Thursday, August 28, 2008

Destruindo oportunidades - Carlos A. Sardemberg - O Estado de São Paulo - 25/08/08

Carlos Alberto Sardenberg, O Estado de S. Paulo (25/08/08)


http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080825/not_imp230230,0.php

Durante mais de dez anos a Petrobrás ficou sentada sobre reservas de silvinita, da qual se extrai o potássio, do qual se produzem fertilizantes para a agricultura. Uma boa questão é saber como e por que a Petrobrás ficou com essa mina, localizada no Amazonas, já que seu negócio é outro. E justamente por estar em outro ramo de atividade, a Petrobrás ficou boa parte desse tempo tentando vender a mina, até que encontrou comprador para 10% das reservas, a empresa canadense Falcon, que é do ramo.

É mais do que razoável supor que essa companhia fosse desembolsar US$ 150 milhões por reservas ainda não medidas, exigindo, pois, investimentos de exploração para extrair o minério. Isso, obviamente, atende ao interesse estratégico do País, pois dá função econômica a reservas deixadas sob a terra. Mas não.

A ministra Dilma Rousseff mandou suspender o negócio. O argumento do governo: o Brasil importa 90% do potássio que consome e é preciso aumentar a produção nacional. Ora, mas o que ia fazer a companhia canadense? Dizem, no governo, que não havia garantia de que a companhia fosse mesmo iniciar a exploração e a produção.

Suponhamos que esses gringos canadenses estivessem mesmo de má-fé, com a intenção de comprar os direitos sobre as reservas para esterilizá-las e obrigar o Brasil a continuar importando. Ainda assim seria um ótimo negócio. Reparem: a Petrobrás estava vendendo direitos sobre apenas 10% da mina de silvinita. Poderia, então, embolsar os US$ 150 milhões e aplicar onde? Elementar, não é mesmo? Na exploração dos outros 90%. A gente estaria usando o dinheiro dos gringos para financiar nossos interesses estratégicos. Ou seja, o argumento do governo Lula não faz o menor sentido.

A razão verdadeira é outra: o fato de a mina ter sido vendida a uma grande multinacional, como indicaram fontes do Planalto citadas na reportagem do Estado de sexta-feira, um furo das repórteres Lu Aiko Otta e Fabíola Salvador. Posteriormente, outras fontes, também do governo, disseram, informalmente, que o problema não estava na multinacional, mas na falta de garantias de que a mina seria explorada. Não cola.

Primeiro, pela lógica: é óbvio que uma companhia do setor tem o interesse de expandir sua produção, especialmente num país que é um grande mercado e, atualmente, grande importador. Não para atender aos interesses estratégicos do Brasil, claro, mas para ganhar dinheiro. Só que, com isso, entregaria o produto de que a agricultura local necessita. E, se estivesse com a má intenção de não produzir, acabaria fazendo burrice ao entregar dinheiro para a Petrobrás dar andamento à exploração da outra parte.

Na verdade, esse episódio é mais um numa seqüência muito coerente: o governo Lula está em plena guinada para a esquerda nacionalista-estatizante. Parte do pressuposto de que tudo o que é estratégico tem de ficar com o governo e suas estatais. Mais ainda, considera que o governo atual é que sabe quais são os interesses estratégicos do Brasil e como atendê-los.

Daí as seguidas manifestações de desconfiança em relação às empresas privadas, em geral, e às estrangeiras, muito em particular.

Exagero nosso? Lembrem-se do discurso do presidente Lula aos estudantes da UNE, dizendo que o petróleo é do povo, não das empresas. Faz, propositadamente, uma confusão danada, pois o petróleo, pela lei, já pertence à União. O que está em discussão é o modo de explorá-lo e quanto o governo vai cobrar por isso.

Mas a confusão ajuda Lula e o governo a levarem o debate à politização: nós, o povo, contra as multinacionais.

Mesmo a Petrobrás é alvo de desconfiança, porque tem acionistas privados e (horror!) muitos deles são estrangeiros, entre os quais (horror dos horrores!) muitos americanos.

Reclama o governo da autonomia, que considera excessiva, da Petrobrás. De fato, houve há algum tempo um esforço para profissionalizar a estatal, o que incluiu maior abertura de capital e colocação de papéis na bolsa de Wall Street e no novo mercado da Bolsa de Valores de São Paulo. Essa posição exige da empresa prestação de contas aos acionistas privados, orçamentos e planos transparentes e fornecimento constante de informações ao mercado.

Isso exige da empresa um comportamento corporativo adequado aos interesses dos acionistas - inclusive do acionista controlador, o governo -, que são dois: maiores lucros por ação e valorização dos papéis.

Estão vendo? - dizem lá no governo. E os interesses estratégicos do País?

Ressalta aí o pensamento de esquerda, pelo qual os interesses das empresas e de seus acionistas são contrários aos interesses do povo, tão bem representado pelo governo Lula.

É falso. Tomem a Petrobrás. Como ela conseguirá bastante dinheiro para os seus acionistas? Produzindo e refinando petróleo. E isso não é do interesse do País?

Assim como seria do interesse do País que a companhia canadense trouxesse capital de fora, dinheiro novo, para iniciar uma produção de potássio que ainda não existe por aqui.

A reação do governo, nesse e em outros casos, foi exatamente igual à dos americanos que se opuseram à compra da Budweiser pela multinacional InBev, belgo-brasileira, dirigida pelos brasileiros do time de Jorge Paulo Lemann. "Salvem a Bud desses gringos", diziam os cartazes e sites na internet. Políticos prometeram fazer de tudo para impedir o negócio e Barack Obama disse que preferia ver a Bud em mãos americanas.

A diferença é que lá, nos EUA, vale mais o interesse dos acionistas. A venda saiu, entrou dinheiro novo na companhia americana, mais negócios, etc.

Já aqui, o pessoal antiempresas está no governo e, sentindo-se mais seguro, avança no nacionalismo estatizante.

Assim o Brasil perde oportunidade justamente neste momento em que tanto precisa de novos investimentos.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Site: www.sardemberg.com.br

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