Wednesday, December 24, 2008

Que Deus é este? - Revista Veja edição 2092 - 24/12/2008

Especial Artigo Reinaldo Azevedo
Que Deus é este?

"Em Auschwitz, no Gulag ou em Darfur, vê-se, sem dúvida,
a dimensão trágica da liberdade: a escolha do Mal. E isso
quer dizer, sim, a renúncia a Deus. Mas também se
assiste à dramática renúncia ao homem"


Boa parte das nações e dos homens celebra, nesta semana, o nascimento do Cristo, e uma vez mais nos perguntamos, e o faremos eternidade afora: qual é o lugar de Deus num mundo de iniqüidades? Até quando há de permitir tamanha luta entre o Bem e o Mal? Até Ele fechou os olhos diante das vítimas do nazismo em Auschwitz, dos soviéticos que pereceram no Gulag, da fome dizimando milhões depois da revolução chinesa? E hoje, "Senhor Deus dos Desgraçados" (como O chamou o poeta Castro Alves)? Darfur, a África Subsaariana, o Oriente Médio... Então não vê o triunfo do horror, da morte e da fúria? Por que um Deus inerme, se é mesmo Deus, diante das "espectrais procissões de braços estendidos", como escreveu Carlos Drummond de Andrade? Que Deus é este, olímpico também diante dos indivíduos? Olhemos a tristeza dos becos escuros e sujos do mundo, onde um homem acaba de fechar os olhos pela última vez, levando estampada na retina a imagem de seu sonho – pequenino e, ainda assim, frustrado...

Até quando haveremos de honrá-Lo com nossa dor, com nossas chagas, com nosso sofrimento? Até quando pessoas miseráveis, anônimas, rejeitadas até pela morte, murcharão aos poucos na sua insignificância, fazendo o inventário de suas pequenas solidões, colecionando tudo o que não têm – e o que é pior: nem se revoltam? Se Ele realmente nos criou, por que nos fez essa coisa tão lastimável como espécie e como espécimes? Se ao menos tirasse de nosso coração os anseios, os desejos, para que aprendêssemos a ser pedra, a ser árvore, a ser bicho entre bichos... Mas nem isso. Somos uns macacos pelados, plenos de fúrias e delicadezas (e estas nos doem mais do que aquelas), a vagar com a cruz nos ombros e a memória em carne viva. Se a nossa alma é mesmo imortal, por que lamentamos tanto a morte, como observou o latino Lucrécio (séc. I a.C.)? Se há um Deus, por que Ele não nos dá tudo aquilo que um mundo sem Deus nos sonega?
Galeria Doria Pamphilj/divulgação

Vida e arte
As cenas das mulheres de Darfur fugindo
com suas crianças, empurradas pela barbárie,
remetem, é inevitável, à fuga de Maria e do
Menino Jesus para o Egito, retratada por Caravaggio (1571-1610)

Evito, leitor, tratar aqui do mistério da fé, que poderia, sim, responder a algumas perplexidades. O que me interessa neste texto é a mensagem do Cristo como uma ética entre pessoas, povos e até religiões. Não pretendo, com isso, solapar a dimensão mística do Salvador, mas dar relevo a sua dimensão humana. O cristianismo é o inequívoco fundador do humanismo moderno porque é o criador do homem universal, de quem nada se exigia de prévio para reivindicar a condição de filho de Deus e irmão dos demais homens. É o fundamento religioso do que, no mundo laico, é o princípio da democracia contemporânea. Não por acaso, a chamada "civilização ocidental" é entendida, nos seus valores essenciais, como "democrática" e "cristã". Isso tudo é história, não gosto ou crença.

Falo das iniqüidades porque é com elas que se costuma contrastar a eventual existência de uma ordem divina. Segundo essa perspectiva, se o Mal subsiste, então não pode haver um Deus, que só seria compatível com o Bem perpétuo. Ocorre que isso tiraria dos nossos ombros o peso das escolhas, a responsabilidade do discernimento, a necessidade de uma ética. Nesse caso, o homem só seria viável se isolado no Paraíso, imerso numa natureza necessariamente benfazeja e generosa. O cristianismo – assim como as demais religiões (e também a ciência) – existe é no mundo das imperfeições, no mundo dos homens. Contestar a existência de Deus segundo esses termos corresponde a acenar para uma felicidade perpétua só possível num tempo mítico. E as religiões são histórias encarnadas, humanas.

Em Auschwitz, no Gulag ou em Darfur, vê-se, sem dúvida, a dimensão trágica da liberdade: a escolha do Mal. E isso quer dizer, sim, a renúncia a Deus. Mas também se assiste à dramática renúncia ao homem. Esperavam talvez que se dissesse aqui que o Mal Absoluto decorre da deposição da Cruz em favor de alguma outra crença ou convicção. A piedade cristã certamente se ausentou de todos esses palcos da barbárie. Mas, com ela, entrou em falência a Razão, humana e salvadora.

Fé e Razão são categorias opostas, mas nasceram ao mesmo tempo e de um mesmo esforço: entender o mundo, estabelecendo uma hierarquia de valores que possa ser por todos interiorizada. As cenas das mulheres de Darfur fugindo com suas crianças, empurradas pela barbárie, remetem, é inevitável, à fuga de Maria e do Menino Jesus para o Egito, retratada por Caravaggio (1571-1610) na imagem que ilustra este texto – o carpinteiro José segura a partitura para o anjo. As representações dessa passagem, pouco importam pintor ou escola, nunca são tristes (esta vem até com música), ainda que se conheça o desfecho da história. É o cuidado materno, símbolo praticamente universal do amor de salvação, sobrepondo-se à violência irracional que o persegue.

Nazismo, comunismo, tribalismos contemporâneos tornados ideologias... São movimentos, cada um praticando o horror a seu próprio modo, que destruíram e que destroem, sem dúvida, a autoridade divina. Mas nenhum deles triunfou sem a destruição, também, da autoridade humana, subvertendo os valores da Razão (afinal, acreditamos que ela busca o Bem) e, para os cristãos, a santidade da vida. Todas as irrupções revolucionárias destruíram os valores que as animaram, como Saturno engolindo os próprios filhos. O progresso está com os que conservam o mundo, reformando-o.

Pedem-me que prove que um mundo com Deus é melhor do que um mundo sem Deus? Se nos pedissem, observou Chesterton (1874-1936), pensador católico inglês, para provar que a civilização é melhor do que a selvageria, olharíamos ao redor um tanto desesperados e conseguiríamos, no máximo, ser estupidamente parciais e reducionistas: "Ah, na civilização, há livros, estantes, computador..." Querem ver? "Prove, articulista, que o estado de direito, que segue os ritos processuais, é mais justo do que os tribunais populares." E haveria uma grande chance de a civilização do estado de direito parecer mais ineficiente, mais fraca, do que a barbárie do tribunal popular. Há casos em que é mais fácil exibir cabeças do que provas. A convicção plena, às vezes, é um tanto desamparada.

Este artigo não trata do mistério da fé, mas da força da esperança, que é o cerne da mensagem cristã, como queria o apóstolo Paulo: "É na esperança que somos salvos". O que ganha quem se esforça para roubá-la do homem, fale em nome da Razão, da Natureza ou de algum outro Ente maiúsculo qualquer? E trato da esperança nos dois sentidos possíveis da palavra: o que tenta despertar os homens para a fraternidade universal, com todas as suas implicações morais, e o que acena para a vida eterna. O ladrão de esperanças não leva nada que lhe seja útil e ainda nos torna mais pobres de anseios.

O cristianismo já foi acusado de morbidamente triste, avesso à felicidade e ao prazer de viver, e também de ópio das massas, cobrindo a realidade com o véu de uma fantasia conformista, que as impedia de ver a verdade. Ao pregar o perdão, dizem, é filosofia da tibieza; ao reafirmar a autoridade divina, acusam, é autoritário. Pouco afeito à subversão da autoridade humana, apontam seu servilismo; ao acenar com o reino de Deus, sua ambição desmedida. Em meio a tantos opostos, subsiste como uma promessa, mas também como disciplina vivida, que não foge à luta.

Precisamos do Cristo não porque os homens se esquecem de ter fé, mas porque, com freqüência, eles abandonam a Razão e cedem ao horror. Sem essa certeza, Darfur – a guerra do forte contra o indefeso, da criança contra o fuzil, do bruto contra a mulher –, uma tragédia que o mundo ignora, seria ainda mais insuportável.

Sunday, December 21, 2008

Um bom editorial da Folha sobre a compra da BrT pela Oi - Blog do Reinaldo Azevedo - 21/12/2008

Vocês conhecem a minha síntese sobre a compra da Brasil Telecom pela Oi: nas democracias, os negócios se fazem de acordo com as leis; nas repúblicas bananeiras, fazem-se as leis de acordo com os negócios. Pois bem: a Folha trata do assunto, hoje, em editorial. Ah, sim: Daniel Dantas era um dos grandes interessados nessa fusão, que vai lhe render uns R$ 2 bilhões. E, desta vez, algumas ratazanas não guincharam. Vocês sabem: a moral dessa canalha não resiste ao caixa...
*
O governo Lula fez o que já se esperava. Atendeu aos interesses de uma das empresas que mais doaram recursos para a campanha presidencial de 2006, a Andrade Gutierrez, e criou um virtual oligopólio nos serviços de telefonia em todos os Estados do país, com exceção de São Paulo.
Não foi fácil. Muita "vontade política", para falar como o presidente, se fez necessária para impor aos consumidores brasileiros a compra da operadora Brasil Telecom pela Oi, que tem a Andrade Gutierrez como uma de suas principais controladoras.
Havia a lei. Foi alterada. Era preciso dinheiro público. Foi concedido. Surgiram focos de resistência entre os membros da agência que regula o setor, a Anatel. Nomeou-se uma personalidade sem experiência na área para aprovar a fusão. O Tribunal de Contas da União estranhou o negócio. Opiniões foram mudadas -em questão de 24 horas.
Os interessados tinham pressa. Se a compra não fosse aprovada até hoje, a Oi teria de pagar uma multa contratual de R$ 490 milhões à Brasil Telecom. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, resolveu então levar ao pé da letra as suas atribuições. Comunicou-se. E foi assim que, depois de uma conversa com o ministro do TCU que resistia à operação, dificuldades de última hora foram superadas.
A Oi se livrou assim do incômodo de pagar R$ 490 milhões e pode celebrar o que, mesmo a olho nu, parece ter constituído um excelente negócio.
Já o contribuinte brasileiro não recebe maiores satisfações pelo fato de que muito mais dinheiro foi injetado pelo BNDES e pelo Banco do Brasil para possibilitar a transação. Do BNDES vieram R$ 2,6 bilhões. Do Banco do Brasil, R$ 4,3 bilhões. Fundos de pensão de estatais também foram convocados a participar da transação, cujo valor total se estima em R$ 12,5 bilhões.
Isso tudo ocorre num momento de aguda necessidade de crédito nos mais variados setores produtivos. O novo conglomerado não criará novos empregos, pelo que consta. Ao contrário, nessa área, tudo se resume a seu compromisso de não realizar demissões até abril de 2011.
Qual a justificativa do governo Lula para se envolver escancaradamente no negócio? Argumentou-se que, num mercado onde predominam empresas estrangeiras, seria estratégica a presença de uma grande operadora nacional de telecomunicações.
Todavia, uma surpresa estava reservada para esse último capítulo. Descobre-se agora que não existem mais impedimentos a que a nova empresa seja vendida a grupos estrangeiros.
Fecha-se, assim, o ciclo de uma espetacular sucessão de casuísmos, acomodações de interesses e jogadas clandestinas -na qual, diga-se de passagem, também a oposição parlamentar participou, quando chamada a intervir.
O negócio está feito. Apesar da complexidade dos detalhes, não é difícil resumi-lo ao essencial. É um caso de compra e venda. Nada mais que isso.
Por Reinaldo Azevedo

Wednesday, December 17, 2008

AMORIM E LULA, BABÁS DE DITADORES - Blog do Reinaldo Azevedo - 17/12/2008

Em outros tempos, o ingresso de Cuba no tal Grupo do Rio, sob o patrocínio do Brasil, provocaria um certo alarido na imprensa brasileira. O petralha indagaria: “Nos tempos da ditadura?” Não. Diria que, há coisa de cinco ou seis anos, tal atitude não passaria sem uma crítica severa feita pelos radares, vá lá, democrático-liberais da nossa imprensa. Agora, se houver um muxoxo, será muito. O tal Grupo do Rio reúne países da América Latina e Caribe. Uma das cláusulas de inclusão — e, pois, de exclusão — era a “democracia”. Sim, exigia-se que o país cultivasse um regime democrático. Cuba é uma tirania — notem: nem escrevo “ditadura”, mas tirania mesmo. E é agora membro permanente da tal cúpula.

