Friday, November 22, 2013

Pandora - Coluna de Alexandre Schwartsman - Folha de São Paulo - 27/11/13

Pandora

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Quando os homens, criados por Prometeu, obtêm dele o fogo, põem em perigo o domínio dos deuses. Pandora, a mulher, é então criada e recebe, entre outros presentes, a famosa caixa (na verdade, uma ânfora) que não poderia ser aberta, mas que, obviamente, o foi, libertando todos os males que afligem a humanidade e a deixam à mercê dos deuses, permanecendo presa no fundo apenas a esperança.
Tentação, queda e outros arquétipos fazem dessa narrativa parte central da mitologia grega, ecoando, não por acaso, outras histórias de perdição.
E por que falo disso? Porque me parece claro que outra caixa de Pandora está para ser aberta, no caso com a renegociação das dívidas de Estados e municípios, cujas consequências -se não tão severas quanto a queda da humanidade do seu estado de graça- ainda são graves o suficiente para preocupar qualquer analista minimamente atento.
Na segunda metade dos anos 1990, como parte do esforço de estabilizar as finanças públicas, o governo federal reestruturou as dívidas de alguns Estados e municípios. Esses se tornaram devedores da União pagando taxas bastante inferiores às que tomariam recursos no mercado.
Em contrapartida, se viram obrigados a destinar parcela de suas receitas ao pagamento dessas dívidas, o que os acabou forçando a gerar superavits primários, colaborando para o esforço fiscal do setor público como um todo. (Se alguém notou o paralelo com a questão europeia, parabéns! É precisamente esse tipo de arranjo que se tem em mente quando se fala de federalização das dívidas nacionais em troca de uma centralização da política fiscal na zona do euro).
Isto dito, a camisa de força resultante da reestruturação das dívidas subnacionais sempre foi um fator de desconforto para governadores e prefeitos, que, praticamente em seguida à assinatura dos contratos, buscaram formas de rever os acordos para obter espaço adicional para novos gastos.
No entanto, sob pena de perderem as transferências federais, acabavam por se conformar, pelo menos por algum tempo.
Mais recentemente, porém, voltaram à carga, argumentando que a dívida seria "impagável", já que teria continuado a crescer mesmo depois de todos os pagamentos efetuados até agora.
Isso parece fazer sentido, pois a dívida de Estados e municípios com a União renegociada sob a lei 9496/97, que era R$ 154 bilhões no final de 2000, atingiu pouco mais de R$ 468 bilhões em agosto deste ano.
Apenas não se menciona que, no mesmo período, o PIB (Produto Interno Bruto) aumentou de R$ 1,236 trilhão para R$ 4,638 trilhões, ou seja, a dívida, que equivalia a pouco mais de 11% do PIB em 2000, agora corresponde a 8,6% do PIB.
No caso específico dos Estados, a dívida, correspondente a 15 meses de arrecadação em 2000, se reduziu para cerca de 10 meses em 2012. Por qualquer ângulo (correto) que se avalie o assunto, as dívidas são mais sustentáveis hoje do que eram no momento de sua reestruturação.
Apesar disso, o governo federal anunciou a intenção de rever os seus valores, aplicando retroativamente regras de correção mais favoráveis a Estados e municípios, o que deve implicar forte redução do endividamento desses à custa de perdas para a União.
À parte a injustiça de transferir recursos dos brasileiros que não moram nos Estados e municípios beneficiados pela reestruturação para aqueles que lá residem, a redução da dívida deve aliviar consideravelmente os respectivos Tesouros, permitindo aquilo que sempre almejaram, isto é, voltar aos bons tempos em que não havia limites à gastança.
O superavit primário de Estados e municípios, que já caiu de uma média próxima a 1% do PIB entre 2001 e 2008 para modestos 0,4% do PIB nos 12 meses até agosto deste ano, deve se reduzir ainda mais, acentuando o atual quadro de piora fiscal.
Saem da caixa Estados e municípios; fica presa a esperança de algum dia pormos em ordem as contas públicas.

