Saturday, July 17, 2010

Uma carta aos leitores... Blog do Reinaldo Azevedo - 17/07/10

Leitores do Tio Rei,

não sou tipo que, invejando a saúde dos jovens, o colágeno de sua pele, cantarola: “Esses moços/ pobres moços/ ah, se soubessem o que eu sei”… Aos 48, ainda não tenho idade pra isso, embora não me fizesse mal nenhum ter agora 25 — de preferência, sabendo o que eu sei, hehe. Brincadeirinha à parte, idade ou juventude indicam, sem dúvida, mais experiência ou menos, mas não necessariamente mais repertório ou menos. Os livros existem também para que nos preservemos de certos enganos, sem que precisemos passar por eles.

Por que essa conversa? Compadecem-me um tantinho os jovens jornalistas e candidatos a tanto, ainda nas universidades. Refiro-me a dois grupos em particular:
1) aos que “sabem”, porque bastante lidos, e tiveram ou têm de suportar a patrulha bucéfala em seus cursos, submetidos à glossolalia ideológica esquerdopata de professores que transformam as salas de aula em verdadeiras madraçais partidárias;
2) aos que se deixaram seduzir, muitas vezes sem nem perceber, pelo “outro mundo possível”, sem se dar conta de que “o outro mundo possível” só foi “impossível” até agora porque, a partir de certo estágio, a civilização resiste ao horror — o que não quer dizer que não possa cair nele, como provaram os fascismos europeus do século passado e o bolchevismo.

Como sabem, sou bastante crítico da imprensa, mas não para controlá-la e esmagá-la, como Dilma deixou claro querer no programa que rubricou, mas não tragou. Reconheço que a coisa é realmente complicada para os moços. Como se livrar daquela craca que se grudou ao pensamento, a lhes dizer que sua tarefa não é relatar o que vêem e o que apuram, segundo a regra da ordem democrática, mas promover “justiça social”, como se a dita-cuja fosse um conceito universal ou natural, feito a Lei da Gravidade, e não estivesse ela própria submetida a crivos ideológicos? Como é que essa “meninada” vai entender que essa tal “justiça social” é parte de um discurso organizado de quem tem um projeto bem mais amplo do que simplesmente promover a “igualdade”?

É difícil! A questão lhes é proposta, desde a mais tenra idade — e eu tenho filhas, lembram-se? —, como uma imposição moral, de sorte que a agenda ideológica fica diluída numa conversa pastosa sobre a igualdade, a maldade das elites, o egoísmo… Em que momento esses jovens entraram em contato com o pensamento que assegura, porque isto é história, que é a democracia a grande promotora da justiça social, e não a justiça social a promotora da democracia? Resposta: nunca!

Os exemplos estão aí: nos países em que o discurso da justiça social se tornou o redutor do debate público, prosperaram e prosperam as ditaduras; naqueles em que a ordem democrática é tornada questão inegociável, não se admitindo práticas que a solapem, caminha-se progressivamente para a redução das condições que geram as desigualdades, restando a cada indivíduo arbitrar sobre o seu destino, porque este segue sendo o único horizonte que dignifica a vida humana: a escolha.

Os dirigentes que transformaram a “justiça social” no objeto último de sua luta caminharam, sem exceção, para a ditadura — e pouco importa saber se seus propósitos eram originalmente bons. Os que fizeram da democracia seu horizonte inegociável tornaram o mundo mais tolerante; produziram a igualdade das leis para que os homens, livres para escolher, pudessem ser desiguais.

Sei, no entanto, que há uma espécie de “conspiração da bondade” contra os fundamentos da democracia. Militâncias particularistas — de gênero, de cor de pele, do meio ambiente, até de categorias profissionais — tomaram o lugar antes ocupado pela velha “luta de classes” e pretendem, a partir de sua visão muito particular de mundo, construir um saber de abrangência supostamente universal. Levadas a efeito todas as suas propostas, seríamos, sem dúvida, menos livres porque teríamos de obedecer aos “superintendentes” das causas.

Os jovens se deixam seduzir muitas vezes não porque sejam bobos, mas porque pretendem ser justos; ignoram que certas “causas”, se bem-sucedidas, solapariam justamente o regime de liberdades que lhes permite a manifestação, a organização, o protesto. Esse ímpeto, no mais das vezes, é manipulado por grupos ideológicos — no caso do Brasil, por um partido político em particular: o PT. Partido que, diga-se, em muitos aspectos, não poderia ser mais “da ordem” do que é; no que concerne à democracia, continua a ser da desordem — desordena a democracia.