A reunião se realizou na Costa do Sauípe. A estrela da festa foi o ditador cubano Raúl Castro, que aproveitou para deitar falação contra o embargo americano, afirmando que o país sofre há décadas com isso etc e tal. Conversa. Até quando existia a URSS, a tirania tinha tudo aquilo de que precisava para ser, em suma, uma tirania. Na prática, o embargo hoje já não tem grande importância. O que mantém na miséria a população da ilha é a ditadura.

Celso Amorim, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, não cabe em si de contentamento. Está feliz porque o Brasil conseguiu fazer a reunião sem observadores externos — leia-se assim: ninguém dos Estados Unidos. De fato, trata-se de uma grande honra: a democracia americana não vem nem para olhar, mas se joga no lixo um princípio do grupo e se acolhe uma ditadura. Dela, nada é exigido. Ao contrário: Raúl Castro foi tratado como um grande herói. Entre os presentes, notórios aproveitadores — gente que vem desafiando e humilhando o Brasil nas relações bilaterais: com destaque, Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador); na segunda linha, Fernando Lugo (Paraguai). Todos eles regidos pelo maestro Hugo Chávez (Venezuela).

Amorim foi mais discreto no ataque à OEA, mas Castro, que não está muito acostumado a esses ambientes, vá lá, um pouquinho mais plurais, entregou o jogo: a idéia é fazer o tal Grupo do Rio substituir a OEA — porque, afinal de contas, a Organização dos Estados Americanos conta com a presença dos Estados Unidos. A cúpula da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) aproveitou a oportunidade para uma rápida reunião, formalizando a criação do Conselho Sul-Americano de Defesa — outra tentativa de sabotar a OEA de lado. Não custa lembrar que, no conflito havido entre o filoterrorista Equador e a democrática Colômbia, não fosse a Organização, o país que estava sendo realmente agredido — aquele presidido por Álvaro Uribe — teria ficado sozinho. O Brasil — sim, o Brasil — liderou a tentativa de censura à Colômbia. Por quê? Ora, Brasília não considera as Farc terroristas. Logo, não considerava grave que Rafael Correa abrigasse os bandidos em seu território. Como sei disso? Procurem algum documento da época ou declaração censurando o Equador. Nada! Amorim se mobilizou contra a Colômbia — sem contar o Marco Aurélio Top Top Garcia, que, por estes dias, decidiu submergir um pouco.

Os que, no Brasil, pedem com tanta energia a revisão da Lei de Anistia para punir, como dizem, os torturadores não se importam que Cuba seja paparicada pelo Brasil. A ilha tem reservadas suas masmorras para intelectuais, artistas e oposicionistas em geral. A dupla Castro, por 100 mil habitantes, criou e lidera um regime assassino. Já demonstrei aqui que Fidel é 2.700 vezes mais homicida do que o regime militar brasileiro. Mas o que estou dizendo, não é? Os 95 mil mortos da tirania cubana certamente eram reacionários nojentos, direitistas safados, contra-revolucionários asquerosos, gente que merecia morrer mesmo por não entender os altos desígnios daqueles bravos guerreiros do povo.

Para Lula, este é um momento de ouro. Amorim comentou nestes termos o ingresso de Cuba no grupo: “A posição do Brasil sobre esse tema sempre foi de manter o diálogo aberto. Eu acho que não foi feito com a intenção de pressionar ninguém, isso é uma decisão da América Latina e do Caribe e dos países que integram o Grupo do Rio. Agora, se servir para que o futuro presidente dos Estados Unidos veja para que lado estão soprando os ventos, eu acho válido”. Entenderam? Amorim está mandando um recado para Barack Obama: “Os ventos estão mudando”. Ora, se os ventos mudam porque Cuba passa a integrar um clube, eles mudam necessariamente para pior. Trazem o cheio da morte. Em seu discurso, Raúl Castro teve a coragem de falar dos “muitos que tombaram” para Cuba ser o que é. Nem diga. A sua ditadura matou, reitero, 95 mil pessoas.

Ah, sim: Obama deve ter tremido nas bases ao saber da declaração de Amorim e deve ter pensado: "Preciso ouvir o que tem a dizer este sábio".
Por Reinaldo Azevedo

Tuesday, December 16, 2008

COMO FUNCIONA A PATRULHA PETRALHA: A PROVA DOS NOVES - Blog do Reinaldo Azevedo - 16/12/2008

Abaixo, vai um exemplo de como funciona a máquina de intimidação. A TV Cultura tem um ombudsman. Chama-se Ernesto Rodrigues, apresentando em sua página eletrônica assim: “É jornalista e professor da PUC-Rio. Trabalhou na Rede Globo, entre 1986 e 1999, onde desempenhou diversas funções, entre elas, chefe de redação da Globo-SP e da sucursal de Londres. Foi repórter e editor do Globo, Jornal do Brasil, IstoÉ e Veja.” Um passado de glórias...

Ele fez uma avaliação do programa Roda Viva de ontem. Ou melhor: ele abriu mão de ser ombudsman do programa para ser ombudsman dos entrevistadores, dizendo como cada um se comportou. Vou comentar apenas a parte do seu texto (em vermelho) que diz respeito à minha atuação. Respondo em azul.
(...) Reinaldo Azevedo, da revista Veja, passou todo o programa usando Gilmar Mendes – e às vezes também dispensando a participação do entrevistado – para expor suas “teses” e fazer ataques. Fez, é verdade, algumas perguntas que precisavam ser feitas – como a que levou Mendes a dizer que o juiz De Sanctis confrontou o STF e outra, sobre a declarada admiração de De Sanctis pelo pensamento do jurista pró-nazista Carl Schmidt.
Ou bem eu passei “todo o programa” desenvolvendo as minhas teses ou bem fiz “algumas perguntas que precisavam ser feitas”. Uma coisa e outra, ao mesmo tempo, são impossíveis. Considerando que devo ter feito, sei lá, umas cinco ou seis intervenções, “algumas” perguntas são quantas? Ah, sim: o sobrenome do Carl não é "Schmidt", mas Schimitt. O ombudsman não deve confundir Carl Schmitt com Oscar Schmidt... É bola fora!

Mas a maior parte do tempo Azevedo usou para fazer da bancada do Roda Viva uma tribuna na qual dispensou Gilmar Mendes da obrigação de apresentar o áudio do grampo
Como se vê, o ombudsman, professor de jornalismo, acredita que cabe a Gilmar Mendes, que foi grampeado, apresentar o áudio — como se fosse essa uma obrigação sua. A VEJA divulgou a transcrição do grampo. As duas vítimas confirmam que aquela conversa aconteceu. É pura delinqüência intelectual dizer que dispensei Gilmar Mendes disso ou daquilo. O que disse é reitero é que só há uma chance de o grampo não ter acontecido: um conluio entre a revista, o presidente do Supremo e um senador da República. Nem o subjornalismo mais vagabundo acredita nisso. O Sr. Ernesto Rodrigues poderia tentar provar por que a transcrição e o testemunho das vítimas não servem de prova. Seria um revoluçao no terreno do direito. Eis a evidência escancarada de sua ignorância.

e para um constrangedor contorcionismo pelo qual transformou a ministra Dilma Rousseff e o ministro Paulo Vanhucci em pessoas que poderiam ser enquadradas atualmente como terroristas pelo fato de terem pertencido, durante a ditadura, ao grupo de esquerda liderado por Carlos Marighela.
O certo é Marighella, não Marighela. Rodrigues não gosta de detalhes (ver texto abaixo). MENTIRA GROTESCA. Contorcionismo é o do ombudsman. A sua ignorância é que é constrangedora. O ministro foi indagado sobre a sua afirmação de que “terrorismo também é crime imprescritível”. E eu afirmei que, na Constituição, o que está explícito é que o terrorismo, mas não a tortura, apesar do horror de ambas as práticas, é crime imprescritível. Alguém perguntou ao ministro se lutar contra a ditadura é terrorismo. E eu perguntei se o Manual de Guerrilha de Marighella era ou não terrorista — fala-se lá até em ataques a hospitais e se defende abertamente a ação terrorista como forma legítima de luta. E lembrei que dois ministros de Estado seguiram aquela cartilha. Se o ombudsman não sabe, eu o tiro das trevas da ignorância: Paulo Vannuchi (e não “Vanhucci”; malditos detalhes!) e Dilma Rousseff já se pronunciaram a favor da revisão da Lei da Anistia em nome da imprescritibilidade do crime de tortura.

Sem pergunta específica, Reinaldo também atacou a decisão do STF sobre a Reserva Raposa Serra do Sol.
MAIS UMA MENTIRA! Expus, sim, o que considero absurdo no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol. Mas o centro da minha intervenção foram as 18 exigências feitas pelo ministro Menezes Direito. Perguntei a Gilmar Mendes se o STF não se comportou “como Legislativo, Executivo e ATÉ Judiciário”. E foi a oportunidade para uma de suas melhores intervenções: negou que Supremo usurpe as prerrogativas dos demais Poderes.

Reinaldo Azevedo e Márcio Chaer, na tentativa de instrumentalizar o programa diante de um tema tão delicado e de um personagem tão controvertido, conspiraram contra a qualidade e o equilíbrio jornalístico desta edição do Roda Viva, o que sugere uma cuidadosa reflexão da direção do programa sobre os critérios de seleção dos entrevistadores.
Como se vê, ele propõe um expurgo. Conspiraram contra o “equilíbrio” aqueles que não foram ao programa com o propósito de linchar Gilmar Mendes. O ombudsman quer equilíbrio, mas de um lado só.

No final das contas, no entanto, principalmente quando confrontados à qualidade das intervenções de Lillian Witte Fibe e de Eliane Cantanhêde, eles acabaram desmoralizando setores da sociedade que vêem com simpatia o ativismo e o atual protagonismo político e ideológico de Giilmar Mendes.
Como é o que ombudsman sabe? Ele falou com esses “setores”? E qual é o “protagonismo político e ideológico” de Gilmar Mendes? Desmoraliza é sua crítica energúmena e ideológica.

O Roda Viva, portanto, não perdeu o rumo. Foi um programa interessante, pertinente e, considerada a ressalva à escolha infeliz de parte da bancada, fiel à sua tradição de debater e discutir as questões relevantes para a o cidadão telespectador de São Paulo e do Brasil. E acreditem: sem a participação do Luís Nassif.
Começo pelo fim: todas as perguntas feitas por Lilian Witte Fibe e por uma jornalista que fazia intervenções nos intervalos — com “questões da Internet” — foram formuladas pela personagem citada. A tese de que cabe a Mendes apresentar o “áudio do grampo” é da personagem por ele citada. Assim, vamos ser claros: Lilian e Rodrigues foram pautados, sim, por aquele que ele trata cheio de ironia, mas a quem deveria ser grato. Sou um homem justo: dê-se o mérito a quem tem mérito. Quanto ao mais, dizer o quê? Ele não me quer mais lá. Não ia ao Roda Viva, programa que freqüento desde 1989, havia quase dois anos — 20 meses para ser exato. Por ele, ficarei longe pelos próximos 40. Quer equilíbrio...

