Thursday, November 01, 2007

A crise do gás, a estabilidade triste e a falta de imaginação - Blog do Reinaldo Azevedo - 01/11/07

“O Brasil enfrentará nos próximos anos, segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros, um sério problema de energia. ‘Hoje, 100% dos analistas privados vêem novo problema de energia já em 2009.’ Segundo ele, há quatro anos não é iniciada no País nenhuma hidrelétrica de porte. A restrição de energia no horizonte leva os empresários a ter dúvidas na hora de investir. ‘Um apagão ou um forte aumento da energia é a mesma coisa. Eu não tenho dúvida de que o preço vai subir.’ Mendonça de Barros chama a atenção também para os crescentes investimentos de brasileiros no exterior, que, na sua avaliação, estão sendo estimulados pela sobrevalorização do real e por condições microeconômicas desfavoráveis no Brasil."

Acima, vai um post do dia 5 de novembro de 2006, que faz referência ao que falara ao Estadão o economista José Roberto Mendonça de Barros. E, daquele dia a esta data, já faz um ano, os especialistas são unânimes em afirmar, nada mudou. Vejam aí: o ritmo um pouco mais acelerado do crescimento econômico — e estamos falando de modestos 5% (modestos na comparação com os pares emergentes), não de 8% ou 9% — acenou com um risco, ainda que não iminente, de desabastecimento. A Petrobras foi obrigada a fazer uma escolha: cortou o gás dos consumidores para poder abastecer as termelétricas. Como sempre acontece nesse caso, a Justiça foi acionada, a empresa vai recorrer... Observem: a coisa já deixou o território da economia.

Acho que isso seria menos grave se tivéssemos um governo menos falastrão — e, sei, os petralhas virão em coro: “E o apagão de 2001?”. Sim, houve o apagão de 2001, e o governo FHC pagou por ele nas urnas, não é? O fato é que Lula tem uma conjuntura externa formidável, maioria folgada no Congresso, popularidade alta e uma estabilidade meio marreta, mas tem. O que impede o governo de fazer deslanchar os investimentos no setor de energia? A competência. Escrevi: “Seria menos grave se o governo fosse menos falastrão”. Por quê? Porque seria menos autoconfiante e ouviria um pouco mais.

Se vocês se lembram, o eixo do PAC — refiro-me aquele grandão, o PACão, pai, dos “paquitos” — era justamente o investimento em energia. Daquela data até agora, perguntem quantos passos foram dados: nenhum! Entre os especialistas, é consenso: no ritmo em que cresce a oferta de energia, o país estará proibido de continuar a crescer 5% — o que não dizer de um crescimento maior?... A Petrobras pode dar o nome que quiser ao que fez, e será sempre um apelido: está racionando gás, sim. E raciona porque as termelétricas vão socorrer as hidrelétricas em razão da pouca água nos reservatórios.

Estamos, de novo, como os macaquinhos imprudentes. A diferença é que eles torciam para não chover, já que não haviam feito suas casas. E nós vamos ter de torcer para chover. Numa reportagem na Folha de hoje, lê-se: “Problemas na Argentina, na Bolívia e um redimensionamento da capacidade de geração de energia em térmicas de gás natural no Brasil fizeram com que a oferta de energia firme -ou seja, com a qual se pode contar- prevista para 2008 fosse reduzida de 57 mil MW médios para 50,9 mil MW médios. ‘Devido a problemas no gás natural, num intervalo de dois anos [2005 a 2007] a oferta firme de geração do Brasil foi reduzida em 12%. Poucos países resistiriam a isso’”. A observação é de Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, que representa investidores privados em energia.

A auto-suficiência prepotente do governo não é auto-suficência energética, não é? No dia 3 de dezembro do ano passado, informava uma reportagem de Renée Pereira, no Estadão:

Os planos do presidente Lula de elevar o crescimento do País para níveis superiores a 5% ao ano a partir de 2007 podem ir por água abaixo se ele não conseguir deslanchar os investimentos na área de energia. Coincidentemente, a iminência de uma nova crise elétrica ocorre no segundo mandato de Lula, a exemplo do que ocorreu em 2001, na administração de Fernando Henrique Cardoso.
Até agora, segundo especialistas, o que tem jogado a favor da oferta de energia no País é o tímido avanço da economia, abaixo de 3% ao ano. Se o País começar a crescer acima de 5% ao ano, o setor elétrico não deve suportar muito tempo. De acordo com dados da Gásenergy, os riscos de déficit estarão acima dos 5% tolerados a partir do ano que vem, em algumas regiões do País.
“Como consumidor, estou preocupado com a situação. Se crescermos 4% ou 5%, o apagão chega mais perto”, enfatiza Mario Cilento, presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), cujas associados representam 25% do PIB brasileiro.
Na avaliação de Gorete Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), além da falta de gás para abastecer as térmicas, há outras questões que aumentam o risco de déficit do País. Um deles é exatamente o argumento do governo de que as distribuidoras estão 100% contratadas até 2010.

Maiores esclarecimentos, com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), braço operativo do governo, especialista na área, ex-ministra do setor. Até agora, de suas ações, não saiu um miserável quilowatt a mais de energia. Mas ela já é considerada peça central da sucessão em 2010 em razão de suas virtudes visionárias.

Ah, sim: ainda bem que o governo Lula, embora se descuide do setor energético, toca todo o resto com competência e presteza: reforma tributária, reforma trabalhista, reforma do Judiciário... Observem: fora do equilíbrio macroeconômico, um conservadorismo meio tristinho, não há nada. Assim, não chega a ser surpreendente que o país apareça em 72º lugar num ranking de competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial que inclui 131 países. Caiu seis posições. Os motivos? Burocracia, ineficiência dos gastos públicos, carga tributária excessiva e juros elevados.

Há dados muito interessantes. Quando os 11 mil executivos que votaram foram convidados a avaliar a sofisticação empresarial, o Brasil ficou em 39º lugar. Nada formidável, mas no primeiro terço do grupo. Já quando opinaram sobre a eficiência dos gastos públicos, ficamos a quatro posições do último lugar: no 127º. E tem mais: conforme se lê na Folha de hoje, “a qualidade da educação primária está em 120º — há somente 11 países mais deficientes nesse quesito —, e o sistema legal complexo e ineficiente garantiu o 105º posto neste indicador.”

É isso aí. É preciso muito mais do que a “estabilidade” que aí está. Ela já chegou a significar alguma “ousadia” do PT. Hoje, é pura falta de imaginação. Entenda-se por “imaginação” não a feitiçaria econômica, mas o procura de caminhos políticos para fazer as reformas. Não! Elas não serão feitas. Porque, para fazê-las, é preciso, sim, ter um projeto.
Por Reinaldo Azevedo

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