Saturday, November 16, 2013

A Farra das demarcações - Antonio Alvarenga - O Globo de 16/11/13

A farra das demarcações

  • Vamos dar um basta às persistentes invasões de terras produtivas, promovidas por grupos indígenas estimulados por pessoas e ONGs que representam o atraso
Em 1988, antes de ser promulgada a atual Constituição, o Brasil possuía 58 territórios indígenas, com uma área total de 15,9 milhões de hectares. Hoje temos 55 territórios indígenas, totalizando uma área de 120,9 milhões de hectares. Ainda em 1988, possuíamos 248 Unidades de Conservação Ambiental. Hoje são 1.074, totalizando 119,5 milhões de hectares. As áreas indígenas e de conservação já somam 240,5 milhões de hectares, ou seja, aproximadamente 28,2% do território nacional.

 Para se ter uma ideia da dimensão das terras indígenas e de conservação, toda nossa agricultura abrange pouco mais de 39% do território nacional. Sim, essa é a área ocupada pelo setor que está exportando 100 bilhões de dólares por ano, que alimenta 200 milhões de brasileiros e responde por cerca de 25% do PIB e 30% dos empregos.

Insatisfeitos com o tamanho de seu latifúndio, os indígenas reivindicam mais 184 novos territórios, que estão em fase de análise na Funai. Há também uma demanda de 292 milhões de hectares em estudo como áreas prioritárias para conservação de biodiversidade. Esses dados são incontestáveis. Foram levantados a partir de informações oficiais da Funai, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Ministério do Meio Ambiente, pelo pesquisador Evaristo Miranda, da Embrapa. São números que falam por si.

O que pretendem e até onde querem chegar os que defendem a continuidade dessa verdadeira farra de demarcação de terras indígenas e Unidades de Conservação? O mundo tem fome e o Brasil possui terras, clima, água e tecnologia apropriada para atender à crescente demanda mundial por alimentos. O país está destinado a desempenhar um importante papel na segurança alimentar do planeta, ameaçada pelo persistente crescimento populacional e a urbanização das nações em desenvolvimento. Por outro lado, o Brasil precisa de crescimento econômico para proporcionar educação, saúde e melhor qualidade de vida para seu povo.

Não podemos permitir o estrangulamento de um setor que sempre foi a nossa galinha de ovos de ouro, e que vem garantindo divisas e o equilíbrio de nossa frágil economia.

Vamos dar um basta às persistentes invasões de terras produtivas, promovidas por grupos indígenas estimulados por pessoas e ONGs que representam o atraso e causam sérios problemas de instabilidade jurídica e social no campo.

Há muita demagogia e, em alguns casos, má-fé no trato das questões indígenas e ambientais no Brasil. São temas que sensibilizam uma significativa parcela da população urbana desinformada ou ingênua, que anda desencantada com as mazelas políticas e econômicas do país. Nesse contexto, estimulados por uma guerrilha de informações distorcidas, com forte viés ideológico, os índios e o meio ambiente são utilizados como instrumentos de protesto.

Temos 500 mil indígenas que dispõem de 14,2% do território nacional. Ao mesmo tempo, vemos milhares de brasileiros sem teto, vivendo em condições de extrema pobreza nas periferias das grandes cidades. Isso é justo?

Os 200 milhões de cidadãos brasileiros necessitam de uma nação em desenvolvimento acelerado, que lhes proporcione melhores perspectivas de vida. Queremos ser um país ocupado por territórios improdutivos de índios e áreas de conservação? Ou pretendemos ser uma nação desenvolvida, que proporciona aos seus milhões de cidadãos um futuro promissor e qualidade de vida compatível com os países mais desenvolvidos do planeta?

