do trono.
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É essa segunda parte que decide o jogo e o resultado parcial está aí. Com pouquíssimas exceções, não ha mais força econômica de qualquer relevância fora do “esquema”. Só um rei e seus barões; tanto mais “relativos” estes quanto mais aquele se tornar “absoluto”. E se o agronegócio, calcanhar de Aquiles dos totalitários do passado, foi exceção por algum tempo, esse tempo passou. O universo da proteína animal, “chaebolizado” tornou-se galático; o da bioenergia, garroteado pelo golpe da “gasolina barata”, ou se multinacionalizou, ou não vive mais sem as veias pinçadas na UTI do governo. Eficiência empresarial? Esta “commodity” hoje compra-se. Os grandes “tycoons” do “setor privado” brasileiro que continuam voando em seus jatões cada vez mais obscenos são só os CEO’s a soldo de uma economia estatizada, ainda que vestindo roupas civis e não mais a farda militar de outrora.
Dilma Rousseff é um acidente de percurso. O “poste” plantado para ocupar o buraco que começou a acreditar que era ela que tinha sido eleita e quase pôs tudo a perder. Talvez ainda consiga, a prosseguir o patológico desemparelhamento entre seu discurso e a realidade. Mas já não é só nisso que se constitui o “pântano brasileiro” descrito pela Economist. O que está paralisando o Brasil é o PT real sem a anestesia chinesa, apenas acrescentado de extensas áreas de grave irritação cutânea provocada pela irrefreável pesporrência de madame.
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Para que os brasileiros enxerguem com clareza de onde é que isso tudo vem vindo e disponham do mínimo necessário para opinar sobre o destino que lhe querem impor antes que seja tarde a imprensa terá de tirar o bisturi da gaveta, lancetar com suas próprias mãos o abcesso que corrói o país por baixo dos “campeões nacionais” e fazer muito barulho para chamar a atenção de todos para ele. Os membros do exclusivíssimo clube dos “campeões” do BNDES, balofos e engurgitados de dinheiro público, almoçam e jantam diariamente em Palácio onde todos se dão tapinhas amistosos nas costas. Ali ninguém vai atirar em ninguém, não haverá prisões nem delações premiadas e jamais nos será “dado acesso” ao câncer que ha por baixo da ferida que, com todo mundo hipnotizado pelo tiroteio do “petrolão”, o país ainda mal vê.
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Wednesday, March 11, 2015

O Estado, a mulher, o sofá e o pato - Publicado no Blog de Rodrigo Constantino em 15/03/12

Por Igor Wildmann, publicado no Instituto Liberal
Como advogado e como cidadão, venho observando que a atuação do Estado brasileiro lembra aquela velha piada da mulher e do sofá: o marido, ausente e omisso, chega em casa e depara-se com sua mulher, nua, no sofá, nos braços de outro. Pasmo e inerte no ato, o marido passa alguns dias a refletir e finalmente toca o sofá para fora de casa, chamando os amigos e lavando publicamente sua honra ao atear fogo, com grande alarde, na “mobília maldita”. A analogia me tem vindo à cachola várias vezes que vejo a forma de o Estado brasileiro lidar com problemas:
a) A taxa anual de homicídios é estratosférica: faz-se uma campanha de desarmamento, incentivando os cidadãos a entregar suas armas. Cria-se lei dura, praticamente inviabilizando ao cidadão pacato o acesso a armas de fogo para a defesa pessoal. Enquanto isso, nas “comunidades”, o crime organizado exibe ostensiva e impunemente suas AK-47, AR-15 e etc., como símbolos de poder e status perante os moradores, impotentes e resignados. Os indivíduos de bem, na favela ou “no asfalto” pagam o pato.
b) Há ondas de assaltos em portas de bancos. Um estado da federação, ao invés de providenciar a prisão das quadrilhas de larápios, edita lei proibindo os clientes de falar ao celular dentro das agências. Os bandidos continuam soltos. E o cidadão comum, horas na fila do banco, paga o pato.
