Sunday, August 31, 2008

Por uma economia livre - Entrevista com James Roberts - Veja - Edição 2076 de 03/09/08

Pesquisador da Heritage Foundation, dos Estados Unidos,
diz que o "capitalismo de comparsas" cresce na América Latina






O economista americano James Roberts, de 58 anos, é coordenador do índice de liberdade econômica da Heritage Foundation, entidade de promoção de políticas liberais com sede em Washington, nos Estados Unidos. A lista elaborada por Roberts compara a facilidade com que cidadãos de diferentes países conseguem começar um negócio, escolher um emprego, tomar dinheiro emprestado ou usar o cartão de crédito. Publicado anualmente desde 1995, o ranking tornou-se um termômetro da saúde e da eficiência das economias nacionais. Antes de assumir essa função, Roberts trabalhou no Departamento de Estado durante 25 anos. Como diplomata, coordenou programas destinados a assessorar a transição para o capitalismo em vários países do Leste Europeu. Roberts concedeu a seguinte entrevista a VEJA.


"Os dois fatores que fizeram o Brasil cair no ranking da liberdade econômica foram a corrupção e a falta de abertura financeira. As leis brasileiras são pouco receptivas aos investimentos estrangeiros"

A liberdade econômica é capaz de diminuir a desigualdade social de um país?
Em primeiro lugar, é preciso definir o que vem a ser igualdade social. Esse conceito pressupõe que todos sejam forçados a viver em casas idênticas, ganhar os mesmos salários, comer as mesmas comidas e acreditar nos mesmos valores? Essa abordagem totalitária já foi tentada na União Soviética e está em pleno vigor em Cuba. Os resultados foram e são desastrosos, para não dizer trágicos. Como os fundadores dos Estados Unidos sabiam muito bem, é impossível para um governo arcar com a missão de assegurar igualdade para todos os cidadãos. As pessoas não nascem iguais. Elas possuem habilidades e talentos próprios. Cada uma deve decidir sozinha o que quer fazer da vida: se prefere trabalhar duro ou levar uma existência mansa e tranqüila. O principal papel de um governo não é ir contra essa realidade e forçar algo que não existe nem existirá. O bom governante é aquele que oferece oportunidades iguais para todos buscarem a própria felicidade. O capitalismo promove níveis desiguais de prosperidade. Como diria o estadista Winston Churchill, isso é muito melhor do que produzir miséria igual para todos, como faz o socialismo.

A pobreza diminui nos países com liberdade econômica?
Ao dar oportunidades para que a população mais pobre prospere, a liberdade econômica é boa para todos. Quando esse conceito é implementado, a elite política fica impossibilitada de usar a máquina estatal para ganhar vantagens econômicas, o que sempre ocorre em prejuízo dos mais fracos. Essa situação terrível é o que chamamos de "capitalismo de comparsas". Nos países onde essa prática é institucionalizada, os governantes e seus amigos sobrecarregam a população com burocracia e pesados impostos com o objetivo de massacrar os empreendedores, que vêem como uma ameaça. Quando, por outro lado, existe liberdade, o poder econômico não está sujeito a forças políticas e sociais. Pequenas e médias companhias privadas, que são a espinha dorsal de uma economia e produzem a maior parcela dos impostos, têm melhores chances de crescer. A liberdade econômica é uma doutrina revolucionária que desafia o status quo e os que querem usar o poder em proveito próprio. No longo prazo, sua aplicação produz mais prosperidade, mais igualdade de renda, mais emprego e reduz os níveis de pobreza.

É possível medir esses benefícios?
Se dividimos os países do mundo em cinco grupos, usando o grau de liberdade econômica como parâmetro, vemos que o grupo de países mais livres tem uma renda per capita cinco vezes maior que a do grupo de nações que consideramos repressoras. O desemprego nos países livres é de 6%, enquanto nos economicamente repressores é de 19%. As nações mais livres também possuem menor inflação, que sabidamente corrói o salário dos mais pobres.

Como está o Brasil no ranking de liberdade econômica?
Em 2003, o primeiro ano do governo do presidente Lula, o país alcançou a sua melhor posição no ranking. Ficou em 58º lugar. No ranking deste ano caiu para a 101ª posição. Hoje o Brasil está ao lado de países como Zâmbia, Argélia, Camboja e Burkina Faso. Com isso, o Brasil mudou de categoria. Saiu do que chamamos de "moderadamente livre" para uma economia "majoritariamente não livre".


"O capitalismo promove níveis desiguais de prosperidade.
Como diria o estadista inglês Winston Churchill, isso é muito melhor do que produzir miséria igual para todos, como faz o socialismo"


O que fez o Brasil cair tanto no ranking?
Os dois fatores que empurram o país para baixo são a corrupção e a falta de liberdade financeira. No último ranking da Transparência Internacional, que mede o grau de corrupção dos países, o Brasil aparece em 72º lugar numa lista de 179 nações. Apesar de o uso da internet nas concorrências públicas estar crescendo no Brasil, o que é positivo, muitas das empresas participantes desses leilões afirmam ter encontrado corrupção em alguma parte do processo. As leis brasileiras são pouco receptivas aos investimentos estrangeiros. O país precisa melhorar as leis de investimento, reduzir as restrições à moeda estrangeira e facilitar a vida dos empresários estrangeiros que queiram operar no país.

