Monday, February 02, 2009

POVO GOSTA DE GENTE HONESTA; QUEM GOSTA DE BANDIDO É JORNALISTA - Blog do Reinaldo Azevedo - 02/02/2009

Povo gosta de gente honesta; quem gosta de bandido é jornalista. A frase, claro, é adaptação de outra famosa, atribuída a Joãozinho 30: “Povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. Alguns intelectuais e alguns jornalistas não hesitariam em classificá-las de “fascistas” – especialmente aqueles que não sabem o que foi o fascismo. Adiante. É um exagero certamente dizer que jornalistas gostam de bandidos – alguns apreciam; há até jornalistas bandidos. Mas quase nunca é um erro inferir que a categoria, com exceções (sempre!), não aprecia a Polícia. Em particular, odeia noticiar que ela pode ser eficiente. Toda notícia tem certo grau de distorção – é da natureza do processo, e trato disso uma outra hora. Quando o assunto é segurança pública, tal distorção pode assumir características alarmantes. Aí já não estamos lidando com uma fatalidade, mas com escolhas, quase sempre ideológicas. Foi o que se viu na imprensa paulista no sábado ao noticiar números sobre a violência em São Paulo. A Folha, vá lá, noticiou também o que tinha de ser noticiado. O caderno de Cidades do Estadão – a cada dia mais distante do resto do jornal na sua, como direi?, qualidade muito particular, – não hesitou: além de omitir dos leitores o dado principal, transformou um êxito fenomenal do estado numa derrota alarmante. Vamos aos detalhes.

Começarei pela Folha, que, na manchete e em parte do lead da reportagem, fez a coisa certa. E qual era a coisa certa? Noticiar que, atenção!, EM NOVE ANOS, OS HOMICÍDIOS NO ESTADO DE SÃO PAULO TIVERAM UMA REDUÇÃO DE 66%. Vocês leram direito. Em 2008, pelo nono ano consecutivo, o número de assassinatos caiu: 4.426 casos contra 4.877 em 2007 – 451 a menos, uma redução de 9,25%. Só esse dado já deveria servir para soltar alguns rojões. Mas quê... Só para dar uma medida: em 1999, foram 12.818 casos. Não custa lembrar que a população do estado cresceu no período. Pois bem...

A Folha teve “coragem” (vejam a que palavra recorro...) de dar a boa manchete, mas não resistiu em reproduzir na capa um dado que foi parar no título da manchete de página, a saber: “Apesar da redução, o Estado continua sendo considerado uma ‘zona epidêmica de homicídios’ - para a OMS (Organização Mundial da Saúde), existe uma epidemia quando o índice é superior a 10 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em São Paulo, são 10,76 casos por 100 mil moradores.” A palavra “epidêmica”, sem as devidas considerações, distorce tudo. A OMS considera que um número de até 10 assassinatos por 100 mil habitantes não indica uma patologia social. Bem, São Paulo está quase lá. E por que está?

Já tratei disso aqui tantas vezes... Leiam um trecho da reportagem da Folha:
“O governo atribui a queda dos homicídios ao investimento nas polícias, ao aumento na apreensão de armas e à construção de presídios e o conseqüente crescimento da população carcerária do Estado (hoje em 145 mil presos).
Coronel reformado da PM e ex-secretário nacional de Segurança Pública da gestão FHC, José Vicente da Silva Filho diz que São Paulo ‘rompeu uma espiral’. ‘A polícia foi reabilitada, e o Estado aumentou a sua taxa de encarceramento, que é o dobro da nacional’, diz.

Notem que o jornal, digamos, não dá mole para o que seria só uma explicação oficial. Com estimados 41 milhões de habitantes, São Paulo tem quase 22% da população do Brasil, mas tem 145 mil presos – de um total estimado no país de 420 mil. Ou seja, com 22% da população, conta com 35% dos presos. Levados em conta os detidos em delegacias, cehga-se perto de 40%. OLHEM QUE COISA! Quanto mais bandido presos, menos pessoas assassinadas e menos crimes! Não é mesmo surpreendente? Muitos intelectuais e muitos jornalistas odeiam essa relação de proporcionalidade. Certa feita, um dotô uspiano usou estes números para tentar provar que São Paulo prende demais...