c) A taxa de acidentes automobilísticos é altíssima, em virtude, não se pode ignorar, do estado de conservação vergonhoso das estradas ou da fiscalização deficiente. O que se faz? Criam-se leis com um rigor absurdo, que podem transformar o cidadão médio e pacato em criminoso, caso ele tenha dirigido após comer um bombom de licor, lavar a boca com enxaguante bucal ou tomado uma – e só uma – taça de vinho, coisa que, venhamos e convenhamos, é distinta de “dirigir embriagado.
d) Hordas de dependentes de crack em determinados pontos, completamente escravizados por seu vício, muitos visivelmente fora de equilíbrio emocional, molestando ou furtando os transeuntes. O Estado, inerte perante o problema, resolve conceder-lhes “bolsa” em dinheiro, recurso este que, obviamente converte-se em aumento da liquidez das “Cracolândias”, com consequente majoração do preço das drogas. Os traficantes agradecem. O cidadão médio paga a conta e paga o pato.
e) Crianças aos montes mendigando nos sinais, à vista de todos, a maioria delas visivelmente exploradas por seus pais ou por um adulto qualquer. Crianças e adolescentes aderindo ao tráfico de drogas. Crianças sendo exploradas e se prostituindo. E o Estado, além de muita propaganda, cria uma lei que transforma em bandidos os pais que derem um bom puxão de orelhas num moleque pirracento ou num “aborrecente crisento” e carente de limites. Os pais que se preocupam em transformar seus filhos em seres humanos decentes pagam o pato.
f) O trânsito está cada vez mais caótico nas cidades e curiosamente, os metrôs nunca saem do papel ou das boas intenções. No entanto, já há uma prefeitura com brilhante projeto para tal problema: “proibir a construção de prédios novos com mais de uma vaga de garagem (sim, é sério, esse projeto existe!) e coibir ao máximo a abertura de estacionamentos nas regiões centrais. O Estado não faz o dever de casa. E joga a conta nas costas do cidadão médio que, claro, paga o pato.
g) Vários dos auto-proclamados “movimentos sociais” promovem invasões e depredações em terras alheias. Num caso, vi incêndio provocado por “desconhecidos”, que acampavam às margens de uma propriedade rural. (Os líderes desses movimentos dificilmente se identificam). O que fez o Estado? Incapaz de proporcionar segurança pública e estabilidade nas relações jurídicas, autuou o proprietário por delito ambiental. O mesmo foi reclamar do fato. Os órgãos ambientais criaram uma caça a “irregularidades” burocráticas, até se criar pretexto para autuar e multar o proprietário, que ao fim, pagou o pato.
h) O Estado brasileiro criou, em junho do ano 2000, a Agência Nacional de Águas (ANA), que em seu site proclama como sua missão“implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso a água, promovendo seu uso sustentável em benefício das atuais e futuras gerações”.  Suponho que isso incluiria a gestão dos recursos hídricos, com vários dos métodos hoje existentes: captação e reaproveitamento de água de chuvas, diminuição do desperdício nas redes de distribuição dos próprios órgãos fornecedores, despoluição de bacias, incentivos fiscais à utilização de meios mais racionais para irrigação agrícola, fiscalização realmente rigorosa em relação às minerações próximas a nascentes, etc. Mas quinze anos se passaram desde a criação do órgão (e dos seus correspondentes estaduais) e o que vem ocorrendo é que, mesmo estando o Brasil assentado sobre uma das maiores – senão a maior – reserva hídrica do mundo, o Estado, junto com seus arautos da “patota consciente”, quer nos convencer que são o meu e o seu banho, leitor, os responsáveis por uma espécie de apocalipse hídrico que se avizinha.  Daí o “Leviatã” entra em cena para aumentar a conta de água, avizinhando-se o dia em que irá multar o cidadão por escovar os dentes com a torneira aberta. Água existe. Faltou a gestão. E, seja pelo desabastecimento, seja pelo aumento da conta ou pela a cantilena contra “o monstro que tem piscina em casa” (ou que se refresca com mangueiras na laje nos dias de calor), o cidadão comum paga o pato.
