Friday, October 06, 2006

A comparação que importa - Rolf Kuntz

A comparação que importa

Rolf Kuntz, O Estado de S. Paulo (05/10/06)

Talvez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua assustadora simplicidade, acredite mesmo que seu governo fez mais em economia do que o governo anterior. Seus opositores, disse ontem o candidato-presidente, em reunião de campanha no Palácio da Alvorada, não têm argumentos para debater política econômica, política social e desenvolvimento, “porque os estudos comparativos são mortais em relação aos oito anos deles”.O brigadeiro Faria Lima, um dos prefeitos mais empreendedores da história de São Paulo, poderia ter dito algo semelhante sobre seu antecessor, Prestes Maia. Mas não o disse, porque sabia muito bem que não tinha sentido comparar suas obras com as do prefeito anterior. Sabia muito bem, como todo cidadão informado, que só pôde realizar um notável programa de investimentos porque um penoso trabalho de saneamento financeiro havia sido realizado na gestão precedente. A comparação entre os dois governos, portanto, só poderia ser qualitativa. Nesse aspecto o mais justo é dizer que empataram e que Faria Lima foi um sucessor à altura de Prestes Maia.Não se pode fazer a mesma afirmação sobre o atual governo. Para começar, as críticas importantes ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso já foram feitas há muito tempo. Lula e seus companheiros nada acrescentaram de relevante a essas avaliações. O governo FHC falhou em aspectos importantes do planejamento. O apagão foi a conseqüência mais grave dessa falha. Errou também ao manter por tempo excessivo o câmbio administrado. Esse engano gerou a crise de 1999. Também a política fiscal demorou a entrar nos eixos.Tudo isso foi discutido com inteligência por muitos analistas, há anos. A contribuição dos petistas a esse debate foi singularmente inexpressiva, talvez porque eles tenham demorado a perceber os fatos. Também isto não é novidade. Afinal, eles continuavam preocupados, no final dos anos 90, com o calote da dívida pública e insanidades semelhantes. A Carta aos Brasileiros, em 2002, foi o reconhecimento desse erro.Apesar de todas as falhas, o saldo da política econômica nos anos 90 foi extraordinariamente positivo. A primeira grande realização desse período foi o controle de uma inflação que se media em milhares de pontos porcentuais por ano. Os primeiros lances foram dados em 1994 e o resultado se consolidou na gestão seguinte. Não houve mágica. A maior parte dos preços foi desindexada. A abertura econômica permitiu que a competição ajudasse a regular os preços internos. A política monetária foi reconstruída, penosamente, a partir do saneamento dos bancos estaduais e do refinanciamento das dívidas de Estados e municípios. Foi uma tarefa monumental, por sua complexidade política. Nada remotamente semelhante foi realizado na administração petista.Sem a gestão monetária reconstruída peça por peça e ajustada pelo padrão das metas, o governo do presidente Lula não teria conseguido, em 2003, vencer o surto inflacionário do ano anterior. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, poderia confirmar esse dado ao presidente, se ele tivesse curiosidade e honestidade intelectual para perguntar-lhe. Quanto ao surto, foi uma herança maldita, sim, mas da irresponsabilidade dos petistas que haviam apoiado o plebiscito sobre a dívida e defendido políticas desacreditadas.Os instrumentos forjados pelo governo anterior permitiram que os petistas, no poder, superassem as conseqüências dos próprios erros. Esses instrumentos nunca teriam sido forjados, se as políticas defendidas pelos petistas houvessem prevalecido nos anos 90.O governo petista herdou da gestão anterior, além dos instrumentos monetários, leis de Responsabilidade Fiscal que introduziram padrões absolutamente novos - e revolucionários - na gestão financeira do setor público. Nenhuma inovação de alcance comparável - repita-se - foi produzida nos últimos quatro anos. A iniciativa mais audaciosa deste governo, a reforma tributária, murchou e ficou reduzida a meia dúzia de mudanças pouco significativas.A diversificação de mercados, ao contrário do que repete o presidente, não resultou de suas viagens e muito menos de seus vexames internacionais. Já vinha ocorrendo nos anos 90, como demonstram as séries numéricas do comércio internacional. O processo apenas se desenvolveu, graças à iniciativa dos empresários - porque a diplomacia comercial petista só produziu fracassos. É esta a comparação relevante. Quanto à política social, nem os seus principais instrumentos foram criados, de fato, pelo atual governo. Sua grande marca foi aparelhar e lotear a máquina pública.
*Rolf Kuntz é jornalista
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