Escandaloso
Mas nada do que ele diga a meu respeito é tão escandaloso quanto este outro trecho do seu artigo: “A âncora Lillian Witte Fibe, cumprindo de forma competente a função de garantir que todos esses assuntos fossem abordados, abriu com duas perguntas que muitos gostariam de fazer: onde está o áudio do suposto grampo da conversa de Gilmar Mendes com o senador Demóstenes Torres e qual a responsabilidade do STF pelo vazamento de um ofício reservado do tribunal à revista Veja?”

Já comentei a questão do áudio. A indagação sobre “responsabilidade do STF pelo vazamento de um ofício reservado do tribunal à revista VEJA” expõe o caráter, lamento dizer, fascistóide dessa gente. Isso que o ombudsman apreciou tanto é matéria constitucional: chama-se sigilo da fonte. Por que só a revista VEJA seria obrigada a revelar os nomes das pessoas que lhe passam informações? Não há democracia no mundo em que o princípio do sigilo seja desrespeitado. E o rapaz é professor de jornalismo.

Em algum momento, esse programa estará disponível na rede. A TV Cultura costuma mandar um DVD para o entrevistado e os entrevistadores. Tão logo eu o receba, vejo se consigo colocá-lo no ar, na íntegra. E então voltarei à avaliação do ombudsman.

O texto de Ernesto Rodrigues sobre a entrevista de Gilmar Mendes é especialmente interessante porque o ombudsman é também uma espécie de juiz. Ele deveria, tanto quanto possível, fazer avaliações desapaixonadas. Rodrigues chega a chamar de “polêmica” a declaração de Mendes de que o “terrorismo também é crime imprescritível”. Não, rapaz! Isso não é polêmico. É constitucional!!!

O texto do ombudsman funciona como uma prova da questão, de natureza mais conceitual, que abordei no artigo anterior.

Em O País dos Petralhas, escrevo que, antigamente, a imprensa investigava o governo. Agora, setores da imprensa querem investigar a VEJA para que a VEJA não investigue o governo.
Por Reinaldo Azevedo

IGNORANTES E FASCISTÓIDES - Blog do Reinaldo Azevedo - 16/12/2008

O fascismo foi o regime do “vulgo”. Embora, em latim, a palavra “vulgus” também signifique povo, eu a tomo aqui no sentido de “multidão” — a massa amorfa que adota como definitivas as falsas verdades, pautadas pela ignorância e pelo preconceito. Alguém poderá objetar, com alguma razão, que o sistema não difere muito do socialismo. Na vocação totalitária, sim. Mas o fascismo tem particularidades: à diferença de seu congênere de esquerda, ele teve o apoio das massas. Os socialistas só se mantiveram – ou se mantêm, onde subsistem – no poder em razão do aparato repressivo. Os vários fascismos foram inequivocamente populares, contavam com a adesão entusiasmada do chamado “HOMEM COMUM”, em nome do qual alguns “jornalistas” anunciam falar hoje em dia.

Raramente ou nunca o “homem comum” da Alemanha, da Itália, da Espanha ou de Portugal se sentiram tão representados como nos governos, respectivamente, de Hitler, Mussolini, Franco ou Salazar. No Brasil, o período de adoração a Getúlio Vargas coincide com o auge do Estado Novo — o fascismo caboclo. Em todos os casos, e também no brasileiro, o autoritarismo, ou a tirania mesmo, como expressão de uma dita “vontade” nacional, seduziu fatias do pensamento. Todos esses modelos deram à luz os “intelectuais do regime”, que se dedicaram, então, à tarefa de demonstrar a identidade de propósitos entre o “líder” e o açougueiro da esquina. Para o fascismo e os fascistas, os detalhes não interessam, mas as idéias gerais — os “detalhes” pertencem à esfera dos regimes burgueses.

É evidente que vou chegar ao Brasil. Lula não é um líder fascista porque, por ora ao menos, as condições institucionais brasileiras não permitem. Mas seus homens de propaganda talham a figura do líder fascistóide, sempre pronto a dar um conforto intelectual aos açougueiros, a dizer aquelas “verdades” genéricas que tornam sábia a estupidez. E seus mistificadores cantam, então, as glórias de sua sabedoria, de seu vocabulário desassombrado, de sua camaradagem sempre hostil aos matizes e aos detalhes. Se o fascismo podia criar a sua máquina de imprensa e propaganda, censurando o jornalismo livre, os fascistóides, por ora, se contentam em criar a “imprensa do regime”.

Essa imprensa oficial tem duas faces — ou, melhor, se manifesta em duas frentes: há os jornalistas da grande imprensa que cedem à patrulha e passam, então, a fazer o jogo do poder, falando, eles também, como os açougueiros do regime, e há a canalha comprada mesmo, minoridades morais que se colocam a serviço do poder porque pagas para isso. Quem é mais desprezível?

É difícil saber. Corromper-se por dinheiro é pior do que corromper-se por alinhamento ideológico ou covardia? Não tenho resposta. O regime dos açougueiros é instituído com a conivência dos dois grupos. Talvez o corrompido ideológico seja ligeiramente inferior porque, se os tontons-maCUTs realmente triunfarem, ele também acaba indo em cana — ao passo que o jornalista venal estará sempre dizendo as verdades eternas do poder. Assim, o que adere ao regime por “convicção” talvez consiga ser um tantinho mais asqueroso do que o outro: porque, além de tudo, é burro.

Não sou porta-voz de açougueiros, do tal “homem comum” – uma categoria que só existe na cabeça de gente do miolo mole. Porto a voz apenas das minhas convicções, esperanças e angústias. Mas considero que é uma questão de respeito com o telespectador saber ao menos o que diz a Constituição antes de entrevistar um presidente do Supremo Tribunal Federal.

Não vale alegar a condição de “pessoa comum” para dizer ignorâncias e irrelevâncias indignadas.
Por Reinaldo Azevedo

Monday, December 15, 2008

DEBATENDO COM ROSELI - Blog do Reinaldo Azevedo - 15/12/2008

Começo a escrever este texto às 2h24 do dia 15. Vou comentar um outro, publicado no Estadão On Line à 0h34 do dia 14, no ar, portanto, há 26 horas. Até agora, está lá, “zero comentário”. Ninguém quis saber. Às vezes, eu me ocupo de coisas com as quais, inicialmente, ninguém se importa. É uma das vantagens de se ter um blog. Refiro-me a uma entrevista concedida a Mônica Manir por Roseli Fischmann, que, informa o texto, “coordena a área de Filosofia e Educação da pós em Educação da USP e comanda o grupo de pesquisa do CNPq ‘Discriminação, Preconceito, Estigma’”. A professora redigiu ainda “o conteúdo do tema transversal Pluralidade Cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais”. Como se vê, discriminação não é com ela. Que bom! Não é a primeira vez que me refiro a Roseli neste blog (ver na parte final do texto) e a seu currículo para 400 talheres, o que faz dela, sem dúvida, uma autoridade dessas que alguns se negam a questionar porque impressionados com os paramentos. Mas, vocês sabem, sou um blogueiro um pouco atrevido, um tanto herético mesmo...

Roseli comenta no referido texto (íntegra aqui), também publicado no caderno Aliás do Estadão deste domingo, aquela história do suposto ensino do criacionismo nas escolas religiosas. Escrevo “suposto” porque não é fato que elas estejam ignorando a Teoria da Evolução, substituindo-a pelo Criacionismo ou pelo Design Inteligente. Segundo apurei, ensinam o darwinismo, expõem os seus princípios, informam que ele é quase unanimemente aceito pelo mundo científico, mas lembram que a confissão religiosa à qual pertencem as instituições de ensino tem sobre a origem das espécies uma outra abordagem. E que se note ainda: as escolas católicas nem mesmo problematizam a questão.

O título da reportagem é definitivo: “Deus não freqüenta laboratório”. Sejamos precisos: Roseli não diz isso com todos os esses e erres. É uma escolha da edição, mas adequada a suas declarações. Uma escolha que até Gilles Deleuze — parece que ela é especialista no "filósofo" — diria não ser neutra, não é? Havendo um Deus e se ele é onipresente, então ele freqüenta o laboratório também. Se Roseli chegou a entender Deleuze (então é ela???), não teria dificuldade de ler Santo Tomás de Aquino, que escrevia com clareza. Veja só, Roseli: tudo o que existe num laboratório tem uma causa e é, portanto, coisa causada (e será causa de outras causas...). Se nos voltarmos às causas das coisas causadas (aquelas traquitanas do laboratório, por exemplo), veremos que elas também coisas causadas são. Até um ponto em que tchan, tchan, tchan... chegaremos à Causa Não-Causada, mas que acabou resultando no laboratório, na pedra, em você, em mim e no Chicabom. E, pois, “A” Causa Não-Causada é causa de todas as causas. Ufa! Eu sei. Nem todo mundo se vê tentado a rir, mas isso chega a ser, garanto, um tanto engraçado. E QUE SE NOTE: EU NÃO ACHO QUE PROFESSORES DEVAM LER A BÍBLIA NUM LABORATÓRIO. Eu estou me ocupando aqui é de uma maneira de abordar o debate: a religião é tratada apenas como manifestação da estupidez. Com o devido respeito (sempre!), a minidesconstrução que faço acima, um tanto galhofeira, é verdade, demonstra que não estamos lidando com um pensamento exatamente refinado. NOTEM: NÃO ESTOU AFIRMANDO A EXISTÊNCIA DE DEUS, NÃO NESTE TEXTO AO MENOS. ESTOU EVIDENCIANDO COMO A NEGAÇÃO DA PERSPECTIVA RELIGIOSA PODE SER CHULA. SÓ ISSO. Quem disse que a afirmação da ciência sempre produz luz, e a da religião, sempre obscurantismo?

Roseli diz lá um monte de coisas, que contestaria com prazer. Mas estou sereno nesta madrugada, apesar do frio em São Paulo (uns 18 graus, acho, em pleno 15 de dezembro; o aquecimento global passou na janela — ciência, eu sei!!! —, e só o Reinaldão não sentiu...). Caroável, ficarei com as nossas concordâncias. Diz ela QUASE o que andei escrevendo aqui dias seguidos, para escândalo de alguns. Querem ler?: “A legislação no Brasil ampara a abertura e o funcionamento de escolas com identidade religiosa definida, e não acho isso ruim. Vivemos uma pluralidade no Brasil. Ruim seria imaginar todo mundo obrigado à religião ou todo mundo obrigado à não-religião. É um direito de escolha dos pais matricular os filhos em colégios batistas, presbiterianos, católicos, judaicos, islâmicos. Só que isso significa uma coisa: que valores serão passados. Não há propaganda enganosa nesse sentido. E os colégios não passarão valores só por meio das aulas, até porque, na escola confessional, a parte verbal não é a principal forma de transmitir os princípios religiosos. Existem as normas, a convivência, os uniformes, a escolha dos professores, os símbolos pelas paredes. Como aquilo é um espaço privado, seria incoerente lutar contra esses símbolos ou contra uma reza antes da aula, por exemplo. Se os pais não querem aquilo, devem procurar outra instituição. O que não pode ser feito é que, em nome da escolha dos pais, a escola extravase esses valores além da aula de religião, pois ela desempenha uma função social. Essa escola passou por um processo de autorização, submete-se a uma supervisão e, portanto, deve estar ajustada às normas vigentes. Ou seja, precisa ficar muito claro qual é o núcleo de estudo da parte científica, qual é o núcleo da parte religiosa - e isso para o bem da escola, dos alunos, da ciência e da religião.”