Percebam que há um “modus operandi” por trás de cada um desses exemplos: o Estado não faz o seu dever de casa. E, em face de cada um dos problemas, faz o que é mais fácil e conveniente, não sem antes provocar um escarcéu na imprensa, sempre com campanhas politicamente corretas apoiadas por artistas e outros “useful idiots” bem intencionados: joga o ônus de sua omissão nas costas do cidadão médio, daquele indivíduo identificável, com CPF e endereço certos. O Estado se comporta como o marido da piada: omisso, leniente, míope. A mulher da piada representa o dever que ele não cumpre. O outro, o “amante”, os problemas que não enfrenta. Os amigos que assistem à queima do sofá são os artistas e auto-proclamados “conscientes”, aboletados no seu conforto e na sua vaidade de se pretenderem moralmente superiores, com seus slogans prontos e rasos e sua auto-ilusão messiânica. (Afinal de contas, estão “salvando o mundo,” criando “uma nova sociedade”.)
E o sofá jogado fora e incendiado, com alarde, é o cidadão médio comum, identificável, com endereço certo, com CPF. Aquele que trabalha, que quer que suas crianças durmam cedo e comam frutas, que quer juntar algum dinheiro para sua velhice, que quer segurança e respeita a polícia e o Estado, que se preocupa com as contas e com os impostos, que acha feio jogar papel nas ruas, que tem medo de bandido.
Aquele que, com todos os seus defeitos, neuroses e pecadilhos, preocupa-se em cumprir as leis. Aquele que, ao final, paga o pato. Sinto informar, mas o sofá somos eu e você. Pensando bem, o pato também.

Monday, February 23, 2015

A década esbanjada: a nossa grave crise na balança de pagamentos - Blog Rodrigo Constantino/Veja - 20/02/15

Já mergulhei no tema da balança de pagamentos e dos “déficits gêmeos” (conta corrente e fiscal) algumas vezes, mas volto a ele, pois sua importância não pode ser subestimada. A metáfora que já usei e abusei ad nauseam é a de que o Brasil da última década parece uma cigarra irresponsável que ganhou um bilhete de loteria (crescimento chinês + custo baixo de capital no mundo) e gastou por conta, como se não houvesse amanhã, como se o verão fosse eterno. Estamos apenas começando a pagar a fatura.
O professor Ricardo Bergamini faz ótimas análises macroeconômicas, sempre muito embasadas em dados numéricos e rigorosa lógica. Faço parte de um grupo chamado Pensadores, formado basicamente por gaúchos (sou um dos poucos “intrusos”), que trocam mensagens sobre diversos assuntos políticos e econômicos. Hoje, o professor Bergamini nos enviou esse comentário que segue abaixo na íntegra, pois não valeria a pena resumi-lo, de tão didático que está:
Balança de PagamentosReservas cambiais
O balanço de pagamentos é composto do saldo de transações correntes que apura os movimentos correntes em moeda estrangeira de um país, tais como: exportações, importações, viagens, transportes, juros, lucros, dividendos, aluguéis de equipamentos, dentre outros, que totalizou nos 4 anos do governo Dilma um déficit da ordem de US$ 279,0 bilhões.
O outro grupo de apuração do balanço de pagamentos é o denominado de contas de capital e financeira, formado por investimentos do Brasil no exterior e do exterior no Brasil, além dos empréstimos e financiamentos do Brasil no exterior e do exterior no Brasil, que nos 4 anos do governo Dilma apresentou superávit da ordem de US$ 358,6 bilhões, gerando um saldo do balanço de pagamentos superavitário da ordem de US$ 82,4 bilhões.
Mesmo para um primário no tema é capaz de observar que algo muito errado está ocorrendo com o nosso balanço de pagamentos, ou seja: nosso comércio internacional não está se equilibrando, dependendo do fluxo financeiro e de capital para fechar. Isso quer dizer que estamos vivendo uma crise cambial de balanço de pagamentos, apesar do saldo de reservas em moeda estrangeira da ordem de US$ 363,5 bilhões apurados 31/12/14, já que a sua formação não foi conquistada pelo comércio internacional (recursos próprios), mas sim com empréstimos, financiamentos e investimentos (recursos de terceiros), vulneráveis às crises internacionais.