O senhor falou em capitalismo de comparsas. Em que países esse fenômeno é mais forte?
Muitos países são vítimas desse mal, embora em diferentes graus. Os Estados Unidos já tiveram, em sua história, políticos corruptos que recebiam favores de empresários. Hoje, os americanos não vivem uma situação em que o capitalismo de comparsas possa ser considerado institucionalizado. Isso acontece mais claramente no México, na Argentina e na Venezuela. A economia mexicana é dominada por grandes empresas estatais e privadas, que exercem monopólios ou duopólios. Entre as estatais estão a Pemex, de petróleo, e a CFE, de eletricidade. O resultado é a falta de competição, que prejudica os consumidores mexicanos. Na Argentina, o governo populista dos Kirchner mostra claro favoritismo a setores dominados por colegas peronistas. Nas áreas em que há amigos, o governo não é tão severo ao exigir que as companhias obedeçam às regras ambientais, por exemplo. Já no regime do venezuelano Hugo Chávez, o capitalismo de comparsas domina inteiramente o país. A tal ponto de alguns economistas preferirem não chamar o sistema venezuelano de capitalismo. O governo Chávez é mais parecido com o fascismo ou com a ditadura da KGB, sob o comando de Vladimir Putin, na Rússia. Lá, ter sido um espião é essencial para se tornar um empresário de sucesso.

Quais são as nações que mais melhoraram em termos de liberdade econômica nos últimos anos? Qual foi o impacto disso?
Eu destacaria Botsuana, Estônia, Irlanda e Mongólia. O padrão de vida nesses países melhorou muito na última década. Desde 1995, todos tiveram um aumento médio anual do PIB superior a 5%. Ao reforçar o estado de direito e a transparência no governo, todos ganharam estabilidade política e econômica. A Irlanda hoje é um grande exportador de software da União Européia. A Estônia tem seguido o mesmo caminho e investe bastante em tecnologia e informática.

Por que as antigas colônias inglesas da Ásia estão entre os países com maior liberdade econômica?
Parte da resposta está na cultura anglo-saxã. Dos dez países no topo do ranking, sete foram colônias inglesas. A Inglaterra é o décimo na lista. É uma tradição inglesa e do norte da Europa ter governos limpos, transparentes e responsáveis. Servidores públicos não tentam roubar, os tribunais de Justiça procuram ser honestos e não aceitam suborno. Outro fator é a relevância dada aos direitos de propriedade em países com influência anglo-saxã, como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Botsuana e Irlanda. Outros países protestantes dividem o mesmo legado. Em 1215, a Constituição inglesa já criava um sistema de pesos e contrapesos para o poder governamental, que evoluiu bastante desde então. Graças a isso, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não interferem uns nos outros e formam um sistema transparente, que previne abusos do poder. Uma das bandeiras da reforma protestante no século XVI foi a rejeição total da corrupção que permeava a Igreja Católica na época.

Como está a América Latina no ranking?
Quando analisamos o continente americano como um todo, percebemos que a liberdade econômica está diminuindo. A culpa é claramente da América Latina. A região está dividida. De um lado estão governos baseados em uma democracia mais profunda, que estimula o livre mercado e traz prosperidade para a população. É o caso do Chile, que aparece em oitavo lugar no ranking mundial, à frente da Suíça e da Inglaterra. De outro estão governos populistas que vendem fórmulas desgastadas do passado. A Venezuela está entre os dez países mais repressivos, à frente apenas de notáveis ditaduras como a de Robert Mugabe, no Zimbábue, ou a de Kim Jong Il, na Coréia do Norte. Desde que ganhou as eleições, Chávez promove um intenso ataque ao sistema privado. Muitos empresários pararam a produção porque não conseguem mais obter lucros. Na Argentina, a falta de liberdade econômica tem sido uma tragédia. O país, que em 1933 tinha um PIB equivalente à soma dos de Brasil e México e era uma das dez maiores economias do mundo, tornou-se periférico. Nos últimos 75 anos, seus governantes fizeram com que o país caminhasse para trás, apesar de ser muito rico em recursos naturais. Na Nicarágua, Daniel Ortega ressuscitou seu discurso antiamericano e sua política desestabilizadora, aproximando-se perigosamente de Hugo Chávez e do iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

Qual dos dois grupos de países está mais forte na região?
Muitos países estão caminhando em direção a modelos falidos do passado. No nosso ranking, isso se refletiu no desempenho dos países. Dezessete caíram de posição, enquanto doze tiveram melhora.

Que país poderia servir de modelo para a América Latina?
O Brasil pode ser citado como exemplo no que diz respeito à manutenção de sua política antiinflacionária. Exceto pelo Chile, os demais países da região não mostram a mesma disciplina. A maioria dos governos prefere comprar vantagens políticas no curto prazo, mesmo sabendo que isso está sendo feito à custa do crescimento e da saúde econômica a longo prazo.

As mudanças que Raúl Castro está promovendo em Cuba vão ampliar a liberdade econômica na ilha?
Não há nenhuma informação que me leve a concluir que Cuba esteja dando passos verdadeiros em direção à liberdade econômica. Não haverá democracia baseada em livre mercado até que o regime de Fidel Castro se vá definitivamente. A transição representada por Raúl não é para valer. Ele só está tentando fazer parecer que há uma mudança, quando não há nenhuma. Os camaradas do partido dizem que as pessoas agora podem comprar celulares, mas só os que ganham pesos conversíveis podem se conceder esse luxo. Isso exclui grande parcela da população de Cuba. O governo é quem decide quem pode ou não comprar computadores e aparelhos de DVD. Ninguém tem vontade de trabalhar na ilha, porque sabe que isso não compensa. O Exército controla 60% da economia e Raúl está no comando dos militares. Certamente não tomará nenhum passo em direção a uma liberdade econômica verdadeira, porque isso ameaçaria seu próprio poder. Tudo não passa de um grande teatro.

