Friday, February 15, 2008

Sobre o terror: "Mas que diabo de católico é você?" - Blog do Reinaldo Azevedo - 15/02/08

O post sobre a morte do facínora Imad Mughniyeh, chefe militar do Hizbollah, traz, até agora, um único comentário publicado. Estão aqui guardados. Vou vê-los daqui a pouco. Dona Reinalda preferiu que eu mesmo os avaliasse. Ela me diz que um bom grupo de leitores pergunta que diabo de católico sou eu, já que escrevi que o mundo está melhor sem ele, e se não sou contra a pena de morte.

É engraçado. Costumam confundir catolicismo com fraqueza de caráter. Esperam de um católico que seja idiota, não que seja convicto. Os críticos do catolicismo acham que a religião só se justificaria se seus adeptos estivessem permanentemente de joelhos, expiando culpas — sobretudo as que não têm.

O que queria Imad Mughniyeh? Um mundo pacífico, em que as diferenças políticas e religiosas fossem decididas por meio do diálogo? Como ele lidava com o seu impressionante estoque de cadáveres? Mostrou, em algum momento, alguma forma de arrependimento? Prometeu não matar mais? Os métodos a que ele recorria eram uma das formas possíveis da ação política no terreno do que compreendemos ser a civilização? No caso particular do Oriente Médio, lutava, sei lá, por dois estados independentes na região de Israel-Palestina ou por uma federação de estados? Nada! Queria o fim de Israel e a expulsão dos judeus da região.

Mesmo assim, sua “luta” poderia se limitar a financiar políticos que defendessem esse ponto de vista, certo? Mas não! Ele se organizava para matar inocentes. Não só a vida dos palestinos não melhorou em conseqüência de seus atos, como a dos libaneses se transformou num inferno Um católico, um cristão, não deve, sem que isso macule seus princípios, optar pela morte, pela eliminação física do outro, como forma ativa de política. Mas, se quiserem, dá para encontrar a pena capital em Deuteronômios. Não se escolhe a morte. Mas também não se a acolhe como um fatalismo.

Dá pra matar, de modo cristão (afinal, aquele livro do Velho Testamento é acatado pelos católicos), apelando à letra do texto bíblico. Mas a ética cristã e católica avançou em outra direção. Ali Kamel, no seu excelente Sobre O Islã — é leitura obrigatória — demonstra, por exemplo, que as 72 virgens que esperariam os suicidas-homicidas no Paraíso, para onde o morto poderia indicar outros setenta parentes (uma espécie de nepotismo celestial), não é coisa do Islã, mas de uma seita fundada em 1090 pelo persa xiita Hassan e-Sabbah. Escreve Kamel: “O crime devia acontecer à luz do dia, no lugar mais movimentado da cidade, de preferência numa mesquita bem cheia, durante as orações de sexta-feira. Para que o ato tivesse ampla repercussão e provocasse medo”. A primeira vítima desse tipo de crime é de 1092: Nizam el-Mulk, um vizir turco que, durante 30 anos, organizara o poder sunita. O que era um sectarismo na disputa entre xiitas e sunitas foi recuperado no mundo contemporâneo como forma de luta política. Estamos lidando com reacionários delirantes, que conspurcam o Corão para matar.

O que fazer diante desse delírio? Entregar-se em holocausto? Ficar esperando o próximo ataque dos Imads? Oferecer a outra face? A nossa face ou a face da imensa massa de inocentes mundo afora? Olhem aqui: não preciso recorrer a Deuteronômios para endossar o ato. Apelo ao direito à autodefesa. Temos de fazer, nesse caso, como Nasser fez no Egito, em 1966, com Sayyd Qutb, então principal ideólogo da terrorsita Irmandade Muçulmana: forca. Anuar Sadat, lembram-se dele?, resolveu relaxar o cerco à turma. Foi assassinado.

A morte de qualquer homem nos diminui. A de um terrorista nos eleva e consola. E nada nos impede de rezar por sua alma.



Por Reinaldo Azevedo

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