Pois bem. A Folha, sempre atenta a todos os lados da notícia, resolveu ouvir também o lado surrealista, que veio na fala do promotor Roberto Wider Filho. Segundo o valente, escutas mostram que homicídios comuns em algumas favelas são brutalmente reprimidos por traficantes, que não querem chamar a atenção da polícia para os seus pontos-de-venda de drogas. Ah, entendi! Que polícia eficiente que nada! Quem agora salva vidas, mas não exatamente por bons motivos, é o PCC. WIDER FILHO ACHINCALHA OS FATOS E A NOSSA INTELIGÊNCIA. POR QUE O CRIME ORGANIZADO NO RESTO DO PAÍS NÃO FAZ, ENTÃO, A MESMA COISA?

A guerra civil não-declarada mata uma média de 50 mil pessoas por ano – 26,31 pessoas por 100 mil habitantes (população estimada de 190 milhões). Se a média nacional fosse a de São Paulo, os mortos seriam 20.444 pessoas – 29.556 pessoas deixariam de morrer por ano.

Agora o Estadão
O Estadão preferiu ignorar a estupenda queda no número de homicídios e optou pelo seguinte título: “Cresce o nº de estupros no Estado”. Como se sabe, o combate a esse tipo de crime é mais matéria de educação e prevenção do que propriamente de ação policial, já que boa parte das ocorrências se dá no ambiente familiar ou doméstico – e, tragicamente, envolve crianças. A escolha editorial estava feita: quase todos os crimes caíram, mas escolheram para dar destaque um tipo em que houve aumento. Num segundo texto, quase sumido na página, reconhece-se: “A maior queda foi a de roubo de carros: 13,41%, seguido por lesão corporal com intenção, 12,5%. As tentativas de homicídio caíram 11,57% e lesão corporal sem intenção, 6,07%. Furtos de carros foram reduzidos em 7,52%, enquanto furto caiu 7,46%. Homicídio sem intenção caiu 10,05% e com intenção, 3,63%. Roubos a banco reduziram em 1,05% e roubo, 0,06%.”

E a queda de 66% no número de homicídios em nove anos? O jornal não noticiou.

Latrocínios
Agora notem outro destaque dado pelo Estadão: “Reportagem na quinta-feira mostrou, com exclusividade, que o latrocínio (roubo seguido de morte), crime hediondo, aumentou 64% na capital no ano passado, em relação a 2007. (...) Em 2008, foram registradas 69 ocorrências desse tipo de crime na capital, ante 42 no ano anterior. No total, foram 69 ocorrências - em 2007, foram 42. Em todo o Estado, o número foi de 267 no ano passado e 218 em 2007.” No ano passado, na cidade, houve, portanto, 0,62 morto por 100 mil habitantes vítima desse tipo de ocorrência e 0,65 no Estado. Se o Brasil fosse como o estado de São Paulo, dos 50 mil homicídios por ano, apenas 1.235 decorreriam de latrocínio – ou 2,47%.

E, acreditem, a petralhada invadiu o blog para dizer que a imprensa ESTAVA MAQUIANDO OS NÚMEROS DA VIOLÊNCIA EM FAVOR DE... SERRA!!!

A caminho da conclusão
Claro, eu poderia deixar de lado um texto como este, não é? Para que me expor à patrulha? Mas não deixo. Em qualquer país civilizado do mundo, entende-se a óbvia relação que há entre eficiência policial e queda nos índices de violência. Uma eficiência que também é produto de um estado institucionalmente organizado. Na Venezuela desordeira, do “querido (de Lula) Hugo Chávez”, os homicídios dobraram desde que o bandoleiro conquistou o poder: 48 por 100 mil habitantes - em Caracas, chegam a 130 – 12 vezes o índice do estado de São Paulo. Como se sabe, lá eles já vivem “o outro mundo possível” de que fala o Fórum Social Mundial, aquele que queima mato e dinheiro.

Sei que a muitos há de parecer exótico, mas policia eficiente e bandido na cadeia aumentam a segurança das pessoas, como direi?, “de bem”. A polícia de São Paulo dos últimos nove anos está de parabéns: meter em cana 145 mil pessoas que devem estar em cana é um verdadeiro poema humanista!
Por Reinaldo Azevedo

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