De maneira geral, a liberdade econômica tem diminuído ou aumentado no mundo? Quando se somam todos os países, é possível ver que a liberdade econômica tem aumentado, embora muito lentamente. Quem mais puxa a curva para cima são os países europeus. Dos vinte países mais livres, metade está na Europa. Outro destaque são as antigas colônias inglesas. Hong Kong é o campeão, seguido de Cingapura.

É PRECISO QUE EMPRESAS E PESSOAS ENRIQUEÇAM - O Globo 07/08/08 - Carlos Alberto Sardemberg

-- Fiquem Ricos!

Rosa: “Eu quero viajar mais, eu quero passar um tempo fora estudando. Dá pra chegar no fim do mês com o orçamento tranqüilo, mas a gente sempre quer alguma coisa melhor”.
A frase, de uma moça, promotora de eventos, encerrou reportagem do Jornal da Globo, edição de terça-feira, sobre a emergência da classe média, apontada em pesquisa da FGV.
A escolha da personagem, um achado, levanta as questões corretas. Quem é Rosa? Uma pessoa egoísta, preocupada apenas com sua situação individual? Ou um agente de transformações sociais e econômicas para o país?
Não há exclusão. Rosa desempenha os dois papéis. Na verdade, quanto mais conseguir melhorar a sua vida, maior impacto positivo ela levará para a sociedade.
É possível medir o dinamismo de um país – e talvez seja mesmo a melhor medida – avaliando quanto as pessoas conseguem evoluir ao longo de sua vida. Se uma pessoa começa sua atividade profissional vendendo salgadinhos de porta em porta e termina dona de uma rede de restaurantes, isso representa um êxito individual, é óbvio, mas também mostra que o país abriu a oportunidade para essa criação de valor – para ela e para a sociedade.
Do mesmo, modo se a pessoa se torna um profissional competente, produtivo, ganhou ela, ganhou a companhia onde trabalha, ganhou a sociedade.
Dito assim, parece simples. Mas quando se observa o cenário nacional, parece que muita gente pensa exatamente o contrário, que o governo é o principal agente do desenvolvimento.
Eis dois exemplos, dois temas em discussão dentro e fora do governo, que tratam de coisas muito diferentes, mas que resultam da mesma concepção ideológica: 1) a proposta de aumento do imposto de renda da pessoa física e 2) a proposta de criação de uma estatal “pura” para explorar o petróleo da camada do pré-sal.
Nos dois casos, está entendido que o país melhora quando se coloca mais dinheiro nas mãos do governo. Mas se fosse assim, o Brasil deveria ser o melhor entre os emergentes, pois é aqui que está a maior carga tributária nesse grupo de nações.
Também se fosse assim, os setores estatizados na economia brasileira deveriam ir melhor que os privados.
É não é assim. Na verdade, a ascensão da classe média e seu modo de vida provam o contrário, que o Estado fracassa até naquelas que deveriam ser suas funções essenciais.
A classe média, assim que pode, paga planos de saúde privados, coloca seus filhos em escolas particulares e compra um fundo de pensão pessoal. Por que faz isso, mesmo sabendo que, querendo ou não, paga os impostos que financiam aqueles mesmos serviços prestados pelo Estado? Porque é elitista ou porque se julga melhor atendida no privado?
Olhando pelo outro lado: as empresas privadas de saúde, que hoje atendem mais de 45 milhões de pessoas, as escolas e as universidades particulares, que atendem mais alunos que as pEublicas, e as instituições financeiras privadas são parasitas ou companhias que geram serviço, valor e empregos?
Sendo as respostas óbvias, pelo simples bom senso, deveria resultar daí uma política de redução de impostos para a classe média e, ao mesmo tempo, de melhora no ambiente de negócios para que pudessem prosperar as famílias e as empresas.
No caso do petróleo do pré-sal, argumenta-se que será necessária uma estatal “pura” para que essa riqueza toda pertença ao povo brasileiro. Mas quem disse que pertencendo ao governo e sendo administrada pelo governo, essa coisa sempre pertence ao povo? O que o povo ganha quando o governo ocupa as estatais com seus correligionários e coloca obras em estados e cidades administrados pelos aliados políticos?
Por outro lado, quem disse que as companhias privadas geram riqueza apenas para seus acionistas? Exatamente como acontece com as pessoas quando melhoram de vida, quando as empresas crescem, produzem mais, geram mais valor e empregos, é a economia local que se torna mais rica. Resumindo, um país é tão rico quanto seus cidadãos e suas empresas.
Mais ainda, o que gera crescimento é o investimento e a criação de valor pelas pesssoas e empresas privadas. O governo, quando transfere renda, não cria nada, apenas tira de uns e entrega a outros. O governo ajuda a criar valor quando, por exemplo, oferece boas escolas e segurança para que as pessoas vivam, trabalhem e se apropriem do fruto de seu desempenho. E quando oferece segurança jurídica e bom ambiente de negócios para as empresas, o que não faz corretamente.
Como diria Deng Xio Ping, é preciso que todos melhorem de vida e que muitos enriqueçam.

Publicado em O Globo, 07 de agosto de 2008

"É a microeconomia, idiota" - Site www.e-agora.org.br

Luiz Carlos Mendonça de Barros, Folha de S. Paulo (29/08/08)


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2908200806.htm

A recessão americana, cantada em verso e prosa, poderá não ocorrer por causa da microeconomia

TOMO MAIS uma vez emprestada a frase que ficou famosa na campanha eleitoral de 1992 nos Estados Unidos. O motivo da sua volta a este espaço é a divulgação dos números do PIB (Produto Interno Bruto) americano no segundo trimestre do ano. Mais uma vez, o crescimento da maior economia do mundo surpreende e empurra, para os últimos três meses do ano, a cantada em verso e prosa recessão.