Imprensa e bem-estar democrático
Penso naquele programa que Dilma enviou ao TSE, depois substituído por outro, não menos deletério no que respeita à imprensa. A sede de controlar a “mídia” foi reiterada depois, de modo um tanto oblíquo, numa entrevista concedida pelo presidente do partido.

Na oposição, os petistas exaltavam a liberdade de imprensa; no governo, passaram a lastimá-la. Na oposição, contavam com o trabalho da imprensa para chegar ao poder; no governo, querem silenciá-la para continuar no poder. A liberdade, pois, que lhes foi tão útil para a conquista de um objetivo passou a ser um empecilho para a conquista do outro.

O “controle da mídia” é uma dessas causas vendidas aos jovens. Nós conhecemos uma das respostas do PT à imprensa que o partido considera “pouco afeita (sic) à qualidade, ao pluralismo e ao debate democrático”: a malograda TV Pública, cuja mensagem se propaga numa vasta e milionária solidão, falando para ninguém. O governo e o partido, nesse particular, não têm conseguido nem mesmo ser doutrinários. O leitor, o telespectador, o ouvinte e o internauta repudiam a imprensa chapa-branca, o jornalismo a soldo, feito sob mando do estado, do governo ou de um partido.

O PT dos vários programas tem, na verdade, um programa só: substituir a sociedade pelo partido, daí as reiteradas tentativas de controlar a imprensa. O jornalismo digno desse nome, que não se confunde com os esbirros a soldo, investiga o poder, questiona os poderosos, fala em defesa dos direitos protegidos pela Constituição. E é alvo permanente dos que preferem se esgueirar nas sombras, atuando à margem da lei. Enquanto extremismos homicidas lutavam para provar a moralidade superior de suas respectivas ditaduras, a imprensa brasileira encarnava a firme, paciente e continuada defesa da democracia e do estado de direito. E tem de continuar livre. Porque quero continuar a criticá-la!

A imprensa, como destacou a Carta ao Leitor da VEJA, na semana passada, não tem lições a receber de quem não compreende o valor universal da democracia e pretende subordiná-la aos interesses de um partido e de grupos de pressão que, sob o pretexto de representar a diversidade, falam em nome de seus próprios preconceitos.

A liberdade de imprensa não é uma concessão que governos generosos ou compassivos fazem à sociedade. Ao contrário: os governos é que são uma concessão dos cidadãos à necessidade de um ordenamento jurídico que garanta as liberdades individuais. Elegemos governos para que eles assegurem os nossos direitos, não para que os cassem.

Os autoritários transformam o estado e o governo numa finalidade. Para os democratas, eles são meios que asseguram as liberdades individuais e públicas. A imprensa é o pilar do bem-estar democrático, sem o qual a meta do bem-estar social é promessa vã de embusteiros.

Paro (talvez…) uns dias para descansar, mas já estou cheio de ânimo para o retorno. Todos dizem querer o bem-estar social, e essa luta, sem dúvida, já está muito bem representada e tem muitos militantes. Saio um pouquinho e volto para a causa para a qual os convoco: O BEM-ESTAR DEMOCRÁTICO, pouco importa quem vença as eleições. Não permitiremos que façam a nós, em nome de seus princípios, o que jamais faríamos a eles, em nome dos nossos.

O “Estado de Bem-Estar Democrático!” É o nome de nossa causa!

Por Reinaldo Azevedo

Sunday, June 20, 2010

Os manuscritos de Getúlio e o prefácio que Lula não escreveu - Blog do Augusto Nunes - 19/06/10

Nunca antes neste país houve um presidente que não tivesse lido sequer uma orelha de livro nem escrito pelo menos alguma anotação na agenda. Lula foi o primeiro. Ele jamais escondeu a aversão a leituras ─ ou porque dão azia, no caso dos jornais, ou porque são mais estafantes que exercício em esteira, se passam de 10 centímetros. E ninguém jamais o viu empunhando uma caneta ou dedilhando um teclado para produzir meia dúzia de linhas sobre o que quer que seja.

Há sete anos e meio em Brasília, Lula não sabe se existe alguma estante na Granja do Torto, nem procurou saber onde fica a biblioteca do Palácio da Alvorada. E sua letra foi vislumbrada pela primeira (e última) vez em 1982, zanzando sem bússola num recado tatibitate ao sobrinho que fazia aniversário. De lá para cá, não rabiscou lembretes em agendas, não fez anotações em diários, não mandou cartas, e-mails ou bilhetes ordenando a Gilberto Carvalho que o acordasse mais tarde. Nunca escreveu coisa alguma.

