Tuesday, September 09, 2008

Assim não, Aécio! Ou "Democracia e salvacionismo" - Blog do Reinaldo Azevedo - 09/09/08

(Ler primeiro o post abaixo)
Aécio Neves é tão simpático, que também eu sou tentado a achar que essa sua visão que mistura catastrofismo com salvacionismo é irrelevante. Também eu penso em fazer como a maioria dos analistas e fingir que ele não disse nada. Mas ele disse.

Então vamos ver: cadê a “radicalização” que, segundo ele, ameaça o futuro do Brasil? Onde ela está? Quero me juntar aos radicais, aos que fazem oposição de raiz... Onde eles estão? No PSDB? Não posso crer. Qual foi a dificuldade real que os tucanos, sejam aecistas, serristas ou de outro “ismo” qualquer menos vistoso, criaram para o Brasil? Ou Aécio aponta, ou serei obrigado a concluir que ele está blefando.

Estariam sendo radicais os tucanos quando, com certa timidez até, cobram do governo providências contra o estado paralelo (ou “estados paralelos”) das escutas telefônicas? Foram radicais na época do mensalão? Ou do dossiê dos aloprados? Ou do dossiê anti-FHC-Ruth? Cadê os radicais, governador? Mostre-me um único voto de vingança dos tucanos — a CPMF não vale porque o governo tinha maioria para aprová-la e não conseguiu. Ademais, as oposições estavam certas: a arrecadação já cobriu com sobra o "buraco".

Por que fico sempre com a sensação de que Aécio se oferece para ser o Salvador de uma mal que não existe? Por que fico com a sensação de que ele “precisa inventar o pecado para, então, inventar o perdão?” Imagino o governador de Minas nos Estados Unidos: “Gente, vamos parar com isso. Vamos nos unir para fazer as reformas de que os Estados Unidos precisam. Pra que tanta divisão?"

Exemplo de Belo Horizonte? Com a devida vênia, a invenção de Aécio e Fernando Pimentel (PT) inaugurou a eleição biônica pelo método democrático. Uma jabuticabaça! Até ser ungido candidato — sim, foi uma unção!—, os belo-horizontinos não conseguiriam distinguir o futuro prefeito, Márcio Lacerda, e seus óculos escuros de uma peça de mortadela. Juntaram-se as duas máquinas, a do PSDB e a do PT, e ele ganhou a Prefeitura. Sem oposição possível. Aécio tem razão: Belo Horizonte não é exemplo de coisa nenhuma — nem de indicadores sociais — pesquisem; não vou abrir uma picada nova no texto.

Aécio tem todo o direito de pleitear a vaga de seu partido para disputar a Presidência da República. É governador de um grande estado, tem uma aprovação popular altíssima, tem trânsito no establishment político e — sim, é verdade — costuma ser poupado pela imprensa — sobre a mineira, há pouco a falar: Minas é um verdadeiro celeiro do “jornalismo propositivo”. Mas ele não pode depredar assim a teoria política nem inventar uma radicalização que não existe.

Depreda a teoria política quando faz crer que a existência de oposição sabota as aspirações populares. A rigor, é o que pensam todos os autoritários. Aécio certamente não é um deles. Parece nos dizer que o que os outros conseguem pela força — anular a oposição —, ele pode conseguir com um acordo, na base do papo. Meio não é fim; método não é finalidade.

Mas esperem um pouco: o bom é não haver oposição? É assim que o Brasil avança? Se o próximo governo for tucano, de Serra ou de Aécio, espero que o PT seja vigilante. Se Dilma for eleita, espero que haja partidos e líderes que se oponham a ela — Aécio, já sei, não deve estar entre eles. Há algo de surrealista nessa conversa toda.

Ah, lamento não compartilhar desse idílio. Esse negócio de “interesse nacional” é um dos velhíssimos mitos da política. Ou você cai nessa porque leu menos do que deveria ou cai porque, sei lá, acredita que a política atrapalha o ambiente de negócios, e é melhor um ambiente de negócios sem política...

Só agora?
Só agora escrevo isso? Ah, não. Faz tempo. Já escrevi rigorosamente a mesma coisa, acreditem, em favor de Lula. Como? Eu poderia remetê-los ao livro O País dos Petralhas (aguardem, está saindo...), mas digo já.

O hoje governista Fábio Wanderley Reis, acadêmico mineiro, escreveu, em 2001, um texto chamado "Brasil ao quadrado? Democracia, subversão e reforma", que foi debatido por banqueiros. Lá pelas tantas, desconfiava: “Creio haver boas razões para reservas quanto à perspectiva de que um Lula ou assemelhado assuma o poder presidencial e o exerça sem mais, até o momento de transferi-lo ao sucessor. Falta a nossa democracia passar por este teste". Eu o critiquei duramente no site Primeira Leitura. Pareceu um flerte, ainda que distante, com um golpe. E não que eu não quisesse, como vocês devem supor, que o PT fosse combatido. Hoje que Reis é lulista, eu continuo a criticá-lo. Ele e Lula podem ter mudado. Eu não.

Não, não me venham apresentar catastrofismos para vender salvacionismos, ainda que nessa versão light, risonha e boa-praça de Aécio Neves. Se a democracia brasileira corre algum risco, ele não decorre de uma inexistente radicalização, mas justamente da “deslegitimação” do discurso oposicionista. Não existe democracia sem oposição, governador! Ademais, o senhor fique tranqüilo: se eleito presidente, creio que não teria dificuldade nenhuma de fazer um acordo com o PT. Qualquer um, de fato, pode fazê-lo desde que pague o preço.


Por Reinaldo Azevedo

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