Friday, April 25, 2008

Um artigo tenebroso - Blog do Reinaldo Azevedo - 25/04/08

Os auditores fiscais, como vocês sabem, estão em greve — parcial, é verdade, mas o suficiente para trazer enormes prejuízos ao Brasil e aos brasileiros. O pretexto é uma questão salarial. Mas será só isso? Um artigo publicado hoje por Vera Teresa Balieiro, em O Globo, parece indicar que não. Quem é a valente? É a presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Sindical) do Rio de Janeiro.
Leiam o que ela escreve num texto intitulado “O governo aparelhado”. Volto em seguida:

A constipação da economia americana, se não foi capaz de arrastar a brasileira, trouxe-nos de volta, contudo, a ameaça de recrudescimento da famigerada política de juros altos e, com ela, a perplexidade da sociedade brasileira diante de algo aparentemente incompreensível - a blindagem desta e de outras políticas de governo, como a tributária e a regulamentação financeira, que perduram imutáveis, mesmo diante de um clamor nacional por mudanças.
Por mais bizarra que possa parecer, no entanto, essa situação revela talvez a maior de todas as conquistas recentes dos grupos econômicos que, historicamente, ditam as regras políticas em nosso país. O "aparelhamento" de setores estratégicos do governo, como o Banco Central e a Receita Federal, e a implantação de uma cultura gerencial privada nos órgãos públicos deram-lhes o poder de fato das engrenagens fundamentais da máquina governamental, independentemente até mesmo da vontade do encarregado de operá-la no momento.
Sejam quais forem os operadores de plantão, a máquina funcionará sempre na mesma cadência, garantindo resultados satisfatórios àqueles que controlam o mecanismo. Já não mais importa o matiz político de quem vier a comandar o país, desde que os setores estratégicos continuem controlados por esses grupos, cujos interesses ficam, assim, assegurados.
Sob o verniz de uma falsa modernidade, o sistema estabelecido até concede alguns espaços através de conselhos sociais e grupos de trabalho, sem quaisquer possibilidades decisórias, gerando apenas um "participacionismo" inócuo.
Um exemplo típico é o falso debate proposto pela administração para tentar legitimar, no âmbito da Receita Federal, o Programa Integral de Gestão de Pessoas, o chamado "Pró-Pessoas" - empulhação cujo principal objetivo é transferir as atribuições dos auditores fiscais para os gestores, em detrimento dos agentes públicos.
Tudo nesse programa denuncia o DNA do modelo de gestão do setor privado, só que dentro de um órgão público. O discurso oficial destaca pontos como "contribuir para a melhoria do ambiente de negócios do país" e "prover segurança, confiança e facilitação do comércio internacional", contribuindo "para sua fluidez".
É preocupante quando um órgão vital, como a Receita Federal, desvia o seu foco do interesse público, colocando-se a serviço de demandas particulares.


Comento
Vera quer inverter os fatos. O governo está aparelhado, sim, mas pelo sindicalismo. Segundo ela, não. O setor privado é que teria se apropriado do estado. Sua acusação é tão sensata quanto a bobagem de que a elevação da taxa de juros no Brasil tem alguma relação com a crise da economia americana, que ela chama de “constipação”. No sentido original e primeiro da palavra, “constipadas” são suas avaliações.

Como se vê, o que dona Vera não aceita é uma gestão da Receita — e, então, de qualquer órgão público — que tenha como critério a eficiência e a qualidade. Ela considera isso tudo papo furado, “verniz de uma falsa modernidade”. Acha que, assim, o capital privado estará sendo beneficiado, em detrimento do bem público. Parece que, para esta senhora, a competência é mesmo coisa da direita. Convenhamos: ela não deixa de ter razão.

Ao contestar o que considera mero “discurso oficial”, a líder sindical se trai e resolve se opor àqueles que seriam os seus princípios:
- “contribuir para a melhoria do ambiente de negócios do país";
- "prover segurança, confiança e facilitação do comércio internacional";
- contribuindo para "para a fluidez" desse comércio.

Mas esperem aí: não é isso mesmo o que todos queremos da Receita? Se melhora o ambiente dos negócios, se o comércio internacional se torna mais fácil e mais fluido, não são os brasileiros que ganham? Isso dona Vera não responde. Ela só põe na sua conta os que supostamente perdem: aqueles que ela chama de “agentes públicos”. Quer dizer que temos “agentes públicos” que perdem quando os brasileiros ganham? Então, não há como ignorar, eles são nossos inimigos.

Reparem que, subjacente ao texto desta senhora, há a idéia de que o Brasil deve proteger os interesses da corporação — em vez de a corporação trabalhar em benefício daqueles que lhe pagam o salário. É o fim da picada! Não fica difícil saber quem aparelha o quê.


Por Reinaldo Azevedo

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