Começou agora, avisou o senador Aloízio Mercadante em 13 de Junho do Ano de Graça de 2010: “Entreguei um exemplar do meu novo livro ‘Brasil, a construção retomada’ ao presidente Lula, que fez o prefácio”, garantiu a mensagem transmitida pelo twitter do Herói da Rendição. A notícia embutia uma segunda descoberta igualmente assombrosa: como ninguém escreve o prefácio sem ter lido o livro, Lula ─ entre a assinatura de um tratado de paz no Oriente Médio e a celebração de um acordo no Irã ─ encontrara tempo para ler com a devida atenção outro filhote do prolífico Mercadante.

Desde novembro passado, os interessados na compreensão da saga republicana aguardam, justificadamente excitados, a divulgação de quase 700 bilhetes enviados por Getúlio Vargas a Lourival Fontes, chefe da Casa Civil do governo constitucional. Redigidos entre o começo de 1951 e agosto de 1954, deverão chegar às livrarias junto com o catatau do senador. Os manuscritos de Vargas podem jogar mais luz sobre uma tragédia. O prefácio pode ser jogado no lixo: é só outra farsa. Lula limitou-se a garatujar a assinatura no palavrório que alguém escreveu.

Por ação ou omissão, os intelectuais companheiros se tornaram cúmplices da celebração da ignorância. O que houve com o Brasil para engolir sem engasgos alguém incapaz de desenhar um O com um bule?, pergunta a gente sensata. O que leva um país a tratar como inimputável um chefe de governo incapaz de produzir um único registro escrito sobre os anos vividos no coração no poder? Conversa de elitista, recita o ensaísta Antônio Cândido, que não fez outra coisa na vida além de lidar com palavras.

“Acho que os historiadores do futuro terão dificuldade em entender o contraste entre essa quase unânime reprovação do Lula pela grande imprensa e sua também descomunal aprovação popular”, escreveu Luis Fernando Verissimo. “O que vai se desgastar com isto é a idéia da grande imprensa como formadora de opinião”. É muito cinismo, estariam berrando os intelectuais independentes e os estudantes livres de cabrestos ideológicos se ambas as espécies não estivessem em extinção no Brasil da Era da Mediocridade. O que os historiadores do futuro custarão a entender é a vassalagem prestada por escritores estatizados, cronistas federais e humoristas amestrados ao chefe que encarna a Era da Mediocridade.

A julgar pela comédia nsaiada por Mercadante, o rebanho agora quer promover o pastor a homem de letras. É tarde. O espaço reservado a Lula no Museu da República não terá uma única gaveta ocupada por cartas, diários, anotações, rascunhos, recados, mensagens, canetas, lápis, boletins escolares, composições à vista de uma gravura ─ nada. Se algum curador oportunista fizer de conta que prova de fraude é documento histórico e expuser à visitação pública as páginas que abrem o livro de Mercadante, tomara que não fiquem ao lado dos bilhetes de Getúlio.

Os manuscritos permitirão que se contemple com mais nitidez o ocaso perturbador de um estadista que saiu da vida para entrar na História. O prefácio que Lula não escreveu desnuda a cabeça primitiva de um político que caiu na vida e caiu da História.

Monday, March 22, 2010

Se ouvisse Arias em vez de Lula, Obama não teria quebrado a cara - Blog Augusto Nunes, 21/03/10

Barack Obama precisou de uma crise política em Honduras, reincidências atômicas no Irã, um pedido de socorro formulado por presos políticos cubanos e aparições da comitiva brancaleônica no Oriente Médio para descobrir o tamanho do engano cometido em abril de 2009, na Cúpula das Américas de Trinidad-Tobago. O presidente americano desembarcou para a apresentação de estreia no clube dos cucarachas com pouca informação e muita pressa. Fez uma escolha errada ainda no primeiro dia e retornou a Washington sem corrigir o equívoco tremendo.

Se conhecesse a cabeça de Lula, teria evitado dizer qualquer coisa que permitisse ao intérprete do Itamaraty jurar ao presidente brasileiro que, segundo o novo inquilino da Casa Branca, ele era o cara. Se tivesse tempo para ouvir com a merecida atenção o discurso de Oscar Arias em Trinidad-Tobago, Obama talvez entendesse de imediato que o cara era aquele. Para tanto, bastaria pinçar alguns trechos e confrontar o que disse o presidente da Costa Rica com o falatório de Lula. Como atestam os pontos de vista abaixo resumidos, cinco temas seriam suficientes para uma comparação muito reveladora:

EDUCAÇÃO
ARIAS : A escolaridade na América Latina ─ 7 anos, em média ─ é inferior ao da maioria dos países asiáticos, dos Estados Unidos ou do Canadá, que têm o melhor sistema educacional do mundo, similar ao dos europeus. Esse tempo é insuficiente. De cada 10 estudantes latino-americanos que chegam ao curso secundário, só um consegue concluí-lo. Não estamos educando corretamente nossos filhos.