Os Estados Unidos cresceram 3,3% ao ano no período, e o próximo trimestre deve trazer um PIB cerca de 2% maior do que este. Com isso, nos primeiros nove meses do ano o crescimento deve permanecer perto de 2% em relação ao mesmo período de 2007.

Nada mau para quem passa por uma crise profunda em parte importante da economia -o setor de construção civil residencial- e vive uma crise bancária sem precedentes nos últimos 50 anos. Os comentários dos principais economistas de Wall Street sobre os dados divulgados ontem seguem o padrão dos últimos trimestres: "Os números são surpreendentes, mas, nos próximos trimestres, o crescimento será negativo e a economia vai entrar em recessão". O leitor deve indagar-se, a esta altura, qual a causa de tantos erros cometidos por gente preparada e inteligente.

A composição do PIB de uma economia de mercado como a americana segue um padrão histórico que é a base da construção dos modelos de previsão dos economistas. No caso americano, o consumo das famílias representa mais de 70% desse indicador, com o investimento privado representando outros 15%. Um terceiro componente do PIB é o gasto público, que representa 17,5% da geração de renda na economia.

Finalmente, temos o patinho feio representado pela contribuição do comércio exterior. No padrão americano, esse componente normalmente é negativo, isto é, ele reduz o crescimento econômico.

E aqui está o centro dos erros sistemáticos dos economistas neste complexo ano de 2008. Com a desvalorização do dólar e o crescimento sustentado do consumo nas maiores economias emergentes -o Brasil é um exemplo marcante disso-, parte relevante das empresas americanas passou a direcionar seus investimentos e suas vendas para o exterior. Com isso, o comércio internacional americano mudou de sinal e passou a representar a parte mais importante do crescimento. No segundo trimestre, ele foi responsável pelo aumento do PIB da ordem de 3%, enquanto o crescimento por conta de fatores internos foi de apenas 1,5%, com o consumo impulsionado por um corte de impostos da ordem de 1% do PIB. Influenciadas pelo pessimismo em relação ao futuro, as empresas americanas usaram parcela de seus estoques para atender a demanda, subtraindo mais de 1% do crescimento do PIB.

A contribuição da demanda externa ao crescimento americano tem quase a mesma dimensão da que ocorre no Brasil, só que com o sinal trocado. Esse novo padrão do PIB dos Estados Unidos vem ocorrendo desde o ano passado. É evidente que a desaceleração do mundo emergente, que já está em curso, vai diminuir a intensidade dessa contribuição, principalmente ao longo de 2009. Mas quando isso acontecer, a crise do mercado imobiliário deverá estar menor -no segundo trimestre de 2008 ela retirou novamente quase 1% do crescimento americano-, e a importância das exportações terá diminuído. E a tal da recessão pode não ocorrer. Tudo por causa da microeconomia...

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
E-mail: lcmb2@terra.com.br

QUEM SABE VÊ A HORA - Blog do Reinaldo Azevedo - 31/08/08

O meu incômodo com a desordem nos órgãos de segurança do estado não vem de agora. Vem, como já disse e está escrito, de 2004. Polícia e órgão de inteligência não têm de se misturar com política. Sempre que isso acontece, em vez de a polícia tornar mais rigorosa a política, é a política que corrompe a polícia. No dia 23 de maio de 2007, escrevi o texto abaixo (em azul, com destaques em vermelho). Tocar no assunto parecia maluquice.

Um dos problemas do país é a demora pra reagir. Aqueles que hoje ocupam funções institucionais são lentos. Os líderes da oposição são omissos. As entidades ligadas à defesa dos direitos individuais se arrastam em retórica pastosa. Mesmo a imprensa, como regra, encantou-se com o pega-pra-capar.

Peço que leiam ou releiam o texto abaixo. Acho que já estava tudo ali. Boa parte do que se vai escrever amanhã está escrito desde 23 de maio de 2007. Bola de Cristal? Não! Peguei a Constituição e as leis e perguntei: “Isso que está em curso é compatível com elas?” E não era. Se não era, tinha de ser denunciado. Como tem de ser denunciado o que não é.
*
Espalhafato e estado de direito. Ou polícia como política
Às vezes, em benefício da verdade, é preciso escrever textos um tanto incômodos. E escreverei um assim. Antes, peço que leiam trecho de reportam que está na Folha desta quarta:

Documento assinado por 12 advogados criminalistas entregue ao ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), manifesta preocupação com "a forma açodada e descriteriosa com que o Judiciário tem deferido medidas de força" nas recentes operações realizadas pela Polícia Federal e com as dificuldades criadas para o exercício da defesa."Estamos preocupados com a ruptura da legalidade", diz Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, autor da idéia de reunir os advogados com Barros Monteiro na semana passada.

Estão previstos encontros semelhantes com a presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie, com o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e com o ministro da Justiça, Tarso Genro."Ultrapassar os limites da legalidade é tão grave para a cidadania quanto a impunidade", diz o documento. Os advogados sustentam que o direito garantido ao preso de saber os motivos de sua prisão "está sendo reiteradamente descumprido" em todas as operações da PF autorizadas por juízes federais.Também assinam o documento os advogados Aloísio Lacerda Medeiros, Adriano Salles Vanni, Celso Sanchez Vilardi, Arnaldo Malheiros Filho, Eduardo Pizarro Carnelós, Dora Cavalcante Cordani, José Luís de Oliveira Lima, Theodomiro Dias Neto, Roberto Podval e Alberto Zacharias Toron.