Quase tudo certo no trecho acima. O problema está no que vai em negrito. Olhe, Roseli: conheço uma escola judaica — e não declinarei o nome por motivos óbvios — que ensina Darwin aos alunos pêlo por pêlo daquele ancestral comum que, consta, partilhamos com o chimpanzé. Eles estão preparadíssimos, por exemplo, para enfrentar um exame público — vestibular ou qualquer outro. E essa mesma escola não abre mão — como fazem outras, algumas de denominações protestantes — de afirmar “a verdade revelada”. E NÃO HAVERÁ DEMOCRACIA NO MUNDO, ROSELI, QUE VÁ, EM NOME DA TAL “FUNÇÃO SOCIAL”, IMPEDIR A ESCOLA DE EXERCER A SUA CONVICÇÂO. Noto que a professora fala de uma divisão entre o “núcleo de estudo da parte científica” e o “núcleo da parte religiosa” como se a divisão tivesse caído... do céu! O céu de Roseli. Como se ela tivesse recebido as tábuas da lei, escritas pelo fogo divino. BEM DISSE A PROFESSORA: “Como aquilo é um espaço privado, seria incoerente lutar contra esses símbolos ou contra uma reza antes da aula, por exemplo. Se os pais não querem aquilo, devem procurar outra instituição.”

Mas o trecho verdadeiramente encantador da entrevista de Roseli é este: “Levar o criacionismo para as aulas de ciências, misturado aos conceitos da teoria evolucionista, é uma distorção. Não dá para confundir as lógicas. O campo da ciência não é o da salvação, nem o da iluminação, nem o do ser infalível. Ele tem uma marca: é produzido por seres humanos, num acúmulo de conhecimento histórico, e não de forma dogmática, de uma vez para sempre, fruto da revelação. Somos falíveis e mortais. Ao ensinar ciências, os professores podem inclusive dizer às crianças: ‘Isto é fruto da construção humana, e você pode ser parte dessa construção’. Assim se desenvolve nos alunos a possibilidade de questionar, e uma boa dúvida é a pérola do mundo científico. Se, do ponto de vista religioso, existe alguém infalível, isso é para as pessoas que acreditam. Quem acreditar será respeitado por isso, mas não se pode querer que todo o mundo esteja dentro dessa lógica. Ninguém, enfim, ganha misturando as duas frentes porque os cientistas podem pensar que são deuses, e quem fala de Deus pode pensar que é cientista.” Vamos ver:
1 – Quem disse que os professores das escolas religiosas estão misturando os conceitos? Essa é apenas uma ilação;
2 – Olhem com que sem-cerimônia ela expõe as convicções não-religiosas de mundo, considerando-as verdades absolutas. Embora o faça justamente quando exalta as virtudes da dúvida: “Uma boa dúvida é a pérola do mundo científico”. É? Será que as religiões nunca duvidam?
3 – E agora o melhor: “Se, do ponto de vista religioso, existe alguém infalível, isso é para as pessoas que acreditam. Quem acreditar será respeitado por isso, mas não se pode querer que todo o mundo esteja dentro dessa lógica.” SUA AFIRMAÇÃO SÓ FARIA SENTIDO SE ESTIVESSE ABORDANDO AS ESCOLAS LAICAS, DO ESTADO. MAS, DESDE SEMPRE, ESTAMOS FALANDO DE ESCOLAS RELIGIOSAS. PODE-SE ACHAR UMA BOBAGEM, UMA ESTUPIDEZ, UM ATRASO, MAS NÃO HÁ DEMOCRACIA NO MUNDO QUE IMPEÇA ESSES ESTABELECIMENTOS DE ENSINO DE CULTIVAR SUAS CONVICÇÕES E VALORES. Só os totalitários usaram e usam a educação como pretexto para, sob o manto do triunfo da ciência, atingir a liberdade de crença. Reitero: não sou presbiteriano, não sou batista, não sou judeu... As escolas ligadas à Igreja Católica já fizeram, para ser sintético e até jocoso, Darwin ser uma manifestação de Deus. DESTACO DE NOVO: MINHA DIVERGÊNCIA COM ESSA ABORDAGEM NÃO É RELIGIOSA. MAS NÃO ME VENHAM USAR A CIÊNCIA PARA TENTAR TOLHER AS ESCOLHAS. Ademais, quem disse que esse mundo de Roseli é neutro?

As questões que ela propõe fazem sentido, sim, mas para as escolas laicas, como é a pública. Este escrevinhador defende, inclusive, o direito à educação doméstica — e é um absurdo que o estado tente impedi-la. NÃO É A MINHA ESCOLHA. Não tenho tempo e, nos estágios iniciais da alfabetização, por exemplo, não teria tido paciência também. A escola pública — ou reconhecida pela autoridade estatal — deve ser um direito. Um direito!

NO PASSADO

Não é a primeira vez que Roseli desperta os meus melhores instintos. Quando Frei Galvão foi canonizado, pensou-se em criar um feriado nacional. Ela foi veementemente contra. Eu também. Os nossos motivos eram muito diferentes. Eu achava que o evento não deveria ser um pretexto para o país trabalhar menos — defendo que trabalhe mais. Roseli tinha outras coisas na cabeça. Escreveu ela então: “Feriado nacional, estabelecido pelo Estado laico, é para celebrar cidadãos exemplares (apenas humanos, não necessariamente santos, mas certamente justos) que contribuíram com o Estado de forma relevante, na humanamente falível esfera pública, em que o poder se estabelece como ação em concerto, conforme Arendt.”? Objetei duas coisas: 1) na forma como vinha redigida a coisa, ficava parecendo que Hannah Arendt um dia se ocupara de feriados... 2) Perguntei: “o que responder à professora Roseli? Que também os ‘cidadãos exemplares’ sempre o serão de acordo com a versão triunfante num dado momento da história?”
E continuei: “Ela é contra o feriado de Frei Galvão porque acredita que ele atenta contra a diversidade — embora uma data que seria simpática a quase 80% dos brasileiros não ferisse o direito de nenhuma minoria. E se eu for contra a República, por exemplo? Tenho o direito de argumentar que o feriado de 15 de Novembro é uma imposição mistificadora? Ela, provavelmente, dirá que não, já que, na esfera pública, o vencedor (olha só: estou escrevendo como se fosse um deles...) decreta o destino da razão dos vencidos, não é assim? O legal se impõe sobre a legitimidade das visões particulares. Para ela, entendo, um feriado é correto no caso de uma celebração política, mas inaceitável se ela for religiosa. Roseli não pode manter o seu critério sem pedir o fim do feriado no Natal. Ou, então, admite a data natalina e também o feriado de Frei Galvão em nome da relevância cultural da celebração.”

Escrevi mais: “Vejam só: eu votaria contra o feriado. O que fiz até agora é demonstrar que Roseli teria de ser a favor dele segundo os critérios que ela escolheu para debater. O meu é mais simples: ‘Vai trabalhar, Mané, e reza em casa ou na Igreja’. Mas sigo. Ela está equivocada até aqui, mas ainda não deu uma piscadela para o escândalo, o que fará agora. Vejam só como conclui o seu artigo: ‘Por reconhecerem-se como humanos, compreendem os seres democráticos que se necessitam mutuamente para estabelecer o bem comum, que a nenhum pode excluir. Assim, melhor seria que o Congresso estabelecesse o Dia Nacional da Liberdade de Consciência e de Crença, celebração laica que a todos unirá, ou que finalmente aprovasse o Dia de Zumbi, de todas as gentes, como feriado nacional.’”

Tive de divergir, não é? Assim: “O último parágrafo de seu texto desmascara todo o resto. A liberdade de consciência e de crença está ameaçada no Brasil, dona Roseli, a ponto de merecer um feriado nacional? Qual é a minoria religiosa impedida de exercer o seu culto? E por que Zumbi é ‘de todas as gentes?’ Por acaso a exaltação dessa figura também não traduz uma certa compreensão da história, parcial como qualquer uma? O Dia de Zumbi deve embutir um protesto contra os negros que escravizavam negros dentro dos quilombos?”. A íntegra dessa minha pendenga está aqui.

Concluindo...
Somos todos, claro, claro, contra o preconceito, a discriminação, a demonização das diferenças. Roseli é ainda mais contra do que nós. Afinal, ela redigiu “o conteúdo do tema transversal Pluralidade Cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais”. Uau! A sua pluralidade só não admite que escolas religiosas possam exercer a sua... religião. “Não nas aulas de ciências”, diriam os inocentes. Essa restrição é apenas o pretexto falso e verossímil para ameaçar a liberdade de escolha — os regimes autoritários, diga-se, não precisam de motivos, só de pretextos... Até porque os colégios que motivaram esse debate deixaram claro que ensinam, sim, o darwinismo, mas dizem: “A nossa crença diz outra coisa”.

“Ah, mas olhe quem fala em liberdade!!! Justo você que aponta o submarxismo na educação, as falhas dos livros didáticos, a esquerdização do ensino...” Sim, justo eu. PROCUREM UM SÓ TEXTO EM QUE TENHA DEFENDIDO QUALQUER PUNIÇÃO À CANALHA OU QUALQUER INTERVENÇÃO DO ESTADO. Não há! Mesmo quando resta evidente que, em alguns casos, a defesa de determinados “movimentos sociais” beira a apologia do crime – já que são criminosos. Quero é outra coisa: tornar esse tema relevante, debatê-lo. Mas notem que, sobre esse particular, imprensa — com exceções, claro — e acadêmicos se calam. Há quem ache que até marxismo é ciência...
Por Reinaldo Azevedo

Cueca, literatura e política - Blog do Reinaldo Azevedo - 15/12/2008

Vocês se lembram daquele sujeito preso com uma mala de dinheiro e dólares na cueca, não? Era assessor de um irmão de José Genoino. O petismo inaugurava uma categoria nova na política e nas finanças: a cueca como casa de câmbio. Agora, outro sujeito enrolado com o mensalão resolveu repetir o procedimento. Também está sendo inaugural, criando uma nova moeda, como escreve VEJA nesta semana: a “eureca” — o euro na cueca. Em agosto de 2005, escrevi no site Primeira Leitura um texto chamado “Cueca, literatura e política”. O episódio era tão bizarro, tão emblemático do petismo, que me pareceu insuficiente a linguagem jornalística para narrá-lo. Fiz, então, uma brincadeira. Contei a mesma história segundo o estilo de vários autores. A coisa ficou divertida, caiu na rede, multiplicou-se. Menos de 24 horas depois, eu já recebia o meu próprio texto, enviado por amigos e leitores, atribuindo-o a autores os mais diversos. Até a mim... Dado o surgimento do homem da eureca, republico aquele texto. Ah, sim: o irmão de Genoino, chefe do cuequeiro, um pobretão, ascendeu no PT. E Genoino foi eleito deputado..

Marketing
A Casa das Cuecas, tradicional loja de underwear masculina, pode trocar o nome para Casa de Câmbio. Com cartão-fidelidade para petistas.

Literatura política
Em vez de Marx ou Maquiavel, os petistas podem ler os sete livros da série Capitão Cueca, publicados pela Cosac & Naify. Para os teóricos da conspiração, o mais indicado é Capitão Cueca e o Perigoso Plano Secreto do Professor Fraldinha Suja. Ótimo para candidatos a comissário do povo. Para os que se amarram num debate-boca sobre o monopólio petista da ética, pode-se recomendar Capitão Cueca e o Ataque das Privadas Falantes. E para os que querem, mas já não podem, se livrar de companhias incômodas e suas milionárias contas secretas, vai o Capitão Cueca e a Grande e Desagradável Batalha do Menino Biônico Meleca Seca.

Um Haicai:
Cueca e dinheiro,
o outono da ideologia
do vil companheiro

À moda Machado de Assis:

Foi petista por 25 anos e 100 mil dólares na cueca.

À moda Dalton Trevisan:
PT. Cem mil. Cueca. Acabou.

À moda concretista:

PT
Cueca
Cu
PT
Eca
Peteca
Te
Peca
cloaca

À moda Graciliano:

Parecia padecer de um desconforto moral. Eram os dólares a lhe pressionar os testículos.

À moda Rimbaud:

Prendi os dólares na cueca, e vinte e cinco anos de rutilantes empulhações cegaram-me os olhos, mas não o raio X.