LULA: Ninguém melhor que o Amador Aguiar, que virou dono do Bradesco sem ter estudado, para provar que a inteligência é uma coisa à parte, e a universidade é apenas o aumento do conhecimento que as pessoas precisam ter sobre determinadas coisas específicas. No Brasil se adquiriu o hábito de confundir título universitário com sabedoria, título universitário com inteligência, o que é uma coisa descabida.

UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO
ARIAS: A América Latina já tinha universidades quanto surgiram as primeiras dos Estados Unidos. Mas nossas universidades parecem estacionadas nos anos 60, 70. Parecemos ter esquecido que o Muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989 e que o mundo mudou. Continuamos a discutir sobre todos os “ismos”. Ainda discutimos se o melhor é capitalismo, socialismo, comunismo, liberalismo, neoliberalismo, socialismo-cristâo. Os asiáticos encontraram no fim do século passado um “ismo” muito mais realista para o século XXI: pragmatismo. Desde 1979, os chineses crescem a 11%, 12% ou 13%, e livraram da pobreza 300 milhões de pessoas. Enquanto isso, continuamos a discutir ideologias que devíamos ter enterrado há muito tempo.

LULA: Ninguém criou mais universidades que o torneiro-mecanico analfabeto que foi eleito presidente. (…) É importante que os universitários tenham sua ideologia, seus ideais. Isso é uma coisa muito pura. (…) O neoliberalismo quase acabou com o Brasil. (…) Nossa economia vai continuar crescendo porque isso é coisa do destino.

CARGA TRIBUTÁRIA
ARIAS: Nós temos países cuja carga tributária é de 12% do Produto Interno Bruto. É um índice absurdo, e não sabemos cobrar das classes realmente mais ricas o dinheiro devido.

LULA: Tem gente que vive reclamando da nossa carga tributária de 34% do PIB. Não imaginem um país com carga tributária fraca. Não tem país no mundo em que o Estado possa fazer alguma coisa que não tenha uma carga tributária razoável. Todos nós queremos pagar menos impostos e todos nós queremos melhores serviços, e é incompatível essa dádiva de Deus de menos impostos e mais serviços.

ORÇAMENTO/INVESTIMENTOS
ARIAS: Não é possível que a América Latina esteja gastando 50 bilhões de dólares com armas e soldados. Não faz sentido países desperdiçarem tanto dinheiro com despesas militares. Nossos inimigos reais são as carências do sistema educacional, o analfabetismo, a má saúde dos nossos povos, a falta de cuidados com a preservação ambiental, a falta de investimentos em infra-estrutura, a escassez de rodovias, portos e aeroportos, a desigualdade social vergonhosa.

LULA: Durante vinte anos, as Forças Armadas foram sucateadas, os equipamentos envelheceram. Isso precisa ser substituído, modernizado. (…) E se alguém resolver, por exemplo, invadir o pré-sal? (…) O Brasil, na década de 70, tinha empresas modernas, que produziam tanques, um monte de armas para as Forças Armadas. Isso foi desmontado, e nós queremos recuperar. (…) O que falta fazer de obra será feito pelo PAC. É o programa administrativo mais perfeito que já existiu neste país.

AMÉRICA LATINA E EUA
ARIAS: Não podemos culpar os Estados Unidos pelos nossos males passados, presentes e futuros. Alguma coisa os latino-americanos fizeram e continuam fazendo de errado.

LULA: Os Estados Unidos deveriam ter uma política mais pró-ativa para a América Latina. (…) Nunca antes neste país um presidente fez as coisas tão certas como eu estou fazendo.

Obama demorou quase um ano para descobrir que Lula era só mais um asterisco na História ─ e que Oscar Arias é um dos raros sinais de vida inteligente na América Latina. O noviço americano errou de cara. Quebrou a cara.