"Todas essas diligências são baseadas exclusivamente em escuta telefônica, em interpretações subjetivas", diz Mariz. Para ele, "o combate à corrupção é necessário, mas há a instrumentalização do governo e da mídia". Ele diz que, "com o mensalão, o governo passou a aproveitar-se da situação policialesca como tentativa de encobrir os suspeitos próximos".Alberto Zacharias Toron, diretor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, diz que "é inaceitável que, em pleno período democrático, se utilizem práticas que lembram o período da ditadura militar: a invasão de escritórios de advocacia, não porque haja cocaína nesses locais, mas para facilitar a obtenção de provas".Toron condena "a decretação de prisões temporárias a granel, sem qualquer parcimônia". "Decreta-se a prisão temporária, a Polícia Federal exibe o preso como um troféu, algema-o desnecessariamente e o exibe em horário nacional. É um "escracho". O que se fazia, antes, contra preto, pobre e puta é feito com outros presos. E há quem aplauda", diz: "Pior é ver a polícia dar informações à imprensa, que as divulga em horário nobre, e os advogados não têm acesso aos autos".
Assinante lê mais aqui

Voltei
Sabem o que é pior? O pior é que os criminalistas estão certos de reclamar e que, em muitos aspectos, o trâmite legal está mesmo indo para o brejo.
Não caiamos na cilada de achar que isso é bom para a democracia. Porque não é. Alguns que foram presos aí têm mais uma folha corrida do que uma biografia? Ah, não tenham a menor dúvida. Mas me respondam aqui um coisa: há mais de quatro anos, a Polícia Federal está dedicada às suas operações espetaculosas. A impunidade no país diminuiu por causa disso? Ousaria dizer que ela aumentou. Por duas vezes, essa mesma e eficiente PF teve a chance de chegar ao núcleo da questão — no mensalão e no dossiê fajuto. Meteu algema em quantos braços?
Tratei aqui há dias da politização e do que chamei balcanização da PF. Há, sim, um monte de gente presa. Mas eu lhes pergunto: a quem interessa o vazamento da informação de que há uma lista com 100 políticos suspeitos? Interessa ao país? Interessa ao Congresso? Ou interessa a quem parece disposto a criar dificuldades para vender facilidades? Ainda que houvesse a disposição de se instalar uma CPI, será que, dado o clima, há alguma chance de que isso aconteça? Vai-se pedir a um deputado que assine um requerimento sem que se saiba se ela está ou não da lista perigosa? E não adianta afirmar que, se ele nada fez, nada deve temer. Inocentes já pagaram muito caro antes. Esse tipo de terrorismo não ajuda em nada.

"É inaceitável que, em pleno período democrático, se utilizem práticas que lembram o período da ditadura militar: a invasão de escritórios de advocacia, não porque haja cocaína nesses locais, mas para facilitar a obtenção de provas", afirma o advogado Alberto Zacharias Toron. E é mesmo. E emenda: “É um escracho. O que se fazia, antes, contra preto, pobre e puta é feito com outros presos. E há quem aplauda". Suponho, embora não esteja explícito que Toron seja contrário a que se faça isso com qualquer um, incluindo os seus três “pês”. E bom que ele deixe claro, ou aparecerá alguém para dizer que ele só se revoltou agora.

Estado de direito
Vivemos dias em que o estado de direito está valendo muito pouco. Como sabemos que há mesmo muitos safados nessa lambança, esses espetáculos podem parecer uma punição justa. Infelizmente, não vejo nisso tudo — refiro-me ao espalhafato — senão a farsa de que “agora, pegamos também os ricos”.
A questão não está em saber se essas pessoas merecem ou não ser enxovalhadas. A questão é saber se elas estão sendo submetidas ao tratamento legal. Porque é bom que se saiba: se não estiverem, isso significa que você também está correndo risco. Quanto o estado de direito não vale para bandido, o cidadão comum também está ameaçado. Porque significa que se transgrediu um umbral a partir do qual tudo vale. E nada disso se confunde com impunidade.

Ao contrário. Com mais ciência e menos barulho, talvez seja possível pôr mais bandidos na cadeia — para que fiquem lá. Da forma como as coisas estão sendo feitas, alguns vagabundos acabarão se beneficiando dos vícios da operação. Do conjunto, a questão mais séria é a facilidade e quase banalidade com que o Judiciário está autorizando prisões temporárias. Mas vá lá. Por temporária, “para investigação”, seria preciso garantir um mínimo de privacidade ao detido. E se a investigação concluir que não há nada? Como acontece com “eles” em razão de uma interpretação um tanto lábil da lei, é preciso considerar: pode acontecer com qualquer um de nós.

Considerem que os métodos do Executivo para fazer política no Congresso são os mesmos, que a maneira de se formar a maioria é a mesma, que o ambiente da cooptação é o mesmo. E, no entanto, a Polícia Federal se tornou onipresente.
Em vez de melhorar a política com uma moral mais refinada, o que se faz é usar a polícia para selecionar culpados. A política terminou mesmo como caso de polícia.

E, como de hábito, parece que tudo acontece muito longe de Lula. Mesmo quando um ministro seu cai no rastro da crise. Em suma: o processo político se enfraquece, e ele se fortalece.
Reitero: punição a quem for culpado. E é chegada a hora de saber que destino tiveram as centenas de pessoas presas, sob os holofotes, nas dezenas de operação da PF.

Por Reinaldo Azevedo

Thursday, August 28, 2008

Destruindo oportunidades - Carlos A. Sardemberg - O Estado de São Paulo - 25/08/08

Carlos Alberto Sardenberg, O Estado de S. Paulo (25/08/08)


http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080825/not_imp230230,0.php

Durante mais de dez anos a Petrobrás ficou sentada sobre reservas de silvinita, da qual se extrai o potássio, do qual se produzem fertilizantes para a agricultura. Uma boa questão é saber como e por que a Petrobrás ficou com essa mina, localizada no Amazonas, já que seu negócio é outro. E justamente por estar em outro ramo de atividade, a Petrobrás ficou boa parte desse tempo tentando vender a mina, até que encontrou comprador para 10% das reservas, a empresa canadense Falcon, que é do ramo.

