Monday, January 12, 2009

OUTRO VERMELHO-E-AZUL. O DIA EM QUE UM ESQUERDISTA BATEU MAIS NO TERROR DO QUE A “IMPRENSA BURGUESA”!!! - Blog do Reinaldo Azevedo - 12/01/2009

O caderno Mais!, da Folha, trouxe neste domingo um artigo do pensador alemão Robert Kurz, um nome graúdo da esquerda. Depois pesquisem um pouco sobre ele. É uma espécie de guru de alguns jornalistas e intelectuais no Brasil. Kurz tem uma péssima impressão do capitalismo e é um de seus críticos severos. No texto, ele faz uma salada danada e vê o conflito inserido no contexto da crise capitalista e do neoliberalismo. Os motivos, julguem aí, parecem um tanto obscuros e carentes de comprovação. Mas, creiam, ele teve a coragem de escrever o que seus parceiros da imprensa dita “progressista” silenciam. E o faz já a partir do título: “A guerra contra os judeus”. Mas não só isso. Kurz também tem a ousadia de escrever — embora a tese central seja furada — o que a “imprensa burguesa”, com raras exceções, omite. Ele pode estar errado em muita coisa, mas não está flertando com os terroristas, a exemplo da esmagadora maioria da imprensa ocidental — incluindo, é claro, a brasileira. Vamos lá.

As reações políticas à guerra em Gaza mostram que o número de amigos de Israel diminui com o aumento da precariedade da sua situação militar. Ocorre um deslocamento tectônico na relação de forças. Desde sempre o Oriente Médio foi palco não de conflitos limitados entre interesses regionais, mas de um conflito vicário, isto é, de um conflito entre atores substitutos, paradigmático e com forte carga ideológica.
Sim e não! Nos primeiros anos de Israel, essa relação não existia. Não é "desde sempre". O surgimento do “Israel como satélite dos EUA” se consolidou nos anos 60. Na primeira década de existência do país, as esquerdas o viam com simpatia.

Na época da Guerra Fria, o conflito entre Israel e a Palestina era visto como paradigma da oposição entre um imperialismo ocidental liderado pelos EUA e um campo "anti-imperialista", cuja liderança era disputada pela União Soviética e a China.
Exato!

A propaganda de ambos os lados ignorou aqui o duplo caráter do Estado israelense -por um lado um país moderno convencional no âmbito do mercado mundial, por outro uma resposta dos judeus à ideologia da marginalização eliminadora do antissemitismo europeu e, sobretudo, alemão.
Correto de novo. Cuidado só com a tradução. A expressão “Ideologia da marginalização eliminadora do anti-semitismo europeu e, sobretudo, alemão” ficou ambígua. Kurz está dizendo que Israel é uma resposta dos JUDEUS a uma ideologia que era:
- marginalizadora (de judeus);
- eliminadora (de judeus),
- anti-semita.

Subsumia-se Israel a uma constelação da política mundial, que nunca explicou cabalmente o país. Depois do colapso do socialismo de Estado e dos "movimentos nacionais de libertação", que tinham formulado um programa de "desenvolvimento recuperador" com base no mercado mundial, a natureza do conflito vicário sofreu uma modificação fundamental.
No Oriente Médio e além das suas fronteiras, o lugar dos regimes desenvolvimentistas laicos foi ocupado pelo assim chamado islamismo, que se revela apenas na aparência como movimento tradicionalista de cunho religioso.
Kurz adere aqui a uma teoria que está longe de ser dele e é admitida por bem poucos intelectuais de esquerda: o sectarismo islâmico se tornou um substituto, para os esquerdistas, da luta antiiimperialista.

Na realidade, ele é uma ideologia culturalista pós-moderna da crise de uma parte das elites há muito tempo ocidentalizadas nos países islâmicos, que representam o potencial autoritário da pós-modernidade e absorveram o antissemitismo europeu, não-islâmico na íntegra.
Aqui ele se perde um tanto. Caso se procurem as raízes do radicalismo islâmico na Irmandade Muçulmana, a tese da “ideologia culturalista pós-moderna” se esboroa. O anti-semitismo dos países islâmicos pode até se combinar com o anti-semitismo europeu, mas tem a sua própria história.