Friday, March 19, 2010

São ideológicos, por isso corrompem. Roberto Jefferson - Folha de São Paulo - 19/03/10


Roberto Jefferson – na Folha de São Paulo
Um dos traços constantes da vida brasileira é a coexistência de dois tipos heterogêneos e incomunicáveis de política: a “profissional”, cuja única finalidade é o acesso a cargos públicos para a conquista de benefícios pessoais ou grupais, e a socialista (ou “capitalismo burocrático-corporativo”, como define o sociólogo Fernando Henrique Cardoso), empenhada na conquista do poder total sobre a sociedade.
A segunda vale-se ocasionalmente dos instrumentos da primeira, mas, sobretudo, cria os seus próprios: os “movimentos sociais” (o adestramento de formidáveis massas militantes dispostas a tudo), a ocupação de espaços na administração federal e em áreas estrategicamente vitais e, por último, mas não menos importante, a conquista da hegemonia cultural.
As próximas eleições vão opor, numa disputa desigual, a política socialista à profissional. Esta emprega os meios usuais de propaganda, enquanto aquela utiliza todos os meios disponíveis (inclusive os heterodoxos).
O político profissional tem a seu favor somente os eleitores, que se manifestam a cada quatro anos e depois o esquecem, enquanto o socialista tem a vasta militância, pronta a matar e a morrer por quem personifica suas aspirações.
O voto, ainda que avassaladoramente majoritário, não afiança ninguém no poder. O que garante a supremacia é a massa organizada, disposta a apoiar o eleito todos os dias e por todos os meios. Vejam a situação da governadora do Rio Grande do Sul: quando a oposição se vangloriou de ter “varrido o PSDB do Estado gaúcho”, não percebeu que tentara expulsá-lo apenas de um cargo público.
O maior erro que as débeis oposições cometem é não saber enfrentar o modelo político socialista.
É de acentuar que a quase totalidade do empresariado nacional já foi cooptada e aceita naturalmente o petismo, que se adonou e faz uso do histórico caráter patriarcal do Estado brasileiro -sedimentado pela ditadura militar- em seu benefício.
O estatismo foi reconfigurado. É mais fácil controlar mecanismos reguladores (em todos os níveis) e instâncias de fomento e financiamento, que tornam reféns de seus interesses os capitães da indústria privada.
Na discussão orçamentária, os políticos profissionais preocupam-se apenas com emendas que podem fortalecê-los em suas bases, proporcionando-lhes benefícios particulares.
Nenhum deles confronta a tradição doutrinária de controle da máquina pública e do exercício do poder, delineada desde Maquiavel.
Seguidor de Lênin, Trótski, Stálin e Gramsci, o petismo, por meio de seu núcleo dominante, abriu mão da luta armada, mas não do objetivo revolucionário. E valem-se da União, a garantidora de empréstimos a municípios e Estados. É o clientelismo, dos quais são porta-vozes os políticos de todos os partidos, que, assim, jogam pelas regras estabelecidas por aqueles que detêm o poder decisório.
A eventual saída do PT da Presidência, porém, não mudará esse quadro. Porque os aparatos administrativo-arrecadadores (Receita Federal, INSS) e fiscalizadores senso estrito (policial e judicial), além da órbita cultural, foram aparelhados.
O PT detém controle também sobre os sindicatos, o funcionalismo público, o aparato repressivo (MPF e PF, usados para destruir seus inimigos, fazendo terrorismo e chantagem política), os estudantes, os camponeses, a igreja, a intelectualidade artística, universitária e jurídica.
Se eleito, portanto, José Serra vai comandar uma máquina estatal dominada por adversários, muitos deles indicados para atuar em tribunais superiores. Sem esquecer o MST, que mantém acampamentos ao longo das principais rodovias (e pode, a qualquer momento, paralisar o país).
No Brasil, hoje, não há mais escândalos. Ficam uma semana nos jornais e na TV, depois ninguém mais se lembra deles. Não produzem consequências judiciais, porque o sistema é pesado e dominado por uma processualística interminável, da qual decorre a impunidade. O caso do mensalão é emblemático.
O PT deu caráter rotineiro a tudo isso na vida brasileira. As oligarquias aliaram-se ao partido pensando que iriam dominá-lo, mas se deu o contrário, porque elas não têm projeto.
O PT, contudo, tem, e o põe em prática planejadamente, sistematicamente, em todos os níveis. Segue a lógica da revolução, quer construir o socialismo (quem sabe à maneira de Fidel, que Lula e sua turma tanto incensam?). Os petistas acreditam nisso.
Não são apenas corruptos, são ideológicos e, por isso, corrompem. E, no processo de destruição, vale tudo.
Para combater a hidra, é preciso conhecê-la, armar-se e propor um projeto diferente de país. Não se enfrentam tanques com bodoques, mas com mísseis. E, se vierem mísseis em represália, joga-se a bomba atômica.
Quem vai fazer isso?
ROBERTO JEFFERSON , 56, advogado, é presidente nacional do PTB.