Monday, November 04, 2013

Eu Acuso - Coluna de Luiz Felipe Pondé na Folha de São Paulo de 04/11/13

Eu Acuso - Coluna de Luiz Felipe Pondé na Folha de São Paulo de 04/11/13

Muitos alunos de universidade e ensino médio estão sendo acuados em sala de aula por recusarem a pregação marxista. São reprovados em trabalhos ou taxados de egoístas e insensíveis. No Enem, questões ideológicas obrigam esses jovens a "fingirem" que são marxistas para não terem resultados ruins.

Estamos entrando numa época de trevas no país. O bullying ideológico com os mais jovens é apenas o efeito, a causa é maior. Vejamos.

No cenário geral, desde a maldita ditadura, colou no país a imagem de que a esquerda é amante da liberdade. Mentira. Só analfabeto em história pensa isso. Também colou a imagem de que ela foi vítima da ditadura. Claro, muitas pessoas o foram, sofreram terríveis torturas e isso deve ser apurado. Mas, refiro-me ao projeto político da esquerda. Este se saiu muito bem porque conseguiu vender a imagem de que a esquerda é amante da liberdade, quando na realidade é extremamente autoritária.

Nas universidades, tomaram as ciências humanas, principalmente as sociais, a ponto de fazerem da universidade púlpito de pregação. No ensino médio, assumem que a única coisa que os alunos devem conhecer como "estudo do meio" é a realidade do MST, como se o mundo fosse feito apenas por seus parceiros políticos. Demonizam a atividade empresarial como se esta fosse feita por criminosos usurários. Se pudessem, sacrificariam um Shylock por dia.

Estamos entrando num período de trevas. Nos partidos políticos, a seita tomou o espectro ideológico na sua quase totalidade. Só há partidos de esquerda, centro-esquerda, esquerda corrupta (o que é normalíssimo) e do "pântano". Não há outra opção.

A camada média dos agentes da mídia também é bastante tomada por crentes. A própria magistratura não escapa da influência do credo em questão. Artistas brincam de amantes dos "black blocs" e se esquecem que tudo que têm vem do mercado de bens culturais. Mas o fato é que brincar de simpatizante de mascarado vende disco.

Em vez do debate de ideias, passam à violência difamatória, intimidação e recusam o jogo democrático em nome de uma suposta santidade política e moral que a história do século 20 na sua totalidade desmente. Usam táticas do fascismo mais antigo: eliminar o descrente antes de tudo pela redução dele ao silêncio, apostando no medo.

Mesmos os institutos culturais financiados por bancos despejam rios de dinheiro na formação de jovens intelectuais contra a sociedade de mercado, contra a liberdade de expressão e a favor do flerte com a violência "revolucionária".

Além da opção dos bancos por investirem em intelectuais da seita marxista (e suas similares), como a maioria esmagadora dos departamentos de ciências humanas estão fechados aos não crentes, dezenas de jovens não crentes na seita marxista soçobram no vazio profissional.

Logo quase não haverá resistência ao ataque à democracia entre nós. A ameaça da ditadura volta, não carregada por um golpe, mas erguida por um lento processo de aniquilamento de qualquer pensamento possível contra a seita.

E aí voltamos aos alunos. Além de sofrerem nas mãos de professores (claro que não se trata da totalidade da categoria) que acuam os não crentes, acusando-os de antiéticos porque não comungam com a crença "cubana", muitos desses jovens veem seu dia a dia confiscado pelo autoritarismo de colegas que se arvoram em representantes dos alunos ou das instituições de ensino, criando impasses cotidianos como invasão de reitorias e greves votadas por uma minoria que sequestra a liberdade da maioria de viver sua vida em paz.

Muitos desses movimentos são autoritários, inclusive porque trabalham também com a intimidação e difamação dos colegas não crentes. Pura truculência ideológica.

Como estes não crentes não formam um grupo, não são articulados nem têm tempo para sê-lo, a truculência dos autoritários faz um estrago diante da inexistência de uma resistência organizada.

Recebo muitos e-mails desses jovens. Um deles, especificamente, já desistiu de dois cursos de humanas por não aceitar a pregação. Uma vergonha para nós.