É mais do que razoável supor que essa companhia fosse desembolsar US$ 150 milhões por reservas ainda não medidas, exigindo, pois, investimentos de exploração para extrair o minério. Isso, obviamente, atende ao interesse estratégico do País, pois dá função econômica a reservas deixadas sob a terra. Mas não.

A ministra Dilma Rousseff mandou suspender o negócio. O argumento do governo: o Brasil importa 90% do potássio que consome e é preciso aumentar a produção nacional. Ora, mas o que ia fazer a companhia canadense? Dizem, no governo, que não havia garantia de que a companhia fosse mesmo iniciar a exploração e a produção.

Suponhamos que esses gringos canadenses estivessem mesmo de má-fé, com a intenção de comprar os direitos sobre as reservas para esterilizá-las e obrigar o Brasil a continuar importando. Ainda assim seria um ótimo negócio. Reparem: a Petrobrás estava vendendo direitos sobre apenas 10% da mina de silvinita. Poderia, então, embolsar os US$ 150 milhões e aplicar onde? Elementar, não é mesmo? Na exploração dos outros 90%. A gente estaria usando o dinheiro dos gringos para financiar nossos interesses estratégicos. Ou seja, o argumento do governo Lula não faz o menor sentido.

A razão verdadeira é outra: o fato de a mina ter sido vendida a uma grande multinacional, como indicaram fontes do Planalto citadas na reportagem do Estado de sexta-feira, um furo das repórteres Lu Aiko Otta e Fabíola Salvador. Posteriormente, outras fontes, também do governo, disseram, informalmente, que o problema não estava na multinacional, mas na falta de garantias de que a mina seria explorada. Não cola.

Primeiro, pela lógica: é óbvio que uma companhia do setor tem o interesse de expandir sua produção, especialmente num país que é um grande mercado e, atualmente, grande importador. Não para atender aos interesses estratégicos do Brasil, claro, mas para ganhar dinheiro. Só que, com isso, entregaria o produto de que a agricultura local necessita. E, se estivesse com a má intenção de não produzir, acabaria fazendo burrice ao entregar dinheiro para a Petrobrás dar andamento à exploração da outra parte.

Na verdade, esse episódio é mais um numa seqüência muito coerente: o governo Lula está em plena guinada para a esquerda nacionalista-estatizante. Parte do pressuposto de que tudo o que é estratégico tem de ficar com o governo e suas estatais. Mais ainda, considera que o governo atual é que sabe quais são os interesses estratégicos do Brasil e como atendê-los.

Daí as seguidas manifestações de desconfiança em relação às empresas privadas, em geral, e às estrangeiras, muito em particular.

Exagero nosso? Lembrem-se do discurso do presidente Lula aos estudantes da UNE, dizendo que o petróleo é do povo, não das empresas. Faz, propositadamente, uma confusão danada, pois o petróleo, pela lei, já pertence à União. O que está em discussão é o modo de explorá-lo e quanto o governo vai cobrar por isso.

Mas a confusão ajuda Lula e o governo a levarem o debate à politização: nós, o povo, contra as multinacionais.

Mesmo a Petrobrás é alvo de desconfiança, porque tem acionistas privados e (horror!) muitos deles são estrangeiros, entre os quais (horror dos horrores!) muitos americanos.

Reclama o governo da autonomia, que considera excessiva, da Petrobrás. De fato, houve há algum tempo um esforço para profissionalizar a estatal, o que incluiu maior abertura de capital e colocação de papéis na bolsa de Wall Street e no novo mercado da Bolsa de Valores de São Paulo. Essa posição exige da empresa prestação de contas aos acionistas privados, orçamentos e planos transparentes e fornecimento constante de informações ao mercado.

Isso exige da empresa um comportamento corporativo adequado aos interesses dos acionistas - inclusive do acionista controlador, o governo -, que são dois: maiores lucros por ação e valorização dos papéis.

Estão vendo? - dizem lá no governo. E os interesses estratégicos do País?

Ressalta aí o pensamento de esquerda, pelo qual os interesses das empresas e de seus acionistas são contrários aos interesses do povo, tão bem representado pelo governo Lula.

É falso. Tomem a Petrobrás. Como ela conseguirá bastante dinheiro para os seus acionistas? Produzindo e refinando petróleo. E isso não é do interesse do País?

Assim como seria do interesse do País que a companhia canadense trouxesse capital de fora, dinheiro novo, para iniciar uma produção de potássio que ainda não existe por aqui.

A reação do governo, nesse e em outros casos, foi exatamente igual à dos americanos que se opuseram à compra da Budweiser pela multinacional InBev, belgo-brasileira, dirigida pelos brasileiros do time de Jorge Paulo Lemann. "Salvem a Bud desses gringos", diziam os cartazes e sites na internet. Políticos prometeram fazer de tudo para impedir o negócio e Barack Obama disse que preferia ver a Bud em mãos americanas.

A diferença é que lá, nos EUA, vale mais o interesse dos acionistas. A venda saiu, entrou dinheiro novo na companhia americana, mais negócios, etc.

Já aqui, o pessoal antiempresas está no governo e, sentindo-se mais seguro, avança no nacionalismo estatizante.

