Saturday, October 13, 2007

O poder das (des)interpretações estatísticas

Ana Lobato, do site www.e-agora.org.br de 17/07/07

A construção, administração e disseminação de estatísticas constitui uma questão central no gerenciamento das sociedades modernas, no planejamento de seu futuro e mesmo na dimensão democrática de um país. A necessidade de instituições independentes do poder político de turno nas tarefas vinculadas à construção das bases de dados parece ser a alternativa mais adequada para reduzir as tentativas quase naturais de todo governo de manipular a construção das bases de dados para se perpetuar e ampliar o poder. No Brasil está, nesse aspecto, no meio caminho entre um Estado totalitário (no qual as estatísticas são assumidas como uma das múltiplas ferramentas de controle social) e um país com maior densidade democrática (no qual a produção de estatísticas é gerada por intuições públicas independentes). Enquanto o IBGE goza de alguma independência e constrói séries com credibilidade a maioria das grandes bases de dados (em geral, registros administrativos) estão administrados por esferas do Governo Federal totalmente vinculadas às instâncias políticas. Em geral, os argumentos que sintetizamos no parágrafo anterior são consensuais. Contudo, um fenômeno de maior sutileza vem se manifestando nos últimos meses e consiste na interpretação das estatísticas. Este tipo de leitura manipulada atingiu tal grau de sofisticação que mesmo nossos quadros técnicos mais qualificados da oposição aderem a este tipo de leitura, tornando menos nítidos os campos nos quais alternativas políticas podem ser desenvolvidas e, involuntariamente, ajudando ao Governo nos seus objetivos de publicidade. Um exemplo dessa leitura está dado pela Nota de Conjuntura que a Assessoria em Finanças Públicas do PSDB/ITV N 062/2007 (do 16/07 a 20/07) e sua análise dos dados do CAGED (emprego formal). A nota afirma que o saldo do emprego no primeiro semestre foi 18,6% superior ao obtido em igual período do ano anterior. Ou seja, comparam-se saldos absolutos e identifica-se uma elevação pouco usual, mesmo em uma conjuntura extremamente dinâmica. Faltou muito pouco para, por meio dessa nota, aderirmos explicitamente ao jargão presidencial: “nunca antes na história deste país” foi gerado tanto emprego com carteira. Este tipo de “análise” é comum nos comunicados com nítido viés demagógico distribuídos para a imprensa pelo Ministério do Trabalho e que mesmo jornais independentes e sérios assumem sem nenhum espírito crítico. A Folha, em recente manchete (21/06/2007) sustentou: ”o emprego formal cresce 19%”. Percentuais de variação de 19% só são críveis em contextos de catástrofe natural, guerra, etc. Nenhum milagre (nem miragem) é capaz de provocar aumentos no emprego de 19%. Qual é a manipulação na interpretação das estatísticas? É simples e mesmo primitiva. Imaginemos que uma economia esteja em um equilíbrio de longo prazo, com crescimento no nível de emprego de 10% por período. Neste caso, partindo de uma base 100, no final do primeiro período terá um emprego de 110, no final do segundo período de 121, no final do terceiro período de 133, etc. Essa hipotética economia está em um equilíbrio de crescimento de 10%. Qual a outra interpretação? Simples, comparar os dados absolutos. O governo vai divulgar que, no primeiro mês foram gerados 10 novos empregos e no segundo mês 11. Ou seja, a economia “estaria” melhor no segundo período uma vez que foram gerados mais empregos. No terceiro período foram gerados 12 novos empregos (133-121) e o desempenho do mercado de trabalho ainda melhorou (“bateu um novo recorde”). Logicamente, as assessorias de comunicação dos Ministérios vão divulgar que “nunca antes neste país” foram gerados tantos empregos. Se a economia continua em um “steady state” de crescimento de 10%, no quarto período o estoque de assalariados será de 146 e a geração de empregos de 13 e, miragem, “nunca antes neste país” foram gerados tantos empregos. Ou seja, no quarto período seriam gerados 30% mais empregos que no primeiro. A economia estaria em uma dinâmica de crescimento rumo ao infinito, o céu é o limite (talvez nem isso). Toda a questão está em que o crescimento das magnitudes econômicas é exponencial e esse fato invalida a comparação de saldos absolutos. Ninguém compara o desempenho do PIB em termos do aumento absoluto senão do relativo e o mesmo teria que ser feito no caso do mercado de trabalho. Que o governo manipule a interpretação das estatísticas dessa forma seria uma coisa esperada. Fato, aliás, vale relembrar, que tem sido feito desde o seu primeiro momento, com as comparações de séries do CAGED que têm metodologias diferentes e que muito combatemos. Que a imprensa e nossos quadros qualificados acompanhem o poder político nessa empreitada explicita de forma inequívoca a densidade do debate no Brasil de hoje. Eles pautam o debate, não questionamentos, apenas repetimos.

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