Tuesday, February 17, 2009

Sete Dias - Augusto Nunes - JB Online - 15/02/2009

Guerra em duas frentes – Além de bombardear o idioma, Lula agora ataca também a estatística

Há mais de 30 anos no comando da guerra contra o idioma, o presidente Lula animou a pajelança dos prefeitos, primeiras-damas e parentes a serviço do interiorzão brasileiro com o improviso que anunciou a abertura de uma segunda frente de combate. Sem abrandar a ofensiva planejada para consumar o extermínio do plural, a capitulação da gramática e a rendição da linguagem culta ao português de quem sabe o que é sifu na vida, Lula chamou para a briga a estatística, a matemática, a porcentagem e a arte de calcular.

Cabelos em desalinho, o rosto colorido por diferentes matizes de vermelho que denunciam almoços que matam a sede, a camisa e a calça inundadas pela catarata de suor, o Terror das Vogais e das Consoantes guardou a declaração de guerra para o trecho do discurso ocupado pelo relatório sobre o analfabetismo concluído recentemente por especialistas do Ministério da Educação. De repente, Lula interrompeu a procissão de cifras e dedicou alguns segundos de silêncio à surpresa causada por alguma descoberta.

Recuperada a voz, caprichou na cara de espanto e soltou a notícia simultaneamente boa (para o orador e seus devotos) e ruim (para o governador José Serra, o prefeito Gilberto Kassab, logo ali ao lado, e os oposicionistas em geral). "Pasmem, caiam de costas, Kassab, porque você não sabia e eu não sabia", tentou Lula disfarçar a alegria.

O primeiro tiro avisou que quem puxou o gatilho do trabuco na mão esquerda foi o Flagelo das Concordâncias Verbais. "No Estado de São Paulo", mandou bala na estatística o tresoitão disparado pela mão direita, "nós ainda temos 10% de analfabetos, o estado mais rico da Federação". Simulando tristeza, o pistoleiro ambidestro consolou os feridos com outro plural tão sincero quanto vereador em campanha: "Nós erramos em alguma coisa". Nós? "Na primeira do singular! Na primeira do singular!", teria berrado algum prefeito se não estivessem todos interessados só em saber quando vai chegar o dinheiro do PAC. Nós estamos fora dessa. Quem errou foi o improvisador.

Por não ler nem legenda de filme, Lula sabe ler porcentagens. Por não fazer contas sequer no canhoto do talão de cheques, o maior governante desde as caravelas não sabe calcular. Por não dar atenção a sugestões, lembretes e conselhos murmurados por assessores, ninguém se atreveu a avisar a tempo que é de 4,6% a taxa de analfabetismo registrada em São Paulo. Como o estado concentra 22% do total da população, o índice representa 10% do total de analfabetos espalhados pelo Brasil.

Se falasse menos e pensasse mais, se viajasse menos e estudasse mais, se tratasse com mais compaixão as letras, os números e os brasileiros que nunca se renderão à Era da Mediocridade, Lula se pouparia de maluquices, equívocos e confusões bisonhas como as berradas na terça-feira. "A imprensa parece achar que todos os prefeitos são ladrões", imaginou um trecho do que pareceu um samba-enredo composto por repentistas. "E trata cada um de vocês como se fosse marionete". Muito pior é ser tratado como cretino pelo presidente da República.

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