Nessa região, os segmentos do capital que fracassaram no mercado mundial declararam a guerra aos judeus como combate paradigmático à dominação ocidental. Inversamente, o imperialismo da crise ocidental, encabeçado pelos EUA, transformou o islamismo no novo inimigo principal depois de tê-lo aleitado e abastecido com armas antes, durante a Guerra Fria.
Kurz identificou coisas interessantes, mas lhes deu nomes errados. Isso que ele chama de “fracasso no mercado mundial” é outra coisa: os sectários das sociedades islâmicas lutam é contra a inevitável modernização, não contra a modernização frustrada. Esquerdista, afinal, ele não entendeu direito o que viu e precisa continuar a alimentar a sua tese do colapso da modernização: lá está, diz ele, o Ocidente em crise “transformando o islamismo em inimigo principal” — depois de tê-lo armado. Como se vê, também para Kurz, os países islâmicos nunca agem; só reagem.

Penúria ideológica
Essa nova constelação levou a confusões ideológicas de grau imprevisto. Nas regiões de crise, o neoliberalismo parecia identificar-se com a guerra da ordem mundial capitalista contra os "Estados em desagregação"; no Oriente Médio, parecia identificar-se com Israel. Desde então, correntes neofascistas do mundo inteiro andam de mãos dadas com a "luta de resistência" islâmica de viés antissemita, embora ao mesmo tempo aticem sentimentos racistas contra migrantes dos países islâmicos.
À parte a obsessão de Kurz de ver tudo a partir da “crise do neoliberalismo” (ô coisa aborrecida, meu Deus!), aponta coisas interessantes, sim: com efeito, neofascistas estão juntos com o anti-semitismo islâmico.

Segmentos expressivos da esquerda global também passaram a transferir sem qualquer cerimônia a glorificação do velho "anti-imperialismo" aos movimentos e regimes islâmicos. Isso só pode ser caracterizado como penúria ideológica, pois o islamismo é contra tudo o que a esquerda defendeu na sua história: pune o homossexualismo com a pena capital e trata as mulheres como seres de segunda categoria
Ah, finalmente alguma luz no pensamento da esquerda, ao menos nesse particular. Ele falará uma besteira daqui a pouco, mas, nesse ponto ao menos, acerta. Kurz é guru de muita gente no Brasil — com mais miolos do que um Emir Sader; este não deve entender direito o que escreve o teórico alemão... Quem sabe menos gente no Brasil veja aqueles valentes terroristas como bravos lutadores contra o império do mal...

A responsabilidade por isso também não deve ser atribuída a nenhuma religião tradicional, mas a uma militância de tinturas culturalistas do patriarcado capitalista, hoje em crise, que se dá a conhecer de outro modo também no Ocidente. A nada santa aliança entre o caudilhismo "socialista" de um Hugo Chávez e o islamismo representa apenas a ratificação dessa decadência ideológica no plano da política mundial, destituída de qualquer perspectiva emancipadora.
Bem, aqui Kurz faz uma mistura dos diabos. É preciso que defina o que é a tal “militância de tinturas culturalistas do patriarcado capitalista”. Mas acerta quando aponta a aliança do caudilhismo socialista de Chávez com o islamismo como “decadência ideológica”. Observem que a esquerdas do mundo, até agora, silenciaram a respeito. Sendo "contra Israel", para elas, parece coisa boa.

Desde a recente quebra financeira, sem precedentes na história, a constelação global está dando uma volta a mais.
Agora fica claro que o colapso do socialismo de Estado e dos regimes desenvolvimentistas nacionais foi apenas o prenúncio de uma grande crise do mercado mundial. O neoliberalismo está falido e a guerra da ordem mundial capitalista não mais pode ser financiada. Nessa situação evidencia-se que Israel sempre foi apenas um peão no tabuleiro de xadrez do imperialismo da crise global.
Bem, aqui Kurz regressa ao Planeta dos Macacos. Não foi ele quem apontou o duplo caráter do Estado de Israel, a saber: “por um lado um país moderno convencional no âmbito do mercado mundial, por outro uma resposta dos judeus à ideologia da marginalização eliminadora do antissemitismo europeu e, sobretudo, alemão”? Mudou de idéia: é apenas um peão...

