Friday, June 13, 2008

O pragmatismo da baderna - Blog do Reinaldo Azevedo - 12/06/08

Pois é... O Corinthians não teve a sorte da BrT-Oi. Explico-me. Enquanto eu assistia ao jogo, vendo o meu time perder o campeonato para o Sport, fiquei imaginando maneiras de transformar dois a zero contra nós em quatro a zero a nosso favor. Não consegui. Futebol é coisa séria. Não é como as leis brasileiras, que podem ser mudadas para tornar, depois de consumado, legal o ilegal. Vejam na reportagem abaixo como um “dois a dois” na Anatel se converteu num quatro a zero... E a agência fez o que a Brasil Telecom e a Oi queriam.

Dia desses, um leitor meio bobalhão resolveu demonstrar que, oh!, ele era bem mais liberal do que eu. Segundo disse, percebia em mim certos resquícios que ele classificou de “moralistas”, oriundos, afirmou, do tempo em que fui “um esquerdista”. É preciso realmente não conhecer a esquerda para considerá-la moralista. Se há coisa que a aproxima do capitalista mais selvagem e brucutu, é justamente a ausência de moral. Se quiserem acusar o que penso de estar contaminado pelo catolicismo que chamam conservador, até aceito.

Parte do que disse aquele escriba, no entanto, talvez faça mesmo sentido. Compreendo que os negociantes achem que as leis sempre atrapalhem — e a imprensa livre também. É da natureza dessa gente buscar o máximo ganho possível — e aí está, digamos, a bela inspiração do modelo. É essa fúria que gera os recursos para criar vacinas, erguer catedrais ou financiar as artes mais sublimes. Digo sobre o capitalismo o mesmo que dizia o poeta Bruno Tolentino, meu querido amigo, já morto, sobre a poesia: “não tem escrúpulo, tem apenas medida.”

E a medida é a lei, coisa mal compreendida por aqui. Num país excessivamente burocratizado, em que peias legais vão sendo criadas para que a dificuldade sirva de pretexto para a venda de facilidades, fica parecendo que a única alternativa é mesmo o vale-tudo. É constrangedor o silêncio sobre esse assunto. Em que outros casos nós todos, parlamentares, jornalistas, empresários, trabalhadores, acharemos muito razoável que as leis se adaptem aos negócios, em vez de se ter o contrário? “Ah, mas a legislação já estava velha para as necessidades”. Pois bem: que seja mudada. Inaceitável é que se processe uma operação como a fusão das duas empresas, FINANCIADA POR UM BANCO PÚBLICO, sem que haja ainda o amparo legal.

E quem liga?
Ontem, a Via Campesina, o mesmo movimento que horas antes havia depredado o laboratório da Universidade Federal Rural de Pernambuco, jogando no lixo 10 anos de pesquisas, foi recebido no Palácio do Planalto — mais propriamente por Gilberto Carvalho, do gabinete do presidente da República. E isso aconteceu no mesmo dia em que o MST invadia instalações da Vale do Rio Doce — a nona vez só neste ano. Alguma conseqüência para a série de ilegalidades? Em vez de cadeia, palácio.

Estão percebendo? A ilegalidade corre solta nas duas pontas. O petismo só acredita num tipo de capitalismo: o selvagem, aquele em que os agentes são despidos de qualquer moralidade pessoal, e o sistema, de qualquer ética. E se oferecem como mediadores no pressuposto de que, por ali, ninguém presta mesmo. Por isso não há mais negócio privado no país que não conte com a mão peluda do governo. E, como se vê no caso da telefonia ou da venda da Varig, ele não entra para garantir o texto legal. Ao contrário: entra para fraudá-lo. E alguns tontos classificam esse “ativismo” petista de realismo, ainda que tardio; de conversão à economia de mercado. Não! Isso é faroeste de mercado.

Não serei liberal o bastante para certos gostos? É possível. Para ser franco, nos debates sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, por exemplo, certa argumentação do liberalismo que se orgulhava de se declarar “laico” não me pareceu menos brutal, estúpida e anticivilizadora do que o comunismo mais tacanho. Qualquer um que ponha o pragmatismo como seu único deus — ou seu deus maior — está a um passo do crime, se já não for um criminoso. Não sou dessa turma. Nunca serei.


Por Reinaldo Azevedo

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