Wednesday, April 02, 2008

Festim diabólico - Blog do Reinaldo Azevedo - 02/04/08

Há dias, perguntei aqui: a dengue é municipal, estadual ou federal? Todos sabemos que, na cidade do Rio, falharam as três esferas de governo, e o resultado é o que se vê. Cá estamos. Este é o país “da saúde quase perfeita”, como já disse Lula uma vez. Este é o país onde se fez uma “revolução” no setor, como disse ontem o ministro José Gomes Temporão. Olhem aqui, meus caros, anotem isto: se a tragédia não torna os homens públicos um pouquinho mais pudorosos, então é sinal de que as coisas vão se repetir, e se repetir, e se repetir, tecendo a teia da incompetência crônica, que, com o tempo, vai virando um traço de caráter. E todos dirão, e todos diremos: “Somos assim mesmo. Não adianta”. Falei em pudor?

Confesso-me ainda chocado com o espetáculo protagonizado por Lula, Sérgio Cabral e Dilma Rousseff anteontem, na Baixada Fluminense: não eram três personagens da vida pública brasileira, mas três caricaturas. Seu palanque era uma urna funerária onde jaziam 67 cadáveres. As vítimas não morreram de dengue, não. Morreram de irresponsabilidade. Não foram picados pelo mosquito. Foram atropelados pela crônica incompetência. Não foram colhidos por desidratação ou hemorragia. Foram arrancados da vida pela impudicícia dos falastrões.

Por que tanto riso naquele palco macabro? Que acontecimento se celebrava ali? Era a festança do PAC. Regozijavam-se todos pelo país do futuro, esta construção mental que, na pena de Stefan Zweig, tinha um caráter promissor, otimista. Judeu austríaco fugido do nazismo — acabou escolhendo o Brasil como destino. E aqui se matou. O que pode assumir um triste simbolismo. O “país do futuro” tornou-se conversa mole da faroleiros, quase sempre uma desculpa para justificar os descalabros do presente.

Na festa do PAC, numa cidade praticamente vizinha à mortalha de infantes em que se transformou o Rio, Lula vociferou contra as oposições; Sérgio Cabral fez gracejos com a “presidente Dilma”; a ministra voltou a escandir sílabas, com suas tônicas supertônicas. Num dado momento, sua imagem foi exibida no telão: estava ali a nossa Grande Mãe.

Os petralhas que tentam infestar o blog, com aquela linguagem de que vocês viram pequena amostra, não se contêm e, como dizem, esfregam a popularidade de Lula na minha cara, como se ela fosse a resposta para todos os males e o redutor único da política. Não a eles, que não merecem resposta, mas aos milhares de freqüentadores desta página que se espantam com os números, observo: não é a primeira vez que um governo que fabrica desastres tem altos índices de aprovação. Esse par nem sempre é harmônico — ou o populismo não seria um fenômeno político que ainda desafia especialistas. Há uma mudança em curso na economia do mundo que, até agora, tem sido favorável ao país. De Lula, ela demandou a competência de não se meter na política econômica. O caso do Rio é outro. Política pública de saúde é uma área onde o governo pode e deve se meter. Antes que a tanto seja obrigado pelos mosquitos. Volto ao festim diabólico.

Só se celebrou aquele encontro porque, reitero, os representantes da Dona Zelite política presentes não se sentiam responsáveis ou mesmo constrangidos pela epidemia e pelas mortes. Ou teriam tido mais compostura e respeito. O respeito que nos merece um único morto — o que dizer de 67 deles?


Por Reinaldo Azevedo |

1 comment:

Fusca said...

É, a petralhada já dominou a máquina do Estado e a grande mídia. É óbvio que as pesquisas 'encomendadas' do IBOPE não correspondem à verdade. O mesmo IBOPE deu 84% de popularidade ao mais cruel general do regime militar, também assessorado por Delfim Netto. A ditadura lullista está chegando lá (e já ultrapassou em desvios de recursos e escândalos faz tempo...).
Se quiserem opinar, o blog do FuscaBrasil permite, ao contrário dos Ibopes da vida...
www.fuscabrasil.blogspot.com