A própria administração Bush no fim passou a considerar inofensivo o programa iraniano de armamento nuclear. Os interesses dos EUA e de Israel se dissociam. Obama não dispõe mais de uma margem de atuação político-militar. A guerra islâmica contra os judeus é aceita como inevitável. Por isso os lançamentos de foguetes do Hamas sobre a população civil israelense se afiguram inessenciais.
Mas Kurz recupera os sentidos neste ponto. Com efeito, “a guerra islâmica contra os judeus é aceita como inevitável”. E se ignoram os foguetes do Hamas.

A opinião pública global caracteriza o contra-ataque israelense majoritariamente como "desproporcional". Os palestinos em Gaza são percebidos como vítimas juntamente com o Hamas, como se esse regime não se tivesse imposto em uma sangrenta guerra civil contra o grupo laico Fatah.
Vejam que Kurz aponta tudo com clareza, desassombro, coisa de que as esquerdas não são capazes nesse caso. Não estivesse vendo tudo isso no contexto da “crise do neoliberalismo”, estaria escrevendo um bom artigo.

Assim a propaganda islâmica do massacre da população civil cai em terra fértil. Com efeito, o Hamas transforma, exatamente como o Hizbollah libanês em 2006, a população em refém, ao transformar mesquitas em depósitos de armamentos e permitir que seus quadros armados atirem de escolas ou hospitais. A opinião pública mundial ignora isso, pois já reconheceu o Hamas como "poder de garantia da ordem" em meio à crise social.
Vejam como Kurz chama as coisas pelo nome que elas têm.

Por isso o pragmatismo capitalista se volta, conforme se pode observar até na imprensa burguesa de orientação liberal, cada vez mais contra a autodefesa israelense. Aqui reside, de resto, o segredo da virada neoestatista em meio à queda da economia global: as massas depauperadas devem ser pacificadas com meios autoritários, e para tanto serve agora até o islamismo, ainda mais se ele logra legitimar-se formalmente como democracia. Mesmo uma esquerda, que não tem mais um objetivo socialista e se jacta da pós-moderna "perda de todas as certezas", corre o risco de identificar-se com a administração autoritária da crise e aceitar como inevitável a guerra islâmica contra os judeus, como se ela fosse um mero flanqueamento ideológico.
SIM, KURZ TEM RAZÃO: “A IMPRENSA BURGUESA, DE ORIENTAÇÃO LIBERAL, ESTÁ CADA VEZ MAIS CONTRA A AUTODEFESA ISRAELENSE”. Mas isso nada tem a ver com a necessidade de o capitalismo controlar as massas. Essa parte da tese é uma das coisas mais delirantes que já li. Não é isso, não, Kurz. A “imprensa burguesa” age assim porque é conduzida por seus amigos de esquerda e porque, com efeito, acredita que o conflito entre Israel e o terrorismo islâmico é um capítulo da luta antiimperialista. E porque, KURZ, SE A ESQUERDA VIVE A “PENÚRIA IDEOLÓGICA”, OS CONSERVADORES VIVEM UMA “A PENÚRIA DE VALORES”.

O conflito vicário alcançou uma dimensão social no plano global. Contra o "mainstream" ideológico, faz-se mister constatar que o aniquilamento do Hamas e do Hizbollah é condição elementar não apenas de uma paz capitalista precária na Palestina, mas também de uma melhoria das condições sociais.
Se as perspectivas para tanto são ruins, são boas para a desagregação da sociedade mundial na barbarização.
Reitero: é uma bobagem monumental julgar que se trava na região uma batalha que é parte da “desagregação da sociedade mundial”, uma obsessão de Kurz. Mas ele deve ser o primeiro esquerdista a questionar o que é também “mainstream ideológico” da esquerda: Kutz descarta os terroristas como interlocutores possíveis.
Noto, é inevitável, que seu artigo considera tudo o que o editorial do Estadão decidiu ignorar:
- o sectarismo islâmico é tomado como substituto das esquerdas na “luta antiimperialista”;
- neofascistas e anti-semitas estão juntos;
- Hamas e Hezbollah usam escudos humanos;
- os sectários praticam atentados contra a população civil de Israel;
- os terroristas ganharam a opinião pública mundial, e se ignoram as ações do Hamas contra o seu próprio povo.

Triste o dia em que um esquerdista consegue ser mais severo com os terroristas do que a antes chamada “imprensa burguesa”!!!
Por Reinaldo Azevedo

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