Monday, January 12, 2009

UM VERMELHO-E-AZUL COM UM EDITORIAL DO ESTADÃO - Blog do Reinaldo Azevedo - 12/01/2009

Muitos leitores favoráveis e contrários à ação de Israel na Faixa de Gaza me enviaram o editorial do Estadão deste domingo, cobrando-me comentários. Farei mais do que isso. O texto merece um vermelho-e-azul, especialmente porque ali estão alinhavados alguns notáveis equívocos em bom português. O texto não deixa de ser um sintoma do que ocorre com a imprensa brasileira: esqueçam aquela ladainha das faculdades de jornalismo sobre o “conservadorismo” desta ou daquela publicações. No Brasil contemporâneo — e há um certo fenômeno mundial neste sentido —, todos os grandes veículos se tornaram indistintamente “progressistas”, especialmente aqueles mais identificados com teses liberais. Disputa-se apenas o público do centro para a esquerda. Por incrível que possa parecer, na imprensa brasileira deste domingo, foi preciso que um esquerdista alemão dissesse algumas coisas corretas sobre a guerra no Oriente Médio — embora suas premissas, como veremos, estejam erradas (ver posts abaixo). Mas vamos ao editorial do Estadão, intitulado “Quando dois querem, dois brigam”. Confesso que o título já é uma banalização da verdade e da história. Ora, assim fosse, poderíamos indagar: “Ah, por que vocês querem assim, meninos maus?” Vamos lá.

Como em toda guerra, no conflito entre Israel e o Hamas não é apenas o embate das forças militares que conta. Guerras são, antes de mais nada, um fenômeno político, e nelas é da maior importância o fator psicológico. Nesse confronto de vontades, vence quem, aconteça o que acontecer, sai com as suas motivações intactas. Israel deveria ter aprendido em 2006 essa lição, ensinada pelo mestre da estratégia Carl von Clausewitz, quando destruiu a máquina militar do Hezbollah, mas se retirou do Líbano como um exército derrotado e desmoralizado. Afinal, o custo de uma vitória militar, principalmente em conflitos assimétricos, como esse entre um Estado e uma organização terrorista - nos quais não é possível atrair o inimigo para a batalha decisiva -, pode ser a perda de apoios externos e a desunião interna do país que obteve sucesso pelas armas - em resumo, a derrota política.
Acho que fui o primeiro na imprensa brasileira a escrever, logo no dia 5, quando voltei de férias, que Israel já tinha perdido a guerra de propaganda. Cumpria, afirmei, não perder a guerra propriamente dita. O trecho acima está um tanto confuso e, parece, mistura conceitos duvidosos com constatações factuais discutíveis.
Clausewitz, aí, está mal aplicado. Aliás, editoriais e pessoas que comentam guerra e estratégia deveriam decretar a quarentena de citações do general prussiano, junto, claro, com Sun Tzu. A razão é simples. O que escreveram é pau pra toda obra. Um papagaio pegando papeizinhos num falso realejo teria o mesmo efeito. Explico-me. Se o Estadão não definir, e não define, quais são as “motivações de Israel”, como saber se elas serão ou não preservadas? Se, neste ano, em vez de 1.380 foguetes, o Hamas disparar só 690, já se pode considerar a ação medianamente bem-sucedida...
O trecho traz algumas afirmações estranhas se vistas no detalhe. Reparem nesta: “o custo de uma vitória militar (...) pode ser a perda de apoios externos e a desunião interna do país que obteve sucesso pelas armas — em resumo, a derrota política”. Entendo. Então vamos inverter os termos da equação assim: “O benefício de uma derrota militar pode ser a conquista de apoios externos e a união interna do país que não obteve sucesso pelas armas — em resumo, a vitória política”. Ninguém diria que isso é Clausewitz porque estaria mais para Arrelia ou para Carequinha...
ATENÇÃO: O APOIO EXTERNO A ISRAEL NÃO DEPENDE DE O PAÍS ESTAR CERTO OU ESTAR ERRADO. ATÉ PORQUE, PARECE, ESTÁ CERTO. QUALQUER PAÍS REAGIRIA A ATAQUES DIÁRIOS A SEU TERRITÓRIO. O PROBLEMA É OUTRO: A INCORPORAÇÃO DA LÓGICA DO TERROR PELO ESTABLISHMENT. Falo a respeito em posts abaixo deste. Sigamos com o Estadão.

