Monday, March 22, 2010

Se ouvisse Arias em vez de Lula, Obama não teria quebrado a cara - Blog Augusto Nunes, 21/03/10

Barack Obama precisou de uma crise política em Honduras, reincidências atômicas no Irã, um pedido de socorro formulado por presos políticos cubanos e aparições da comitiva brancaleônica no Oriente Médio para descobrir o tamanho do engano cometido em abril de 2009, na Cúpula das Américas de Trinidad-Tobago. O presidente americano desembarcou para a apresentação de estreia no clube dos cucarachas com pouca informação e muita pressa. Fez uma escolha errada ainda no primeiro dia e retornou a Washington sem corrigir o equívoco tremendo.

Se conhecesse a cabeça de Lula, teria evitado dizer qualquer coisa que permitisse ao intérprete do Itamaraty jurar ao presidente brasileiro que, segundo o novo inquilino da Casa Branca, ele era o cara. Se tivesse tempo para ouvir com a merecida atenção o discurso de Oscar Arias em Trinidad-Tobago, Obama talvez entendesse de imediato que o cara era aquele. Para tanto, bastaria pinçar alguns trechos e confrontar o que disse o presidente da Costa Rica com o falatório de Lula. Como atestam os pontos de vista abaixo resumidos, cinco temas seriam suficientes para uma comparação muito reveladora:

EDUCAÇÃO
ARIAS : A escolaridade na América Latina ─ 7 anos, em média ─ é inferior ao da maioria dos países asiáticos, dos Estados Unidos ou do Canadá, que têm o melhor sistema educacional do mundo, similar ao dos europeus. Esse tempo é insuficiente. De cada 10 estudantes latino-americanos que chegam ao curso secundário, só um consegue concluí-lo. Não estamos educando corretamente nossos filhos.

LULA: Ninguém melhor que o Amador Aguiar, que virou dono do Bradesco sem ter estudado, para provar que a inteligência é uma coisa à parte, e a universidade é apenas o aumento do conhecimento que as pessoas precisam ter sobre determinadas coisas específicas. No Brasil se adquiriu o hábito de confundir título universitário com sabedoria, título universitário com inteligência, o que é uma coisa descabida.

UNIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO
ARIAS: A América Latina já tinha universidades quanto surgiram as primeiras dos Estados Unidos. Mas nossas universidades parecem estacionadas nos anos 60, 70. Parecemos ter esquecido que o Muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989 e que o mundo mudou. Continuamos a discutir sobre todos os “ismos”. Ainda discutimos se o melhor é capitalismo, socialismo, comunismo, liberalismo, neoliberalismo, socialismo-cristâo. Os asiáticos encontraram no fim do século passado um “ismo” muito mais realista para o século XXI: pragmatismo. Desde 1979, os chineses crescem a 11%, 12% ou 13%, e livraram da pobreza 300 milhões de pessoas. Enquanto isso, continuamos a discutir ideologias que devíamos ter enterrado há muito tempo.

LULA: Ninguém criou mais universidades que o torneiro-mecanico analfabeto que foi eleito presidente. (…) É importante que os universitários tenham sua ideologia, seus ideais. Isso é uma coisa muito pura. (…) O neoliberalismo quase acabou com o Brasil. (…) Nossa economia vai continuar crescendo porque isso é coisa do destino.

CARGA TRIBUTÁRIA
ARIAS: Nós temos países cuja carga tributária é de 12% do Produto Interno Bruto. É um índice absurdo, e não sabemos cobrar das classes realmente mais ricas o dinheiro devido.

LULA: Tem gente que vive reclamando da nossa carga tributária de 34% do PIB. Não imaginem um país com carga tributária fraca. Não tem país no mundo em que o Estado possa fazer alguma coisa que não tenha uma carga tributária razoável. Todos nós queremos pagar menos impostos e todos nós queremos melhores serviços, e é incompatível essa dádiva de Deus de menos impostos e mais serviços.

ORÇAMENTO/INVESTIMENTOS
ARIAS: Não é possível que a América Latina esteja gastando 50 bilhões de dólares com armas e soldados. Não faz sentido países desperdiçarem tanto dinheiro com despesas militares. Nossos inimigos reais são as carências do sistema educacional, o analfabetismo, a má saúde dos nossos povos, a falta de cuidados com a preservação ambiental, a falta de investimentos em infra-estrutura, a escassez de rodovias, portos e aeroportos, a desigualdade social vergonhosa.

LULA: Durante vinte anos, as Forças Armadas foram sucateadas, os equipamentos envelheceram. Isso precisa ser substituído, modernizado. (…) E se alguém resolver, por exemplo, invadir o pré-sal? (…) O Brasil, na década de 70, tinha empresas modernas, que produziam tanques, um monte de armas para as Forças Armadas. Isso foi desmontado, e nós queremos recuperar. (…) O que falta fazer de obra será feito pelo PAC. É o programa administrativo mais perfeito que já existiu neste país.

AMÉRICA LATINA E EUA
ARIAS: Não podemos culpar os Estados Unidos pelos nossos males passados, presentes e futuros. Alguma coisa os latino-americanos fizeram e continuam fazendo de errado.

LULA: Os Estados Unidos deveriam ter uma política mais pró-ativa para a América Latina. (…) Nunca antes neste país um presidente fez as coisas tão certas como eu estou fazendo.