À moda Álvaro de Campos:
Os dólares estão em mim
já não me sou
mesmo sendo o que estava destinado a ser.
Nunca fui senão isto:
um estelionato moral
na cueca das idéias vãs.

À moda Drummond:
Tinha um raio X no meio do caminho.

À moda TS Eliot:

Que dólares são estes que se agarram a esta imundície pelancosa?
Filhos da mãe! Não podem dizer! Nem mesmo estimam
O mal porque conhecem não mais do que um tanto de idéias fraturadas, batidas pelo tempo,
E as verdades mortas já não mais os abrigam nem consolam".

À moda Lispector:
Guardei os dólares na cueca e senti o prazer terrível da traição. Não a traição aos meus pares, que estávamos juntos, mas a de séculos de uma crença que eu sempre soube estúpida, embora apaixonante. Sentia-me ao mesmo tempo santo e vagabundo, mártir de uma causa e seu mais sujo servidor, nota a nota.

À moda Lênin:

Não escondemos dólares na cueca, antes afrontamos os fariseus da social-democracia. Recorrer aos métodos que a hipocrisia burguesa criminaliza não é, pois, crime, mas ato de resistência e fratura revolucionária. Não há bandidos quando é a ordem burguesa que está sendo derribada. Robespierre não cortava cabeças, mas irrigava futuros com o sangue da reação. Assim faremos nós: o dólar na cueca é uma arma que temos contra os inimigos do povo. Não usá-la é fazer o jogo dos que querem deter a revolução. Usá-la é dever indeclinável de todo revolucionário.

À moda Stálin:
Guarda e passa fogo na cambada!.

À moda Guimarães Rosa:

Zezinho doleta tinha dívida de gratidão que não se paga jamais, seu moço, com Nhô Nobre, coisa assim lá pras bandas de outro mundo genuinamente de dentro dos cafundós da alma e por isso aceitou abrigar lá nas baixuras do homem onde a gente peca e fica sujo de tanta felicidade aquela dinheirama toda. E sentiu assim uma gostosura morna, só esfriando quando o sordado do zóio amarelo lhe apalpou as honras. Mas se calou mudo como nos confins do mundo imundo.

À moda Rubem Fonseca
O dinheiro lhe pesava no escroto e aquela acidez permanente ameaçando romper a barreira do esfíncter esofagiano inferior. Mastigou um comprimido de magnésia bisurada e achou engraçado que pudesse ter uma ereção numa hora como aquela, com o sangue a encher os corpos cavernosos de sua honra inútil, procurando um lugar entre notas amassadas e pentelhos hirsutos. Sentiu, sem saber por quê, vontade de matar anões.

À moda Jô Soares:

Eu não uso cueca.

À moda Proust:
Acomodou os dólares na cueca e atentou para o elástico frouxo e a trama do tecido já interrompida pela ação do tempo. O sol invadia pela janela o quarto de um hotel perdido no centro velho da cidade, e a trajetória de seu raio sofria um ligeiro deslocamento ao passar através de uma das abas da janela que se projetava, antiga, para fora, sobre uma cidade cinza, porém viva. Àquela hora, ruidosos, apressados e alegres, rapazes e moças do povo seguiam para o trabalho espiados por uma algaravia de estilos que pendia dos prédios, cujos capitéis e acantos da antiga elite cafeeira, já tomados pela fuligem, deitavam sua sombra sobre aquela massa humana, tão mais viva quanto mais disforme em suas roupas de tecido ordinário, porém com a graça eloqüente que tem a vulgaridade. Àquela hora, Odette acabara de se levantar e olhava com preguiça a macieira à frente de sua janela. Não pensava nada, pálida ainda de sono renitente. Caminharia ela também em direção à janela, olharia o quintal, estenderia mais adiante a vista, olhando os primeiros passantes do dia e diria com a força de uma sentença que nele sempre tinha o poder de um evento milagroso: "Acordei". Passou ainda uma vez as mãos sobre o volume de notas escondido sob a cueca de elástico esbaguelado, fechou a porta e seguiu para o aeroporto. Odette tomava café.

À moda Julio Cortázar:
Um cronópio não carrega dinheiro na cueca porque está mais para supervida do que para intervida, como um fama, que então enche os fundilhos com bolinhos de dinheiro e sai por aí dobrando esquinas e chamando para si a perícia da polícia e depois se queda quietinho, apagando a memória do celular.

À moda Roberto Schwarz:
O dólar na cueca expõe uma das muitas faces da crise do capital, que tanto mais se expõe quanto mais aniquila as dimensões de uma visibilidade que, à medida que se impõe, explora os caminhos de sua própria inviabilidade. Seu fator estruturante elimina o espaço da subjetividade, e a cueca passa a encarnar, então, não o dinheiro como base material do valor, mas o fetiche da ilegalidade que hoje marca o capitalismo. O indivíduo-indivíduo se torna um indivíduo-cueca à medida que agasalha, como metáfora e metonímia, a moeda que traduz um ponto de trajetória do domínio do império.

À moda Emir Sader:
É tudo culpa do Fernando Henrique e do Ariel Sharon.

À moda Marilena Chaui:
A cueca de Espinosa melou por ti, segundo Merleau-Ponty.

À moda Renato Janine Ribeiro:
Uma cueca cheia de dólares é sempre mais que uma cueca cheia de dólares. Uma cueca cheia de dólares apela às culpas que cada um de nós carrega dentro de si e quer ver espiadas e expiadas por meio da ação de um partido ético, que só pode ser o PT, embora eu não seja filiado ao partido. Reparem que duas crises se cruzam neste evento como emblemas: ao mesmo tempo em que o símbolo do império escancara o seu poder de chantagem, sabemos que o dinheiro foi flagrado na cueca, expressão de uma intimidade masculina que vem à luz, como se o homem contemporâneo buscasse ser outra coisa e desse um grito de socorro, mais feminino, mais humano, mais aberto, mais gentil.

À moda Eça de Queirós
Tinha escondido os dólares nas cuecas. Surpreendido, emudeceu, e seu olhar se perdeu nas rutilâncias metálicas do aeroporto, detendo-se nas colunas sobrepostas por uma camada que imaginava espessa de aço escovado. Àquela hora, Luísa estaria a preparar o café, e um aroma denso, doce, tomaria o ambiente, numa esfera de sensualidade doméstica em tudo avessa à inquirição pela qual certamente haveria de passar. À sua volta, o alarido da imprensa simulava um auto-de-fé de que ele era o cordeiro de Deus, pronto para o rito sacrificial. E esta idéia quase que lhe foi uma forma de conforto, não tivesse sido tirado de sua acolhedora catatonia pelas palavras do meirinho, que insistia no cumprimento de um ritual burocrático que estava a léguas de sua buliçosa vida interior.
— Qual é a origem deste dinheiro? Quem lho deu?
A voz parecia advir das trevas, de um escuro persecutório que contrastava com a luz refletida e esmagada nas colunas de aço escovado. Disse, então, para si mesmo, que a privacidade houvera ficado perdida num determinado ponto da história, que já não tinha mais volta. O tempo corria. Urgia que tivesse ao menos uma desculpa. Algo que pudesse devolvê-lo àquela cálida sensação de que tudo, na vida, passa e de que vivemos à espera da morte.

À moda Flaubert
O dólar na cueca apelava a um rol de licenças íntimas desde que houvera decidido que o exercício da vontade não podia encontrar no crime o seu limite. Tinha plena consciência da afronta aos padrões vigentes da moralidade, mas o que, inicialmente, lhe parecia uma escolha tomou a súbita determinação de uma vontade compulsiva, cujos detalhes ele podia experimentar com mórbido prazer. Sabia que se fazia, assim, o último extremo da abjeção, e a culpa lhe consumia a alma e lhe pesava nas calças, como se a matéria conspirasse com uma antiga moral e lhe apontasse um dedo acusador. Mas já não era mais senhor de suas escolhas. Àquela tentação da censura, opunha-se uma outra: o prazer da transgressão que experimentam os criminosos, ainda que ele pudesse sentir-se o último dos desgraçados. Tinha fortes razões para concluir que chegava ali empurrado por tudo o que fizeram dele. Mas não podia negar à sua própria consciência uma evidência: amava o crime e a abjeção a que era relegado. Sentiu-se, então, estimulado por uma força que muitos chamariam de estranha, mas que ele sabia ser o chamamento de sua própria vontade, como um édito, uma determinação do destino. E riu intimamente de suas própria e falsa profundidade, que não era diferente de escarnecer de sua moral desengonçada.

À moda Nelson Rodrigues

Tomou um Chicabom e escondeu os dólares na cueca de bolinhas. Antes de ser preso, ainda pensou: “Todo homem tem de fazer amor com a sua cunhada e de ejacular ao menos uma vez no lavatório”.

À moda Cecília Meireles
Às vezes um homem passa
do outro lado do vidro. Às vezes, um menino
e seu irmão. Tudo lhe parece perfeito,
sereno, em seu lugar, como personagens
de Lope de Vega.
E, no entanto, havia aquilo:
os dólares presos à cueca.
Ainda teve tempo de pensar:
“Haverá uma forma em que eu possa
conciliar a mentira com o que há de belamente
fatal nesta hora”.
Algo em sua consciência censurava
a escolha insensata, a que respondia, no entanto,
certa atração fatal pelo suavemente sórdido,
como um desenho vulgar
feito no cabo de um punhal de prata.

À moda Shakespeare
Ó tempo devorador de homens e de reputações! Ó dia aziago! Em má hora quis o destino que a minha vontade e a sorte se encontrassem neste sortilégio. Vai, vil metal, confessa o meu opróbrio, denuncia a minha covardia.

À moda Musil

Escondeu os dólares na cueca. A suposição de que pudesse estar cometendo um crime o excitava um pouco, embora dissesse para si mesmo que aquele não era um sentimento genuíno, que lhe aflorasse das entranhas rumo à pele. Um olhar curioso, que o via de fora, emprestava ao ato a força de uma transgressão que ele mesmo não reconhecia, desiludido que estava até do fascínio do crime. Mas compreendia, no entanto, que outros pudessem se excitar em seu lugar. Deu-se, assim, por satisfeito em poder animar a vida alheia, já que a própria lhe parecia presa não exatamente do absurdo, mas de uma poderosa maldição da repetição. Pois que se deliciassem, então, com o acontecimento excepcional.

À moda Ascenso Ferreira
Parte o cearense, valente,
Com os dólares na cueca escondidos.
Olha o moço do raio-x
Com a coragem dos fortes
E não desvia o olhar nem mesmo
Quando lhe indagam:
— De quem é isto?
"Pra que tanta coragem?",
Ele se pergunta.
Pra nada.

À moda Camões

Enquanto quis cueca que tivesse
Esperança de algum ocultamento,
O gosto de um suave livramento
Me fez que alguns milhares escondesse.

À moda Manoel de Barros
Nos fundilhos do meu quintal,
íntimo, meu senhor,
o dólar me faz
homem-bomba.

Ele me lula,
Ele me sapo,
Ele me picareta.
Ele me PT.

Conheço de palma os dementes do Brasil.
Penso que na minha cueca
não tem dinheiro ilegal,
mas um silêncio feroz,
que vai morrer com o passarinho.
Sem dar um pio.

PS - A lista de estilos foi sendo ampliada pelos leitores, e novas intervenções foram se acrescentando à versão original.