Isso pode se repetir na Faixa de Gaza. O objetivo declarado de Israel é aniquilar a capacidade do Hamas de lançar morteiros e foguetes contra o território israelense. Mas é, também, por meio do isolamento da Faixa de Gaza - privada dos meios básicos de subsistência -, dos bombardeios pelo ar e da invasão por terra, levar a população local a se voltar contra o Hamas, que conquistou o governo do território autônomo em eleições legítimas.
O “isso” é o que o jornal chamou de derrota de Israel no Líbano. Noto aqui algumas coisas. À diferença do Estadão, acho que a derrota mais importante naquele caso foi mesmo a militar. Não é verdade que Israel destruiu a máquina militar do Hezbollah. Percebeu, isto sim, que ela estava bem mais forte do que se supunha e que não bastava uma espécie de expedição punitiva. Teria de ser uma guerra bem mais pesada, planejada e custosa.
Algumas correções precisam ser feitas. Israel afirma que pretende diminuir sensivelmente a capacidade do Hamas de lançar morteiros. A menos que mude de idéia e decida reocupar Gaza por um bom tempo e expulsar o Hamas dali — a um custo imenso, sem dúvida —, sabe que não vai “aniquilar” coisa nenhuma. Mesmo com Gaza ocupada, foram disparados 155 foguetes em 2003; 281 em 2004 e 179 em 2005.
Essa história de que Israel tenta indispor a população de Gaza com o Hamas, lamento dizer, é uma invenção dos leitores de Clausewitz e Sun Tzu. Acho que subestimam a inteligência de Israel, o que é um erro. Se os palestinos elegeram o Hamas com Israel sendo atacado, sem reagir, por que não veriam nos celerados os seus heróis quando o adversário responde? Israel sabe que, ao responder, será hostilizado pelos palestinos, que se apegarão a seus líderes sectários. MAS, LAMENTO DIZER, ESSE É REALMENTE UM PROBLEMA DOS PALESTINOS, NÃO DOS ISRAELENSES.
Quanto à vitória do Hamas em eleições "legítimas", ver post abaixo.

O problema é que tudo conspira contra a consecução desses objetivos. Antes da ofensiva israelense, menos de 20% da população da Faixa apoiava o governo do Hamas. Hoje, o que se sabe pelos depoimentos que chegam da área conflagrada é que a população está, mais do que nunca, unida contra Israel.
Sei, sei... Os editorialistas dos jornais sabiam desse risco, mas as autoridades israelenses não, certo? Ora... É impressionante o número de pessoas que pretendem ensinar a Israel como o país deve se defender, Inevitavelmente, a recomendação é para que não reaja. Com efeito, os palestinos têm todo o direito de se apegar ao Hamas e mesmo de votar no Hamas. Mas os israelenses não precisam arcar com as conseqüências das escolhas palestinas, não é mesmo?

A guerra psicológica está sendo claramente perdida por Israel. De 2001 a 2008, o Hamas disparou mais de 8 mil foguetes contra o território de Israel, matando quatro pessoas. A opinião pública mundial jamais se indignou diante desses atos de terrorismo, que se intensificaram a partir de novembro. Desde o início da ofensiva israelense, no entanto, já morreram cerca de 780 palestinos - a maioria civis, mulheres e crianças - e ficaram feridos mais de 3,2 mil. Do lado israelense morreram 13 pessoas, entre elas 10 soldados. Essa desproporção de números reforça a condenação moral que Israel sofre em todo o mundo.
Ah, a opinião pública mundial jamais se indignou diante desses atos de terrorismo? Pois é... Então a segurança de um país é coisa séria demais para ficar a cargo da “opinião pública mundial”. Que também não se indignava quando os celerados explodiam ônibus escolares.
Onde o Estadão colheu a informação de que, entre os mortos, a maioria é de “civis, mulheres e crianças”? Não é verdade. Ademais, os “civis” do Hamas também praticam atos terroristas.
Como já escrevi aqui outras vezes, a relativa incompetência do Hamas para matar não torna ilegítima a reação israelense. Até porque o país aprendeu a se defender dos inimigos e faz de tudo para proteger o seu povo. Com o Hamas é diferente: cada morto é uma bandeira. Só uma pergunta ao editorialista: se o Irã e a Síria conseguirem armar melhor o Hamas e lhe fornecer foguetes mais potentes, havendo um conseqüente aumento de vítimas judias, a desproporção seria menor, certo? Nesse caso, a condenação moral a Israel seria menor? O que falta para que Israel pareça mais justo é um pouco mais de sangue judeu?

Além disso, é verdade que parte dos arsenais do Hamas foi destruída pelos bombardeios e pelos tanques, mas não há garantias de que os estoques de foguetes não sejam repostos, seja por fabricação própria, seja fornecidos pelo Irã e pela Síria. E o fato é que, se depois de terminada a ofensiva, ainda forem disparados foguetes contra Israel, os palestinos, a opinião pública dos países árabes e muçulmanos e parte da comunidade internacional verão esse feito como uma vitória moral do Hamas.
Começo pelo fim do parágrafo: isso está errado. Repito: Gaza estava ocupada em 2003, e 155 foguetes foram disparados. Em 2004, foram 281. Cessar o lançamento de foguetes, mesmo, só com o esmagamento do Hamas e eliminação de todos os seu líderes, com a reocupação de Gaza — hipótese que, entendo, Israel não deve descartar. Quanto à reposição de foguetes por parte do Irã e da Síria... Que coisa, não? E o que o mundo sugere que se faça com países que financiam o terrorismo? Certo... Nem isso, parece, é suficiente para evidenciar a superioridade moral de Israel.