Obama demorou quase um ano para descobrir que Lula era só mais um asterisco na História ─ e que Oscar Arias é um dos raros sinais de vida inteligente na América Latina. O noviço americano errou de cara. Quebrou a cara.

Friday, March 19, 2010

São ideológicos, por isso corrompem. Roberto Jefferson - Folha de São Paulo - 19/03/10


Roberto Jefferson – na Folha de São Paulo
Um dos traços constantes da vida brasileira é a coexistência de dois tipos heterogêneos e incomunicáveis de política: a “profissional”, cuja única finalidade é o acesso a cargos públicos para a conquista de benefícios pessoais ou grupais, e a socialista (ou “capitalismo burocrático-corporativo”, como define o sociólogo Fernando Henrique Cardoso), empenhada na conquista do poder total sobre a sociedade.
A segunda vale-se ocasionalmente dos instrumentos da primeira, mas, sobretudo, cria os seus próprios: os “movimentos sociais” (o adestramento de formidáveis massas militantes dispostas a tudo), a ocupação de espaços na administração federal e em áreas estrategicamente vitais e, por último, mas não menos importante, a conquista da hegemonia cultural.
As próximas eleições vão opor, numa disputa desigual, a política socialista à profissional. Esta emprega os meios usuais de propaganda, enquanto aquela utiliza todos os meios disponíveis (inclusive os heterodoxos).
O político profissional tem a seu favor somente os eleitores, que se manifestam a cada quatro anos e depois o esquecem, enquanto o socialista tem a vasta militância, pronta a matar e a morrer por quem personifica suas aspirações.
O voto, ainda que avassaladoramente majoritário, não afiança ninguém no poder. O que garante a supremacia é a massa organizada, disposta a apoiar o eleito todos os dias e por todos os meios. Vejam a situação da governadora do Rio Grande do Sul: quando a oposição se vangloriou de ter “varrido o PSDB do Estado gaúcho”, não percebeu que tentara expulsá-lo apenas de um cargo público.
O maior erro que as débeis oposições cometem é não saber enfrentar o modelo político socialista.
É de acentuar que a quase totalidade do empresariado nacional já foi cooptada e aceita naturalmente o petismo, que se adonou e faz uso do histórico caráter patriarcal do Estado brasileiro -sedimentado pela ditadura militar- em seu benefício.
O estatismo foi reconfigurado. É mais fácil controlar mecanismos reguladores (em todos os níveis) e instâncias de fomento e financiamento, que tornam reféns de seus interesses os capitães da indústria privada.
Na discussão orçamentária, os políticos profissionais preocupam-se apenas com emendas que podem fortalecê-los em suas bases, proporcionando-lhes benefícios particulares.
Nenhum deles confronta a tradição doutrinária de controle da máquina pública e do exercício do poder, delineada desde Maquiavel.
Seguidor de Lênin, Trótski, Stálin e Gramsci, o petismo, por meio de seu núcleo dominante, abriu mão da luta armada, mas não do objetivo revolucionário. E valem-se da União, a garantidora de empréstimos a municípios e Estados. É o clientelismo, dos quais são porta-vozes os políticos de todos os partidos, que, assim, jogam pelas regras estabelecidas por aqueles que detêm o poder decisório.
A eventual saída do PT da Presidência, porém, não mudará esse quadro. Porque os aparatos administrativo-arrecadadores (Receita Federal, INSS) e fiscalizadores senso estrito (policial e judicial), além da órbita cultural, foram aparelhados.
O PT detém controle também sobre os sindicatos, o funcionalismo público, o aparato repressivo (MPF e PF, usados para destruir seus inimigos, fazendo terrorismo e chantagem política), os estudantes, os camponeses, a igreja, a intelectualidade artística, universitária e jurídica.
Se eleito, portanto, José Serra vai comandar uma máquina estatal dominada por adversários, muitos deles indicados para atuar em tribunais superiores. Sem esquecer o MST, que mantém acampamentos ao longo das principais rodovias (e pode, a qualquer momento, paralisar o país).
No Brasil, hoje, não há mais escândalos. Ficam uma semana nos jornais e na TV, depois ninguém mais se lembra deles. Não produzem consequências judiciais, porque o sistema é pesado e dominado por uma processualística interminável, da qual decorre a impunidade. O caso do mensalão é emblemático.
O PT deu caráter rotineiro a tudo isso na vida brasileira. As oligarquias aliaram-se ao partido pensando que iriam dominá-lo, mas se deu o contrário, porque elas não têm projeto.
O PT, contudo, tem, e o põe em prática planejadamente, sistematicamente, em todos os níveis. Segue a lógica da revolução, quer construir o socialismo (quem sabe à maneira de Fidel, que Lula e sua turma tanto incensam?). Os petistas acreditam nisso.
Não são apenas corruptos, são ideológicos e, por isso, corrompem. E, no processo de destruição, vale tudo.
Para combater a hidra, é preciso conhecê-la, armar-se e propor um projeto diferente de país. Não se enfrentam tanques com bodoques, mas com mísseis. E, se vierem mísseis em represália, joga-se a bomba atômica.
Quem vai fazer isso?
ROBERTO JEFFERSON , 56, advogado, é presidente nacional do PTB.