Por Reinaldo Azevedo

E petização da Receita chega a escalões intermediários - Blog do Reinaldo Azevedo - 15/12/2008

Por Adriana Fernandes, no Estadão:
Em meio à crise financeira que já mostrou forte impacto na arrecadação de novembro, a secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, promoveu nos dois últimos meses a mais profunda mudança de pessoal dos últimos 40 anos. As trocas, que no início do mês chegaram aos escalões intermediários com a substituição de mais de 50 coordenadores, têm provocado um grave problema de descontinuidade, paralisando setores como a fiscalização, combate à sonegação e repressão ao contrabando.
Auditores fiscais experientes já falam em "colapso" e "falta de comando" nessas áreas. Segundo eles, a estratégia de ações de fiscalização traçada para esse ano foi interrompida desde que a nova secretária assumiu o cargo em julho passado.Com o agravamento da crise, a reestruturação da Receita numa "tacada só" já levou apreensão à Casa Civil e a áreas do Ministério da Fazenda que lidam diretamente com a preparação de medidas tributárias, negociações com o Congresso, simulações, previsão e acompanhamento de arrecadação.
A avaliação dos fiscais é que a secretária foi politicamente inábil ao fazer uma mudança tão profunda de uma vez só e em meio à crise. Lina Maria mudou também o regimento da Receita e fez uma reforma ampla na estrutura do órgão. "Mesmo que os nomeados sejam competentes, não se muda todos os chefes sem prejuízos para a administração. É assim também nas empresas", disse uma fonte do Palácio do Planalto. Segundo a fonte, com a "crise chegando" na arrecadação o ministro da Fazenda, Guido Manteg, terá de dar uma atenção maior à Receita. No dia-a-dia, é o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, quem lida com a área. É ele o "padrinho" da escolha da secretária para o cargo.
Além de mudar os secretários-adjuntos, a secretária promoveu substituições nos cargos mais estratégicos. Entre eles, os superintendentes regionais, trocados majoritariamente por sindicalistas, conforme publicou o Estado em novembro passado.
Agora, as mudanças, publicadas no Diário Oficial da União de 5 de dezembro, chegaram ao escalão intermediário. O subsecretário Carlos Alberto Barreto, único remanescente da cúpula da equipe anterior, deve sair no início do ano.
Por Reinaldo Azevedo

PATRULHA E MISTIFICAÇÃO NO IPEA, AGORA SUBORDINADO À SEALOPRA - Blog do Reinaldo Azevedo - 15/12/2008

Tenho criticado aqui a doutrinação esquerdopata nas escolas públicas e privadas, como sabem. Mais do que isso: seja no terreno da ideologia propriamente, seja no dos valores e costumes, tenho apontado o que classifico de “intolerância dos tolerantes” — vale dizer: um grupo se declara monopolista do bem e da diversidade e passa a policiar aqueles que discordam de suas análises, promovendo patrulha e perseguição política em nome do combate à... patrulha e à perseguição política!!! As coisas estão assumindo proporções alarmantes.

O que segue é o relato de uma economista que participou de um concurso no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Não divulgo seu nome. Se ela concordar, eu o farei. O Ipea, vocês sabem, era subordinado ao Ministério do Planejamento. Agora, está sob o comando de Mangabeira Unger, o titular da antiga Secretaria de Assuntos de Longo Prazo, a SEALOPRA, conforme foi batizada aqui. O nome mudou, mas não o juízo. O presidente do Ipea é Marcos Pochmann, aquele rapaz que gosta de se apresentar com golas chinesas — e, quem sabe?, idéias idem (menos no que respeita à adesão ao mercado, claro...). O órgão, como vocês sabem, já promoveu o expurgo de “neoliberais”... Em nome da diversidade, é óbvio!!!

O que vocês lerão é o relato de como a prova de um concurso pode se transformar numa peneira ideológica. E, pior do que isso, a idiotia enverga as vestes de fina teoria. Acompanhem o relato. Volto depois:

Quem vem acompanhando os acontecimentos recentes do IPEA, iniciados desde que a nova diretoria assumiu, poderia esperar que o maior concurso da história da instituição tivesse algum viés ideológico e teria algumas excentricidades. Entretanto, o que se viu no concurso realizado no dia 13/12/2008 supera de longe a expectativa mais pessimista. Não quero aqui julgar o viés ideológico da prova e sim a capacidade de selecionar pesquisadores de qualidade.

O que deveria ser exigido na seleção de um bom pesquisador aplicado em economia (para fazer jus ao nome da instituição)? Na minha opinião, conhecimentos sobre diversas linhas de pensamento, o instrumental básico de micro e macroeconomia e econometria. O edital da prova, entretanto, já adiantava alguns problemas. A palavra “econometria” não era nem citada, e as vagas foram dividas em áreas de especialização, de conteúdo limitado, o que beneficia "concurseiros" em detrimento de economistas de formação ampla. Escolhi, por eliminação, a área "Estruturas Produtivas, Tecnológica e Industrial", que continha microeconomia e outros tópicos sobre a estrutura produtiva brasileira, e fui surpreendida com uma prova que nem condizente com o conteúdo anunciado era.

A prova é um festival de afirmações cheias de juízo de valor e de linguagem ininteligível (...). O que dizer sobre a frase: "A especulação financeira vislumbra como luz no fim do túnel o brilho do tesouro nacional"? Ou "Sem a conversão dos fundos públicos em pressuposto geral do capital, a economia produtiva capitalista é insustentável"? (...). Como se não existissem inúmeras teorias de economistas consagrados, fez-se referência à teoria de padrões de acumulação e oligopólios do sociólogo Francisco de Oliveira (que correspondeu a quase 10% da prova) e do conceito de “burocracia” do filósofo francês Claude Lefort. Para ser justa, não posso ignorar que fizeram perguntas sobre as teorias de Schumpeter, Malthus e Adam Smith, mas será que mais nada foi pensado em economia que mereça menção na prova?

Outra excentricidade foi o grande número de perguntas sobre artigos de leis e instruções normativas sobre parcelamento do solo, IPTU, Estatuto das Cidades, posse de terras e acesso à terra, que nem citados no programa estavam. Alguém deve estar se perguntando sobre o conteúdo de microeconomia, que correspondia a um terço da prova segundo o edital. Estes exigiam o conhecimento passado no primeiro dia do curso de microeconomia: "O custo total médio da produção é a soma, para cada nível de produção dos custos fixos e variáveis", ou "A teoria da firma se desdobra em Teorias da Produção, dos Custos e dos rendimentos e alicerceia a análise da oferta". Ou ainda: "Como as quantidades procuradas (QP) não dependem diretamente do nível de preços (P), é correto afirmar que não há uma relação funcional de dependência entre as variáveis QP e P".

A prova foi fechada com chave de ouro com a parte discursiva, onde as duas únicas questões eram sobre a teoria neo-shumpeteriana. Esses são os horrores da prova de "microeconomia". Não faltam exemplos nas outras áreas. Não sei se fico mais deprimida como economista, por pensar no futuro do IPEA e no que o governo considera que é um conteúdo razoável para um profissional da minha área, ou como cidadã, que pagará impostos para custear os cerca de 60 profissionais que serão contratados com base nesses critérios para ganhar quase R$ 11 mil por mês.

Voltei
Como se vê, o esquerdismo bocó é apenas um dos males do exame. Outro é a estupidez. Ocorre que o segundo tem o primeiro como seu parceiro mais freqüente. Francisco de Oliveira e Claude Lefort numa prova para selecionar economistas que vão lidar com as questões de longo prazo do desenvolvimento do Brasil? São piadas grotescas. Oliveira tenta, como vou dizer?, dinamizar a nossa economia sendo um dos mestres do PSOL... Lefort não sabe a diferença entre um croissant e um gráfico sobre produtividade... E, como fica claro no desabafo da economista, a essa mistificação pegajosa juntam-se a velha incompetência e o primitivismo intelectual. Vê-se que o exame pretende menos selecionar economistas competentes e com boa formação técnica do que, como é mesmo?, “cidadãos engajados em busca de um outro mundo possível”.

Lula pode chegar a 150% de popularidade (seria uma popularidade já comprometendo gerações futuras...), e isso não impede — ao contrário, até ajuda — que, em mais duas ou três gerações, estejamos encarando de frente os nossos ancestrais. É, os darwinistas só não estavam preparados para isto: a involução. Se vocês repararem bem, a coluna de boa parte dos nossos universitários já começou a vergar um tantinho. Mais uns três governos petistas, estaremos sendo esnobados pelos chimpanzés. Vão gozar da gente (como espécie): além de nos faltar o mindinho, também teremos perdido o polegar opositor.
Por Reinaldo Azevedo

Saturday, December 13, 2008

AI-5: 40 ANOS NESTE SÁBADO - Blog do Reinaldo Azevedo - 13/12/2008

Há 40 anos, era editado no país o Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, emblema e soma de uma política que tinha uma dimensão doméstica, mas que também espelhava dissensões que iam pelo mundo. O Brasil estava no mapa dos confrontos da Guerra Fria. E o golpe desfechado quatro anos antes era a maior evidência. Pode-se duvidar se as esquerdas marxistas conseguiriam ou não fazer a sua “revolução”, mas inegável é que se mobilizavam para tanto. Pode-se duvidar se a esquerda populista, liderada por João Goulart, seria bem-sucedida em desfechar um autogolpe, mas a tentação estava no ar. Pode-se duvidar se aqueles que se alinharam aos golpistas estavam interessados apenas na lei e na ordem — ou se tudo aquilo não passou do esforço, como dizem setores da esquerda, para a tomada do estado pelas forças do capital. Inegável é que os radicais de esquerda forneceram todos os pretextos, os verdadeiros e os apenas verossímeis, para o golpe (1964) e para o golpe dentro do golpe (1968). Tanto é assim que o regime militar brasileiro, à diferença de quase todos os seus congêneres latino-americanos, tinha apoio popular. Os brasileiros não endossavam os métodos da esquerda que se preparava para se armar e que acabou se armando. A ditadura fez água quando a economia abriu o bico.

O AI-5, sem dúvida, fez mal ao Brasil. Mas é pura mistificação, mentira das mais grotescas, atribuir o movimento de 1964 e o extremismo de 1968 apenas à ação dos “homens maus”. A democracia brasileira foi golpeada num ano e morta quatro anos depois não porque anjos lutassem contra demônios; não porque democratas lutassem contra tiranos. A liberdade só naufragou por falta de quem a defendesse, à direita e à esquerda. À diferença do que faz crer a mistificação dos egressos da esquerda armada, hoje no poder, eles não queriam um regime de liberdades. Queriam uma ditadura comunista. Não há um só documento produzido pela esquerda brasileira naquele período que defendesse a democracia. E não custa lembrar: ainda hoje, sempre que a dita-cuja é evocada, fica evidente seu caráter, vamos dizer, apenas tático. Tarso Genro, ministro da Justiça, por exemplo, diz que seu negócio é mesmo o socialismo... Dilma Rousseff, da Casa Civil e apontada como candidata do PT à Presidência, já expressou orgulho pelo seu passado. Ela pertenceu a uma organização que praticava atos terroristas. Mais do que isso: o líder de seu grupo redigiu um manual dito de guerrilha, mas que fazia a defesa aberta do terrorismo. Antes que retome o texto a partir daqui, uma pequena digressão – ou nem tanto.

A íntegra do Ai-5 está aqui. Lendo o texto, não resta dúvida: trata-se de um ato que institui uma ditadura. Já o primeiro parágrafo do preâmbulo carrega naquela linguagem patética das ditaduras: “Considerando que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção...” É... A ditadura buscava a “democracia autêntica”, como se vê. A esquerda radical, como vocês sabem, quer “a verdadeira democracia”. São adjetivos que servem de atalhos para ditaduras. O artigo 2º do ato não deixava a menor dúvida: “Art 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.”

Assim, que, em nenhum momento, seja posto em dúvida o óbvio caráter ditatorial do texto. Mais: que, em nenhum momento, se suponha que se possa construir, com um ato daquela natureza, um país civilizado. Porque ninguém jamais conseguiu ou conseguirá fazê-lo. Não há um só regime, fora da democracia representativa, que mereça tal epíteto. E qualquer flerte com alternativas, como ainda há hoje em dia à esquerda e à direta, merece o repúdio de quem entende que a democracia representativa, nas economias de mercado, oferece aos homens a oportunidade para que busquem o que de melhor pode oferecer o gênio humano. Por isso Tio Rei não é relativista, não é multiculturalista nem é “pluralista” em matéria de regimes políticos. Tio Rei é só a favor da democracia representativa – nem a “autêntica” nem a “verdadeira”. Só a democracia representativa.