Em algum momento os países da Europa e os Estados Unidos, que até a presente data estão empurrando os seus graves problemas com a barriga (emitindo moeda), terão que enfrentar a realidade com medidas técnicas e conservadoras, qual seja: disciplina e austeridade fiscal. Nesse momento o fluxo de capital para o Brasil será extinto e o Brasil, mais uma vez, encerra o seu segundo sonho do falso milagre brasileiro, repetindo os mesmos erros cometidos com o falso sonho do primeiro milagre brasileiro ocorrido nos governos militares, qual seja: crescer sem poupança própria.
O professor resume bem a situação brasileira, mas ainda podemos ir mais longe. O problema não é tanto a dependência de poupança externa em si, o que até já seria preocupante pelos motivos expostos, mas sim o uso feito por essa “importação de poupança externa”. Ela serviu basicamente para financiar nosso consumo, não investimentos produtivos. Não atraímos capital para novas fábricas ou aumento de produtividade, e sim para bancar a farra do consumo público e privado fomentado por crédito.
Paulo Rabello de Castro, outro ilustre participante do grupo e ótimo economista, acrescentou os seguintes pontos:
Voce retornou com dados muito úteis e um alerta-profecia que tem tudo para acontecer. Parabéns pela contribuição. Em particular, se você abrir mais os dados de “Investimento Estrangeiro Direto” (IED) verificará algo curioso (e preocupante): boa parte não são investimentos mas “Empréstimos Intracompanhias”, ou seja, dinheiro que passeia pelas tesourarias daqui para usufruir os juros de agiotagem que praticamos. Enquanto isso, as saídas de Brasileiros na Compra de Ativos no exterior não para de crescer. É o fato mais grave a corroborar o rumo trágico desta DÉCADA ESBANJADA. Fiquemos atentos e pensemos sobre isso.
Agora já podemos pintar um quadro mais realista e, por isso mesmo, sombrio de nossa situação econômica. O Brasil gastou por conta, financiou a farra com poupança externa, e só conseguiu boiar sem afundar porque o resto do mundo mandou dinheiro especulativo para arbitrar taxa de juros, em um ambiente de baixo ou nulo retorno sobre o capital nos países desenvolvidos.
Para piorar, as reservas cambiais, que serviriam como um colchão para uma eventual crise de fuga de capitais repentina, está superestimada. O BC realizou leilões de swaps cambiais acima de cem bilhões, que ou comprometem as reservas no futuro, ou exigem a emissão de moeda nacional, algo inflacionário. Isso num cenário de inflação já acima de 7% ao ano, mesmo sem crescimento econômico.
A expressão “década esbanjada”, utilizada por Rabello de Castro, captura com perfeição o que vivemos nos últimos anos de PT no poder. O governo federal foi o grande vilão, o maior responsável por essa irresponsabilidade. Mas claro que não agiu sozinho no “crime”; contou com o apoio dos governos estaduais também.
editorial da Folha de hoje toca no assunto, usando o caso do Paraná, governado pelo tucano Beto Richa, para lembrar que o fenômeno não é unipartidário. O Rio, sob governo do PMDB, também fez uma bagunça fiscal danada, e nada se compara ao governo petista em Brasília, totalmente quebrada hoje. O jornal conclui:
Como é usual no Brasil, os cortes acabarão afetando investimentos e outros serviços que deveriam ser prestados pelo poder público. Do lado da arrecadação, governos das três esferas recorrerão a tarifaços e aumentos de impostos.
O ciclo se repete, portanto. Depois da farra eleitoreira, anos de dureza. É preciso romper essa má tradição. Modernizar a gestão orçamentária para torná-la responsável e aproximá-la das necessidades das pessoas, em todos os níveis de governo, é condição necessária para reforçar a cidadania. 
Cidadania exige responsabilidade, exatamente aquilo que faltou ao Brasil na última década. Liderados por um governo federal populista e demagogo, os políticos em geral surfaram uma onda de aumento de gastos públicos que subtraiu a capacidade de poupança doméstica. As famílias não ficaram para trás. Estimuladas por atos estatais eleitorais e de curto prazo, também se endividaram em demasia para financiar consumo imediato, reduzindo a poupança ainda mais.
País que não poupa e não investe de forma produtiva está fadado ao fracasso. Aquela ilusão de prosperidade, que fez com que o PT permanecesse no poder por tempo demais, acabou. Está chegando o dia do pagamento, do “juízo final”. E não será algo bonito de se ver…
Rodrigo Constantino