Sunday, October 28, 2007

Privataria! - Carlos Alberto Sardemberg - OESP 15/10/07

Quer dizer que o governo Lula entrega o patrimônio nacional para empresas estrangeiras e não cobra nem um centavo por isso? De graça, as companhias espanholas vão ficar 25 anos cobrando pedágio e ganhando dinheiro com estradas construídas com imposto pago pelo contribuinte brasileiro!Quer dizer que o governo Lula monta um modelo de privatização que favorece o capital estrangeiro? Só multinacionais, que trazem capital de fora, mais barato, conseguem assumir pedágios tão baixos. Mais ainda: o dólar tão barato, outra proeza de Lula, favorece os estrangeiros, pois a tarifa em dólar fica maior e as companhias gastarão menos reais para enviar seus polpudos lucros aos acionistas lá fora.Nunca na história deste país um governo foi tão servil às empreiteiras multinacionais. Uma privataria!Essa turma que pede a reestatização da Vale, por ter sido vendida a “preço de banana”, não vai pedir uma “CPI da doação das estradas”? Aliás, deveria ser uma CPI ampliada, pois a Vale, entregue por FHC, acaba de ganhar de Lula um trecho enorme da Ferrovia Norte-Sul.Isso aí, pessoal. Quem quiser pode usar os motes acima, sem pagar direitos autorais. Tão de graça quanto as rodovias.Agora, está mesmo muito engraçado observar Lula, seus ministros e os formadores da opinião de esquerda defenderem seu modelo de privatização de rodovias.Muitos começam por apresentar a ressalva: não é privatização, é concessão. Tudo bem: concessão de uma via pública, construída pelo Estado, para uma empresa privada explorá-la por 25 anos, conforme regras, mas sempre sob a “ótica do lucro”.Depois, segue o argumento, ao contrário da privatização tucana, com seus pedágios caros e “elitistas”, a privatização, perdão, a concessão petista é popular-democrática, pois cobra pedágios bem baratinhos.Assim é, temos agora uma privatização tucana e outra petista. E - quer saber? - ficou melhor para o País. Resta uma discussão de método, os dois lados concordando que a empresa privada, nacional ou estrangeira, é mais competente para operar e oferecer ao usuário uma estrada de qualidade e eficiente para negócios e turismo.Isso posto, eis algumas observações razoáveis sobre o tema:Modelo de concessão - o governo, poder concedente, “dono” da estrada, pode ou não cobrar pela outorga da concessão. No primeiro caso, seria como cobrar um aluguel. As duas modalidades têm justificativas. Quando cobra, o governo faz caixa para, por exemplo, investir em estradas menos rentáveis (modelo adotado em São Paulo). Quando há cobrança, ganha o leilão a empresa que oferecer o pagamento mais alto, dentro de um padrão para os pedágios. Obviamente, o custo da operação é maior, de onde sai um pedágio mais caro. Já no caso dos últimos leilões federais, o governo Lula decidiu não cobrar a outorga. Ganhou a empresa que ofereceu pedágio mais barato. É um critério mais simples, melhor para o usuário, pior para o governo. De todo modo, o governo Lula pode se dar ao luxo de perder essa receita, pois está arrecadando como nunca na história deste país.Exigências impostas à concessionária - mais ou menos investimentos no início do contrato, maior ou menor qualidade do piso, quando se inicia a cobrança do pedágio. No caso do último leilão das sete rodovias federais, técnicos dizem que há exigências menores para o piso, por exemplo. A cobrança do pedágio é imediata, enquanto no caso das privatizações feitas em São Paulo (no governo Mário Covas), essa cobrança se fazia depois de feita parte das obras. Com isso o fluxo de caixa é menor, o custo da operação é maior.O ambiente macroeconômico - em momento de instabilidade, inflação e desarranjo das contas públicas, as empresas privadas só fazem negócio com o governo se tiverem garantias de que a rentabilidade não será reduzida. Preços começam mais elevados para prevenir choques futuros, como inflação ou desvalorização da moeda local. Por exemplo: a empresa estrangeira topa um pedágio de R$ 1,80, o equivalente a US$ 1. De repente, o real se desvaloriza e a cotação vai a R$ 3,60, fazendo com que a tarifa caia a US$ 0,5. E é evidente que o ambiente macroeconômico hoje é muito superior ao do momento em que foram feitas as concessões mais antigas. Há razoável convicção de que não haverá inflação, que os juros vão cair e que o dólar não vai disparar.Capacidade das empresas privadas - concessão de rodovias (e outros serviços) é um negócio relativamente novo. Só agora existem muitas companhias internacionais, entre as quais as espanholas, que desenvolveram enorme capacidade no setor. O Aeroporto de Heathrow, em Londres, é de propriedade de uma empreiteira espanhola. Por isso, no último leilão brasileiro, apareceram tantas empresas competindo. Isso é outro fator que derruba os preços.E mais: pedágio barato não é garantia de sucesso da operação. Em alguns países, como no México, o fracasso de concessões de rodovias teve como causa justamente o preço baixo do pedágio e os prazos menores de concessão (abaixo dos 20 anos). Com isso, as concessionárias, a um determinado momento, perceberam que não obteriam o retorno do capital e pararam de investir. O barato saiu caro.Por isso cuidado com as comparações entre os preços da última licitação e os das anteriores.O que sabemos é que as atuais estradas privatizadas vão muito bem, obrigado. São as melhores do País, têm o menor número de acidentes. O modelo funcionou.O novo modelo, dos pedágios baratos, ainda não foi testado - e só vai ser testado mesmo sabem quando? No próximo governo, no mesmo período, 2010/2011, em que se saberá se o novo modelo lulista deu conta do fornecimento de energia.É preciso admitir: na política e na mídia, o cara é craque. *Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

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