Posto isso, volto lá àquele segundo parágrafo. É mentira que as esquerdas brasileiras tenham aderido à luta armada apenas depois da decretação do AI-5 e que, portanto, a luta armada e o terrorismo fossem a única saída de quem queria “combater o regime” ou, como dizem hoje alguns cínicos montados da bufunfa de indenizações indecorosas, “lutar pela liberdade”. FARSA! FARSA DAS MAIS ASQUEROSAS! Não merecem outro nome os que, distorcendo o passado de maneira miserável, escondem debaixo do tapete da mistificação suas ilusões e delírios totalitários para posar apenas de vítimas dos homens maus.

Tal constatação tem alguma relevância hoje em dia? Tem, sim. Está aí o ministro Paulo Vannuchi, por exemplo, ele mesmo um ex-subordinado de uma organização terrorista, a querer encruar a história, como se ele próprio, naquele passado, tivesse integrado uma fileira de anjos. Morreram, segundo os próprios esquerdistas, 424 pessoas em decorrência das ações legais do estado e da atuação ilegal de agentes do regime ou a ele ligados. Nessa conta, estão os que tombaram de arma na mão — e ela também servia para matar... Os esquerdistas fizeram mais de uma centena de mortos. Considerando-se o tamanho das duas forças, a letalidade das esquerdas foi bem maior. E isso é um indício do que teria acontecido se tivessem vencido. Ninguém precisa se dedicar a especulações. Onde a guerrilha marxista triunfou, os mortos se contam aos muitos milhares, aos muitos milhões. Já demonstrei aqui: por 100 mil habitantes, Fidel Castro é umas 2.700 vezes mais assassino do que o regime militar brasileiro. E, no entanto, mereceu e merece a reverência da esuerdopatia nativa. Em nome do quê? Ora, do mesmo humanismo de quando esses puros pegaram na metranca.

O fato de o AI-5, com efeito, ter sido um horror não torna heróis os facínoras de ontem ou desculpa as tentações autoritárias de hoje. Não existem boas ditaduras ou ditadores virtuosos. Não??? Não para mim, para os liberais. Podem-se encontrar muitas diferenças, sem dúvida, entre o Getúlio Vargas do Estado Novo e o Regime Militar de 64. Mas, no que concerne à democracia – ou à falta dela -, há muitas semelhanças. Não obstante, o que a soma de populismo, nacionalismo bocó e esquerdismo verde-amarelo fez com ele? Transformou-o num herói. Luiz Carlos Prestes, um comunista barbaramente torturado pela polícia do ditador, saiu da cadeia para subir no seu palanque. Entendeu que seu algoz ajudava a combater as forças reacionárias... Apanhou de Getúlio, mas queria mais Getúlio.

O AI-5, felizmente, se foi. As tentações autoritárias ainda estão estampadas na alma de muita gente para quem a adesão à democracia continua a ser apenas uma etapa. Afinal, uns a querem “autêntica”, outras a querem “verdadeira”. De fato, eles todos a odeiam e querem mesmo é ditadura.
Por Reinaldo Azevedo

Tuesday, December 09, 2008

Conheça os argumentos da ação em julgamento pelo Plenário do STF sobre Raposa Serra do Sol - Blog do Reinaldo Azevedo - 09/12/2008

Do site do STF:

Entre dezenas de ações que envolvem a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no estado de Roraima, que tramitam no Supremo Tribunal Federal, a primeira sobre a demarcação da área a ficar pronta para julgamento é a Petição (PET) 3388, ajuizada em abril de 2005 e analisada nesta quarta-feira (27) pelo Plenário do STF.

A ação foi proposta pelo senador Augusto Botelho (PT-RR) contra a Portaria 534, editada em 2005 pelo Ministério da Justiça, que demarca a reserva indígena em área contínua, e contra o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que homologou a demarcação, em 15 de abril do mesmo ano.

Na ação, o senador afirma que todo o processo administrativo que resultou na edição da portaria e na homologação da demarcação foi viciado, “divorciado da norma regente do procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas”.

Segundo o senador, a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua põe em contraposição, de um lado, o princípio constitucional da tutela dos índios e, de outro lado, os princípios constitucionais da legalidade, da segurança jurídica, do devido processo legal, da livre iniciativa, da proporcionalidade e o princípio federativo.

Para Botelho, a STF deve sopesar todos esses princípios constitucionais e considerar a demarcação descontínua da reserva para evitar que “centenas ou milhares de trabalhadores que hoje cultivam terras na área se desloquem para a periferia da capital do estado de Roraima”. Ele afirma que essa “seria uma forma de equacionar a questão de forma a permitir que nenhum princípio federativo envolvido seja vilipendiado em prol de outro”.

Vícios de origem
Na ação, o senador relaciona as inúmeras ilegalidades que teriam viciado o procedimento administrativo que levou à demarcação da reserva em área contínua. Ele cita relatório produzido por uma comissão de peritos convocada pela 1ª Vara da Justiça Federal de Roraima especialmente para avaliar o processo administrativo da demarcação.

Esse documento, denominado “Relatório da Comissão de Peritos”, teria chegado à conclusão de que o processo que culminou na demarcação foi “eivado de erros e vícios insanáveis” porque:

- ouviu apenas os indígenas favoráveis à demarcação em área contínua, todos indicados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI);
- teve a participação do governo do Estado comprometida, inclusive por omissão e descaso do próprio governo;
- não convidou acadêmicos para participar do processo;
- dos grupos religiosos, incluiu somente a Igreja Católica no grupo técnico que analisou a demarcação, sem explicitar a razão;
- não ouviu alguns municípios com terras na área da reserva (Normandia);
- não considerou os produtores agropecuários, os comerciantes estabelecidos na região, os garimpeiros, os arrozeiros e outros atores que vivem no local;
- o relatório antropológico sobre a demarcação é uma coletânea de peças que não forma um corpo lógico e não considera os reflexos da demarcação em área contínua para a segurança e defesa nacionais e para a economia do estado de Roraima;
- o laudo antropológico da Funai (Fundação Nacional do Índio) é uma reprodução de laudo que já havia sido apresentado para justificar outro tipo de demarcação das terras da Raposa Serro do Sol.

A essas irregularidades, o senador soma outras, a seguir:

- o laudo antropológico da Funai é assinado por uma única pessoa, a antropóloga Maria Guiomar de Melo, o que demonstraria a parcialidade e a conseqüente nulidade do documento, diante da “absoluta desobediência aos critérios que devem reger o procedimento administrativo de demarcação”;
- pessoas nomeadas para compor grupo interdisciplinar responsável pela produção do laudo sequer sabiam que compunham o grupo e “ficaram ainda mais espantadas quando souberam que foram nomeadas em virtude de formação especializada que nunca possuíram”;
- o laudo é “a origem e a justificação” de todas as decisões do governo federal para a demarcação da reserva em área contínua;
- a demarcação em área contínua vai gerar “irremediáveis prejuízos à segurança e à defesa nacionais” e “aos próprios índios, com ocorrência de êxodo rural” e “exacerbação dos conflitos” porque a demarcação abrange índios de diferentes etnias;
- os índios que habitam a área estão totalmente integrados à sociedade e serão prejudicados, uma vez que o decreto que demarca a reserva proíbe “o trânsito e a permanência de pessoas ou grupos não-índios” na região;
- a demarcação, como quer o governo, “subverte toda uma ordem que há décadas se vem cristalizando” e também obriga “não-índios que habitam a região há três ou mais gerações” a abandonar suas terras;
- a demarcação rompe com o equilíbrio federativo, uma vez que o estado de Roraima possui mais da metade de seu território como bem da União. Ou seja, grandes extensões territoriais, que poderiam ser alvo de políticas públicas do governo estadual, são afetadas por outro ente federativo, a União;
- o senador diz que, segundo as Forças Armadas, a demarcação da reserva, com áreas ricas em minerais e de difícil controle, ocupadas por minorias pouco expressivas da população brasileira, pode levar a pressões internacionais insuportáveis e a uma impossibilidade de fiscalização da área. As Forças Armadas lembram, ainda, a pretensão da Venezuela de estender sua fronteira até o rio Essequibo, localizado em território fronteiriço ao da reserva (próximo à Guiana), e a intenção da ONU (Organização das Nações Unidas) de restringir a atuação militar em território indígena;

Por fim, o senador Augusto Botelho afirma que uma comissão criada pelo Senado elaborou relatório propondo a demarcação descontínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, com a exclusão:
- das áreas necessárias à exploração econômica;
- das sedes do município de Uiramutã e das vilas de Àgua Fria, Socó, Vila Pereira e Mutum;
- das estradas estaduais e federais da área, com o livre trânsito nessas vias;
- da área do Parque Nacional Monte Roraima;
- das áreas tituladas pelo Incra e dos imóveis com propriedade ou posse anterior a 1934;
- de faixa de 15 quilômetros ao longo da fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela.
Por Reinaldo Azevedo

A Fundação Ford e os padres de cocar venceram disputa no Supremo - Blog do Reinaldo Azevedo - 09/12/2008

Três ministros ainda não pronunciaram o seu voto sobre Raposa Serra do Sol: Marco Aurélio de Mello, que pediu vista; Celso de Mello, que preferiu votar depois das considerações de Marco Aurélio, e Gilmar Mendes, presidente da Casa, que é sempre o último a manifestar o voto. Até que o resultado não seja proclamado, eles podem mudar de idéia. Logo, tecnicamente, o resultado não pode ainda ser considerado definitivo. Mas dificilmente, creio, haverá uma mudança. E a decisão não é nada auspiciosa. Os oito votos dos ministros, em que pesem as ressalvas corretas, mas irrealistas, do ministro Menezes de Direito (ver post abaixo), criaram a categoria dos sub-brasileiros: os não-índios que estão na Raposa Serra do Sol — algumas famílias estão na região desde o século 19. Os senhores ministros ignoraram a história da formação do povo brasileiro, a economia do estado de Roraima e, creio, o direito adquirido de algumas famílias para se fixar numa doxa: “Os índios tem direito à sua terra”. Só lá? Vamos com calma.

Em primeiro lugar, um esclarecimento técnico. Marco Aurélio certamente pretende — ignoro o conteúdo — fazer alguma ressalva no que, creio, antevia ser a decisão da maioria do tribunal: manter a demarcação contínua da área, com a expulsão dos não-índios da região. Os votos na casa são dados por Antigüidade: dos menos para os mais antigos — excetuando-se o presidente, o último. Marco Aurélio seria o antepenúltimo a votar: depois dele, só Celso de Mello, o decano da Casa, e Mendes. Ao antecipar seu pedido de vista, tentou, vamos dizer, interferir no julgamento. Mas foi mal-sucedido, infelizmente, porque houve uma espécie de rebelião dos demais: “Vista de novo?” O regimento permite que os ministros antecipem o seu voto. E foi o que fizeram os oito que votaram a favor da reserva contínua.

Também seguindo o regimento e, dado que não se tratava de uma votação definitiva — porque, com o pedido de vista, isso é impossível —, ficou também adiado o julgamento da liminar que permite a presença dos arrozeiros na região. Alguns ministros entendiam que a saída dos agricultores da área deveria ser imediata. Coube a Mendes lembrar a saída regimental.

Arrozeiros ficam ou não?
A situação se complicou muito para os agricultores. A disposição dos que votaram pela reserva contínua de cassar já a liminar era evidente. A decisão de fazer o voto antecipado, sem aguardar o pedido de vista, também evidencia a disposição da maioria de garantir a reserva contínua e de expulsar de lá os não-índios. Marco Aurélio, sei lá, de expor um voto realmente formidável — se é que ele realmente não concorda com a maioria — para mudar a decisão já anunciada de seus colegas. E acho que isso não vai acontecer. Não que ele não tenha condições técnicas para fazê-lo. Mas, parece-me, há algo como um birra no ar.