O governo israelense resolveu enfrentar a ameaça terrorista do Hamas da pior maneira possível.
O editorialista deveria ensinar ao Estado israelense qual é a melhor maneira possível, não acham? Depois de 61 anos, Israel ainda não aprendeu. Mas o editorialista já descobriu o caminho.

Escolheu a guerra motivado, em grande medida, por questões de política interna. A desmoralizada coalizão liderada pelo primeiro ministro Ehud Olmert decidiu não enfrentar o Likud, nas eleições gerais de fevereiro, passando por fraca também em questões de segurança nacional. Ganhou prestígio entre certa parte do eleitorado, mas também deu vida nova ao Hamas - e agora se descobre num beco sem saída.
Olhem, essa história do argumento eleitoral é de lascar. Claro, claro... As ditaduras islâmicas que financiam o Hamas não têm esse problema de eleição... Nesse caso, seria a democracia israelense a pesar contra o país? Em Israel, volta e meia, há eleições. Aliás, está sujeito a um processo eleitoral a qualquer momento, já que o gabinete pode cair. Esse negócio de que só decidiu pela guerra para resolver um conflito interno tem, lamento dizer, um certo cheiro de preconceito, tangendo a velha corda do espírito judaico algo dado a conspirações... Bemk, eleição não é conspiração.
É uma falácia essa história de que Israel deu vida nova ao Hamas. O Hamas tinha “a vida” que têm os grupos terroristas. Até porque a vitória em “eleições legítimas”, como escreveu o Estadão, transformou-se, em Gaza, em golpe, com a eliminação dos inimigos do Fatah. Israel não tem de disputar popularidade com o Hamas na Faixa de Gaza. Tem é de danificar o máximo possível a infra-estrutura dos terroristas. E vai fazê-lo.

Um cessar-fogo sob supervisão internacional, seguido de negociações para o estabelecimento de uma trégua duradoura, poderia ser a solução. Mas a resolução do Conselho de Segurança, patrocinada pelo Reino Unido e aprovada nas primeiras horas de sexta-feira, não previa as garantias consideradas essenciais pelas partes em luta.
Opa! Quais são mesmo “as partes em luta”? Uma das partes é uma força terrorista. Observem que ela passou a ser abrigada pelo editorial do jornal como apenas um dos lados do conflito.

O Hamas não respeitará a resolução porque ela determina que a retirada de Israel se dará apenas depois de estabelecido um "durável e completamente respeitado cessar-fogo" - e não imediatamente, como exigem os palestinos. O primeiro-ministro Olmert, por sua vez, declarou que a resolução não conterá "os grupos palestinos assassinos" e não permitirá que um "corpo externo" determine o direito de Israel de proteger seus cidadãos. De fato, a resolução do Conselho de Segurança não prevê a formação de uma força internacional para controlar o tráfico de armas para o Hamas, que se dá pelos túneis que ligam a Faixa ao Egito.
Logo, o editorial reconhece as razões pelas quais não há como Israel acatar a resolução da ONU. Fazê-lo seria ignorar os motivos pelos quais o país foi à guerra.

Assim, é bem provável que uma paz negociada fique adiada pelo menos até a realização das eleições em Israel, no dia 10 de fevereiro. Até lá, as vitórias militares de Israel aprofundarão a sua derrota política.
De novo, volta a questão eleitoral. Para que o raciocínio fizesse sentido, seria preciso que alguma força eleitoral tivesse uma proposta substancialmente diferente. E isso é falso. O Kadima e o Partido Trabalhista estão no governo. A alternativa seria o Likud, com um programa, digamos, ainda mais radical no enfrentamento do terrorismo palestino. Pode até ser que a situação, em fevereiro, esteja diferente — mas porque muito mais perdas podem ter sido infligidas ao Hamas.
Quanto ao que o jornal chama “derrota política” — e que chamo de “derrota da guerra de propaganda” —, eis algo que já está dado e não tem mais como ser mudado. Assim era antes de qualquer ofensiva israelense. Infelizmente, o terrorismo passou a ser visto como uma força com a qual se deve negociar. Há quem chame essa concessão ao mundo bárbaro de escolha da diplomacia em detrimento da guerra.
Dizer o quê? Os que querem evitar este banho de sangue em Gaza — e outros, vindouros — só têm um caminho: dizer um “não” severo ao terror. Posso imaginar os estrategistas do Hamas fazendo a contabilidade do que é noticiado na imprensa mundo afora. Eles, sim, podem, como quer o Estadão, declarar que saíram com “suas motivações intactas”. Para eles, é fácil. Não precisam, ao contrário de Israel, proteger seus cidadãos inocentes: quanto mais mortes houver entre os seus, mais “intactas” se tornam as “motivações”. Que alimentem a sua loucura! Israel tem de se defender, com ou sem os “apoios externos”, de que fala o jornal. Um mundo que chama terroristas de "uma das partes em luta" não pode e não deve ser ouvido.
Por Reinaldo Azevedo

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