Assim o Brasil perde oportunidade justamente neste momento em que tanto precisa de novos investimentos.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Site: www.sardemberg.com.br

Wednesday, August 20, 2008

Desafios do Pré-Sal - Site www.e-agora.org.br - 20/08/08

Ilan Goldfajn, O Globo (19/08/08)


Está sobrando espírito de cigarra e faltando de formiga no atual debate sobre as novas descobertas de petróleo na costa brasileira. A bonança futura já foi repartida e gasta diversas vezes no imaginário coletivo. Até uma nova estatal está sendo aventada, para supostamente abocanhar uma parcela maior do lucro. Mas, ao contrário de um "bilhete premiado", que pode ser retirado na esquina, essa nova riqueza terá que ser explorada a mais de 7 quilômetros abaixo do nível do mar, sob uma camada espessa de sal, a um custo considerável, que vai requerer montantes de investimentos "nunca antes" imaginados. O Brasil está preparado para isso?

Há uma incerteza considerável sobre o tamanho do investimento necessário para explorar as novas descobertas. Em parte, a incerteza advém da dúvida quanto ao tamanho total das reservas existentes em Tupi, Júpiter e Pão de Açúcar (os novos campos do chamado Pré-Sal). Mas é certo afirmar que quanto maior é o otimismo sobre as reservas totais de petróleo encontradas, maior tende a ser o custo total da operação e o desafio de obter o investimento necessário. Uma estimativa disponível é a do departamento de pesquisa do banco suíço UBS na sua publicação "Global Equity Research, Q-series: Global Oil Services", de 08/05/2008, baseada em análise de especialistas da indústria. O UBS estima que o custo de exploração das novas descobertas no Brasil será em torno de 600 bilhões de dólares, ou 38% do PIB, para produzir 50 bilhões de barris (boe). É muito investimento extra, para muito petróleo. Mesmo que o tamanho total das reservas seja bem menor que o previsto acima e que uma parte razoável do custo possa ser financiada com a própria venda do petróleo que for sendo extraído, está claro que haverá uma considerável necessidade de investimento no futuro próximo.

O desafio para a economia brasileira é resumido nas seguintes perguntas: de onde virão os recursos necessários para esse investimento significativo? Há espaço no Orçamento do governo e da Petrobras para tal? O atual estado da economia brasileira (gargalos, juros em alta para conter inflação) permite um salto deste tamanho na demanda por recursos (mão-de-obra qualificada, equipamentos etc.)? Qual é o marco regulatório que permite atrair os investimentos privados necessários para essa importante tarefa?

O governo central hoje investe apenas em torno de 0,5-1% do PIB, devido ao crescimento dos gastos correntes nos últimos anos. Com uma dívida pública ainda em torno de 40% do PIB e a conseqüente necessidade de gerar um superávit fiscal, é difícil imaginar espaço considerável para novos investimentos no orçamento público.

A Petrobras projetava investir 65 bilhões de dólares (4% do PIB) entre 2008-2012. Agora, deve elevar os planos de investimento. Mas, dadas as magnitudes envolvidas, não parece que a Petrobras conseguirá sozinha contemplar todo o investimento necessário para a exploração do Pré-Sal. A Petrobras tem também limitações dadas pelo tamanho da dívida pública e a conseqüente meta de superávit primário (há uma flexibilidade de 0,5% do PIB para investimentos da Petrobras). A conclusão é que a exploração do Pré-Sal vai precisar de consideráveis investimentos privados.

Mesmo com os investimentos privados, a economia brasileira pode deparar-se com restrições macroeconômicas de curto prazo. Um abrupto aumento da demanda por recursos escassos, como equipamentos e mão-de-obra, pode pressionar ainda mais a já aquecida economia brasileira e elevar a inflação.

Em suma, não há dúvida que a descoberta de novas reservas foi uma boa notícia para o Brasil. Mas isso não garante o sucesso do país. Há inúmeros exemplos de países abundantes em recursos naturais, com crescimento limitado e padrão de vida baixo. O atual debate tem que ir além da discussão atual sobre como dividir e gastar os ganhos futuros. É importante garantir que haja hoje incentivo e espaço para novos investimentos privados no setor, e que estes sejam feitos num ritmo adequado que mantenha o equilíbrio macroeconômico.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC-Rio. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br

Tuesday, August 19, 2008

Seu Garzón, o senhor é um fanfarrão! - Blog do Reinaldo Azevedo - 19/08/08

Recebi hoje algumas dezenas de comentários, no tom que vocês podem imaginar, “esfregando na minha cara”, como disse um dos mais exaltados, as palavras do juiz espanhol Baltazar Garzón, que defende, na pratica, a revisão da Lei de Anistia brasileira. Segundo o valente, os homens são cidadãos do mundo, e o estado espanhol tem o direito de decretar a prisão de qualquer torturador, em qualquer parte do planeta! Ele está no Brasil a convite do ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, um notório revanchista.

Parece tão justo o que ele diz, não? Há tantos trouxas que caem na sua conversa... Com que desassombro este iluminista espanhol vem jogar luzes no país da bugrada, não é mesmo? Quem converteu Garzón em autoridade mundial, em frente avançada do Tribunal Penal Internacional? Procurei saber se o homem já havia decretado a prisão do assassino e torturador Fidel Castro. Não. Não decretou, não.

Fiz a conta dos mortos das ditaduras por cem mil habitantes. Fidel castro é 435,86 vezes mais assassino do que os generais brasileiros, que encheram de metáforas humanistas a conta bancária de Chico Buarque. E atenção: o número é esse caso se considerem apenas as 17 mil assassinadas em terra firme. Outras 78 mil morreram tentando fugir do vagabundo. Contadas as 95 mil vítimas fatais do Coma Andante, ele matou 730,76 pessoas por cem mil habitantes. A ditadura brasileira se contentou com 0,3 por cem mil, o que significa que Fidel matou 2.436 vezes mais do que os generais brasileiros. Não! Eu não ignoro nem faço pouco das vítimas. Repudio ditaduras. Frei Betto e Vannuchi é que rezam para Fidel sobre cadáveres. Niemeyer é que ergue edifícios de empulhação ideológica sobre os corpos. Chico Buarque é que verte o seu lirismo em meio aos mortos.