Se querem saber por que o STF caminha para fazer uma coisa estúpida, basta ler as exigências de Direito, que votou a favor do atual status da reserva. São, reitero, disposições corretas, mas, vistas com realismo, são risíveis. Reza o item nº 3 de sua lista: “O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional”. Agora leiam o nº 4: “4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira”. Até as pepitas de ouro da região sabem que já há mineração ilegal em Raposa Serra do Sol — como há em muitas outras reservas indígenas. E a exploração é feita por índios mineradores, não por brancos (ou não-índios). Quem vai impedir a continuidade?

Menezes tenta responder à hipótese de que a região poderia, no futuro, reivindicar uma espécie de autonomia com estes dispositivos:
5 – O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai”.
Hoje, a Funai e os índios criam restrições à entrada dos agentes do estado nas reservas indígenas. O ministro pretende disciplinar a questão.

Admitidas as suas 18 ressalvas por todos os ministros, haveria uma chance de manter os arrozeiros na região. Leiam: “11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai”. A Funai, naturalmente, com o seu, digamos, fanatismo, não aceitará a presença dos agricultores. A menos que os demais ministros tragam argumentos muito fortes, antes da proclamação do resultado, a maioria do STF está expulsando os arrozeiros da região.

Doze mil índios? 15 mil índios? 19 mil índios? Ninguém sabe ao certo. O fato é que eles terão um país nas mãos, 11 vezes maior do que a cidade de São Paulo — que tem 11 milhões de habitantes. A área que lhes está reservada supõe — ou alguém me diga por que eles precisam de tanta terra — que vivam da caça, da pesca e da coleta de frutas. E isso é uma mentira grotesca. Trata-se de índios completamente integrados à economia capitalista. Há, entre eles, pecuaristas, vaqueiros, agricultores, pedreiros, professores... Teremos um dos maiores vazios populacionais do planeta, que o ministro Direito pretende que vá agora merecer a atenção do estado. Basta ver como são tratadas as outras reservas para saber que isso não vai acontecer.

É formidável que, tudo o mais constante, os arrozeiros tenham de ser expulsos de Raposa Serra do Sol, mesmo ocupando menos de 1% da área. Quem ouviu o voto do ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, ficou com a impressão de que os agricultores são notórios agressores da natureza, o que é falso. O cultivo do arroz numa área plana na margem da reserva não agride a natureza, à diferença, aí, sim, da mineração ilegal, comandada por índios e com a ajuda explícita de uma ONG estrangeira.

Os ministros, parece, estão menos arbitrando um conflito do que votando numa doxa, de sorte que um dos lados tem toda a razão, e o outro, nenhuma. Qual será o resultado disso? O mais provável é que o país fique sem o arroz produzido em Raposa Serra do Sol, que a relação harmoniosa, porque era, estabelecida entre os agricultores e a maior parte dos índios — TODOS ACULTURADOS — da região ceda à beligerância, que o estado brasileiro entregue ao Deus-dará a região e que, enfim, ela se pareça com uma daquelas terras de ninguém do centro-sul do Pará, onde, volta e meia, se ouve falar de um ou muitos cadáveres.

Eis o que está sendo produzido pelos grandes lentes do direito brasileiro. E que se note: mesmo assim, aqueles índios seguem tutelados. Como naquela musiquinha, vivemos a lógica de “cada um no seu quadrado”, menos quando os maiores latifundiários do planeta precisarem da ajuda e da atenção do homem não-índio.

A Fundação Ford, que financia o CIR — Conselho Indígena de Roraima —, e os padres de cocar comprados na 25 de Março (rua de comércio popular em São Paulo) ganharam. Convenceram quase todo o Supremo.
Por Reinaldo Azevedo

Raposa Serra do Sol 1 - Contra a mistificação - Blog do Reinaldo Azevedo - 09/12/2008

O STF recomeça hoje o julgamento sobre Raposa Serra do Sol. Duvido que haja coisas novas a dizer a respeito – neste blog ou em qualquer lugar. A questão é saber se vamos ceder à mistificação de ONGs e a uma fraude histórica e antropológica, jogando brasileiros contra brasileiros, ou se o STF optará por uma solução de compromisso que atenda aos interesses do país, sem desservir as partes envolvidas. E isso é plenamente possível. Republico um texto de 16 de maio deste ano que, quero crer, contempla muitos aspectos relevantes da decisão.
*
A cada dia fica mais evidente a maluquice do governo Lula ao tentar transformar a região de Raposa Serra do Sol numa área contínua de reserva indígena. Não fosse a história demonstrar que a presença do branco na área remonta ao século 19; não fossem as evidências de fraude no tal laudo antropológico que dá amparo técnico à decisão; não fossem as provas factuais de que os índios já não vivem mais como seus antepassados, há a questão, sim, estratégica — e não diz respeito apenas ao controle das fronteiras. A região é rica em ouro, diamante e especialmente nióbio. O mapa das riquezas minerais tem uma exata coincidência com o mapa das reservas — tanto a ianomâmi como, agora, a Raposa Serra do Sol.

O qüiproquó todo se deu por causa dos arrozeiros, que resolveram resistir. Mas eles ocupam uma área ridiculamente pequena: apenas 0,7% de toda a reserva, onde se produzem 159 mil toneladas de arroz. Os índios vivem da agricultura, da pecuária e, como ficou evidente na reportagem do Jornal da Globo, do garimpo, uma atividade proibida por ali. A reportagem surpreendeu dois índios — falando com todos os esses e os erres de quem domina o português há gerações — na beira do rio. Duas ou três mergulhadas da bateia na água, e o ouro aparece.

É grotesco que essa questão esteja em debate quando há uma crise no Ministério do Meio Ambiente e se fale em desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ora, o que se entende por isso? Fechar os índios num jardim zoológico? Esse é o sonho de alguns antropólogos desmiolados. Tão logo os “brancos” saiam dali — se tiverem de sair —, há, isto sim, o risco de uma guerra civil entre os índios. Esqueçam: a noção de propriedade já chegou à região. Eles estão em busca de atividades que rendam lucro, como em qualquer economia capitalista. Não se vai realizar ali o sonho edênico da propriedade coletiva. E vão, como qualquer ser humano, buscar as atividades mais rentáveis.

A verdade é que a “causa” Raposa Serra do Sol vocaliza a militância de uma único grupo: o Conselho Indígena de Roraima (CIR), que é financiado por ONGs — duas em especial: a Fundação Ford, como já demonstrei aqui, e a The Nature Conservancy, que recebe dinheiro dos governos dos Estados Unidos, Reino Unido e França. Sua representante falou ao Jornal da Globo. A ONG auxilia os índios a encontrar áreas para a agricultura, pecuária e, pasmem!, mineração. Só que, por enquanto, o governo brasileiro proíbe a mineração na região.

Mas e daí? O governo brasileiro proíbe, e as ONGs estimulam. E como é que o Planalto resolveu tomar conta, enfim, do seu território? Ora, expulsando de Raposa Serra do Sol os não-índios. É uma estupidez. Ademais, a própria CIR diz reunir pouco mais de sete mil indivíduos — dos 19 mil que vivem lá. Como já é um organismo político, é bem possível que tenha muito menos gente. Mas que se dê de barato: ainda assim, trata-se de uma minoria.

Não adianta tentar dourar a pílula. O Brasil é signatário da tal Declaração dos Povos Indígenas, da ONU. Isso quer dizer que o governo está de acordo com os seus pressupostos (se quiser ler íntegra da declaração, está aqui). Se está, concorda, então, com isto:

Artigo 3
Os povos indígenas têm direito à livre determinação. Em virtude desse direito, determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Artigo 4
Os povos indígenas no exercício do seu direito à livre determinação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como os meios para financiar suas funções autônomas.
Artigo 30
“Não se desenvolverão atividades militares nas terras ou territórios dos povos indígenas, a menos que as justifiquem uma razão de interesse público pertinente, ou que as aceitem ou solicitem livremente os povos indígenas interessados”.

Não há ambigüidade nenhuma aí. As coisas são o que são. Essa é a causa das ONGs da região, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário, a facção da Igreja Católica ligada ao que chamo de “Escatologia da Libertação”. Vocês sabem, não? Se deixássemos a agricultura por conta dos “padres progressistas”, a fome certamente já teria matado uns três quartos da humanidade.

A delimitação da reserva Raposa Serra do Sol nasce de uma fraude técnica. A causa alimenta-se do equívoco, quiçá da cupidez. E o país não terá um bom futuro se continuar a jogar brasileiros contra brasileiros, pouco importa a sua origem. Ou a cor de sua pele.

Que o STF aja com sabedoria!
Por Reinaldo Azevedo

Monday, December 08, 2008

Hospício - PT critica BC, pede Estado forte e culpa PSDB por crise - Blog do Reinaldo Azevedo - 08/12/2008

Por Silvia Amorim, no Estadão:
De olho na sucessão presidencial em 2010, o PT já prepara o discurso eleitoral para neutralizar eventuais impactos da crise financeira sobre uma candidatura petista. A estratégia é empurrar para os principais adversários nas próximas eleições, o PSDB e o DEM, a responsabilidade por dificuldades econômicas que venham a surgir nos próximos dois anos.
"A crise tem pai e mãe. Ela é uma crise do modelo neoliberal, daqueles que no Brasil defenderam as idéias de desregulamentação do Estado, ou seja, o PSDB e o DEM. E esse debate o PT vai fazer. Os neoliberais perderam", disse ontem o secretário nacional de Comunicação do PT, Gleber Naime, no desfecho do seminário da ala do PT Construindo um Novo Brasil. O grupo é liderado pelo ex-deputado José Dirceu.
A crise mundial e os efeitos dela na disputa eleitoral foram a tônica do encontro, realizado no fim de semana em um hotel em São Roque, no interior paulista. Foram três dias de palestras com a participação de petistas de peso, como a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, e o presidente nacional do partido, Ricardo Berzoini.
Se a artilharia será pesada contra os "neoliberais brasileiros", na mesma intensidade, mas em sentido oposto, virão os elogios à conduta do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante do caos financeiro mundial. "Na nossa reflexão todas as medidas tomadas até agora pelo governo Lula foram corretas", destaca Naime.

Juros menores
Os petistas fecharam questão também sobre algumas cobranças a serem levadas a Lula. "O governo precisa fazer uma combinação: diminuir a taxa de juros, diminuir superávit (primário) e jogar mais dinheiro para financiar a economia popular, principalmente na habitação e no saneamento", disse o secretário, ao resumir as conclusões tiradas do seminário.
A discussão sobre o nome do próximo presidente do partido ficou esvaziada. O chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, é o mais cotado hoje para assumir o posto no biênio 2009-2010.
O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), classificou o discurso petista de "desnorteado e primitivo". "O que fez com que o Brasil esteja em melhor condição hoje para enfrentar essa crise foi a nossa política, com o Plano Real, o Proer, a Lei de Responsabilidade Fiscal", rebateu.
O deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente nacional do DEM, ironizou: "Isso mostra que nem eles estão acreditando no presidente Lula quando ele diz que a crise é só uma marolinha."

Comento
No post lá do alto, pus um link da minha entrevista para a CBN. Eis aí. O Brasil só cresceu nesse período porque, afinal, o governo Lula não fez nenhuma das besteiras que estão sendo de novo defendidas pelo PT. Viram só? Enquanto havia bonança, faziam crer que tudo derivada das escolhas de Lula. Diante da crise, eles viram “esquerdistas” de novo.

Mas coisa de hospício é responsabilizar o PSDB e o DEM seis anos depois de Lula estar no poder. Entenderam a lógica? Enquanto o país ia bem, o Apedeuta era o grande mago. Agora começou a ir mal, e os tucanos são a Maga Patalógica da crise.

Tenho dito nos eventos de lançamento que O País dos Petralhas não é um livro contra um partido, mas contra um método de fazer política e de governar. Sim, é um livro contra o método que se vê acima.
Por Reinaldo Azevedo