Thursday, August 07, 2008

ERAM OS ESQUERDISTAS ASTRONAUTAS DO BEM? - Blog do Reinaldo Azevedo - 07/08/08

A má fé, a ignorância, a militância irresponsável e a vigarice intelectual pedem a revisão da Lei da Anistia no pressuposto de que os embates havidos no país a partir de 1961 representavam a luta do Bem contra o Mal, dos democratas contra os ditadores. Mais: combater esta sandice, hoje, seria alinhar-se com os torturadores.
Já fiz e reiterei neste blog — e, muito antes, no Primeira Leitura — um desafio: mandem-me um texto que seja dos grandes teóricos da esquerda em defesa da democracia. No caso das esquerdas pré e pós-golpe, idem. Ninguém manda porque não existe. Torturador? É o último degrau da cadeia da civilização. Lixo humano, junto com os terroristas. Estes, além de tudo, ainda se atrevem a culpar a vítima pelo mal que lhe impõem.
No dia 23 de setembro de 2001, Daniel Aarão Reis concedeu ao jornalista Elio Gaspari a entrevista que segue, publicada na Folha. Leiam. Volto depois:

Daniel Aarão Reis (55 anos, ex-militante do MR-8, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense e autor de "Ditadura Militar, Esquerda e Sociedade")
A partir de 1969, até ser preso, em 1970, o senhor esteve de armas na mão e era chamado de terrorista pela ditadura militar. Depois de banido, continuou militando no MR-8, no Chile, até 1973. Como o senhor está vendo a reação da esquerda brasileira diante da crise aberta pela destruição do World Trade Center?
Boa parte dela está reagindo com um regozijo irracional, saído de um ressentimento primário em relação aos Estados Unidos. Quando você argumenta, mostrando a natureza criminosa do atentado, surgem justificativas sem lógica. As pessoas lembram os ataques americanos ao Iraque e ao Sudão, atribuem o atentado ao desespero dos oprimidos e, em seguida, solidarizam-se com os oprimidos desesperados. Esse tipo de atitude é duplamente primitiva. Coloca todo o povo americano numa só cumbuca, sem entender quão diversa é aquela sociedade. Além disso, leva a esquerda brasileira a se deixar atrair para uma polarização absurda, com o presidente Bush de um lado e Osama bin Laden do outro. Essa polarização é falsa. O mundo e a nossa realidade são muito mais ricos que isso. Aderir a esse dilema significa esquecer a tradição iluminista da esquerda, sobretudo da brasileira.

Iluminismo com terrorismo?
As ações armadas da esquerda brasileira não devem ser mitificadas. Nem para um lado nem para o outro. Eu não compartilho da lenda de que no final dos anos 60 e no início dos 70 nós (inclusive eu) fomos o braço armado de uma resistência democrática. Acho isso um mito surgido durante a campanha da anistia. Ao longo do processo de radicalização iniciado em 1961, o projeto das organizações de esquerda que defendiam a luta armada era revolucionário, ofensivo e ditatorial. Pretendia-se implantar uma ditadura revolucionária. Não existe um só documento dessas organizações em que elas se apresentassem como instrumento da resistência democrática. No reverso da moeda, nenhuma organização defendeu o terror indiscriminado nem praticou ações que, na concepção, tivessem o objetivo de ferir ou matar pessoas que não tinham nada a ver com nada. O terror indiscriminado não faz parte da história da esquerda brasileira. Houve atos violentos, criminosos, como a ordem da direção do Partido Comunista, em 1936, para que se matasse a jovem Elza Fernandes. Supunha-se, erradamente, que ela tivesse colaborado com a polícia. Houve também o assassinato de um marinheiro inglês, em 1973, pelo simples fato de ser marinheiro inglês. Nessa época, matou-se até um militante que desejava apenas sair da organização em que estava. Chamava-se Márcio Leite Toledo. Foram atos praticados por uma militância em processo de degeneração. Ainda que tenham existido organizações na esquerda brasileira defendendo a prática de ações terroristas, não houve uma só que propusesse coisa parecida com o que ocorreu em Nova York e ocorre toda vez que Bin Laden fala em matar todos os americanos, sejam civis ou militares. Eu o ouvi dizendo isso na televisão.
(...)


Íntegra aqui


Volto
Não, Daniel Aarão Reis não é de direita. Só não é burro, oportunista ou mistificador. E observem que ele deixa claro: o processo de radicalização, que acabou levando à luta armada, era um debate ativo no país já em 1961.

Sim, porque a outra falácia muito bem-urdida é aquela que sustenta que, sem espaço para se manifestar, coitadinhos!, os jovens, sufocados, partiram pra luta armada. Mentira! Mentira contra o fatos, mentira contra as evidências, mentira contra a história.

E arremato: eu, de fato, nem queria estar tratando deste assunto. Mas o que fazer se é preciso reagir às manifestações de atraso, de primitivismo, de ignorância?



Por Reinaldo Azevedo

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