Mas isso seria ficar fazendo conta sobre cadáveres. Não é uma coisa muito saudável. O que me interessa são os processos políticos, que resultam em pacificação. Como foi que a Espanha saiu de uma ditadura fascistóide e aderiu à democracia? Com revanche? Mandando os partidários ou herdeiros do franquismo para o banco dos réus? Quando Franco morreu, Garzón tinha 20 anos. Ele é da geração que se beneficiou com a transição pacífica.

Voltemos ao exemplo quase vivo: Fidel Castro. Mais dia, menos dia, a ditadura na ilha acaba. E qual é o melhor caminho para lhe pôr termo? Metendo em cana os que serviram aos porões do regime? Será essa a escolha? Garzón, por acaso, decretou a prisão de todos os agentes dos estados socialistas que torturaram e mataram no Leste Europeu e na União Soviética? Ora, meu senhor, deixe de conversa mole! Permita que os países sigam a trilha que foi tão útil à Espanha.

E notem: quando evoco esses exemplos, não estou tentando distribuir culpas para igualar responsabilidades, de um lado e de outro, à direita ou à esquerda. Estou afirmando que os países fazem escolhas e constroem realidades políticas que lhes permitem avançar — ou retroceder.

Garzón não tem autoridade funcional, história ou moral para nos dar lições. As duas primeiras, não as terá nunca. A moral, ele pode tentar: decrete a prisão de todos os facínoras do planeta — e sugiro que, espalhafatoso como é, comece pelas ditaduras islâmicas. Assim que o primeiro xeique árabe meter o pé em seu país para ver como andam os investimentos, Garzón aparece lá com o seu crachá de, como é mesmo?, “policial planetário”, em defesa dos “cidadãos do mundo”. Ou o cosmopolitismo humanista não assiste aqueles que vivem nas masmorras de Alá?

Já é quase um clichê, mas não resisto: “Seu Garzón, o senhor é um fanfarrão!"
PS: Aceito, claro, que alguém explore falhas na minha argumentação desde que:
- o autor me prove que a Espanha puniu os torturadores do franquismo;
- o autor prove que Garzón decretou a prisão de ditadores de esquerda;
- o autor prove que Garzón decretou a prisão dos ditadores islâmicos.


Por Reinaldo Azevedo

TARADOS PELA CENSURA. OU: MAIS UM CRIME DA “IGUALDADE” - Blog do Reinaldo Azevedo - 19/08/08

Durante um tempo, tocou nas rádios uma música-galhofa cujo refrão era assim: “Nóis é jeca, mais nóis é jóia”. Pois é... Um leitor que me detesta escreveu pra cá me esculhambando: “Você não tem humor”. Talvez. Então saio da piada e vou para a coisa séria: “Nóis é jeca e não é jóia”. Só jeca! Bocó mesmo!

Participei ontem, como sabem, de uma seminário da revista Info, da Editora Abril. Entre outros assuntos, acabou aparecendo o tema da liberdade da imprensa e de expressão, censura etc. Não me lembro direito, mas é possível que eu mesmo tenha dado um jeito de tocar no assunto De fato, a liberdade de expressão é a questão fundadora da comunicação. Todo o resto está pelo menos um degrau abaixo. O horário eleitoral gratuito, uma das expressões da política cartorial e burocrática do Brasil, começa hoje. "Daniela, Brasileira Insone" — eu gosto muito dessa identificação —, leitora diária e querida do blog, manda-me o seguinte comentário (em azul):

Reinaldo,
Eu não queria te incomodar antes que 7 dias tivessem transcorridos do fato primeiro. Acontece que a coisa está ficando cada hora mais grave.
Quinta-feira passada, o Google apagou do Orkut praticamente todos os perfis da mediação da comunidade Geraldo Alckmin Prefeito e das outras comunidades de candidatos a prefeito ligados a ela, que era maior. Com isso, todos os textos (e foram muitos, feitos ao longo de mais de um ano) dos mediadores foram excluídos.
Nenhuma satisfação nos foi dada, mas nossas suspeitas, óbvio, recaíram na hipótese de terem sido denúncias oriundas do “lado das trevas".
Hoje, a comunidade do Alckmin foi deletada, inteira. Seis anos de debates apagados, cortados, excluídos. Debates e informações arquivadas que usávamos também como referência em outros debates, como fonte de informação (havia muitos textos seus lá, inclusive) foram para o beleléu (tomara, tomara!, que tenha backup). Agora, perfis e comunidades "do lado de lá" também estão sendo excluídos. Marta, Kassab, enfim, qualquer comunidade ou perfil com o nome de um político que esteja concorrendo neste pleito está indo ou está passível de ir a qualquer momento para o espaço. Emitir opinião de apoio a um candidato no Orkut ficou proibido! E tenho quase certeza que o Orkut não tem culpa, não: estão cumprindo ordem judicial.
(...)
Obviamente, tudo por conta desta resolução ridícula do TSE, que você já comentou há meses atrás:
RESOLUÇÃO 22.718 - INSTRUÇÃO Nº 121 - CLASSE 12ª - BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL.
Relator Ministro Ari Pargendler.
CAPÍTULO IV
DA PROPAGANDA ELEITORAL NA INTERNET
Art. 18. A propaganda eleitoral na Internet somente será permitida na página do candidato destinada exclusivamente à campanha eleitoral.
Por desencargo, acabei de conversar com um professor de Direito Constitucional. Ele confirmou exatamente o que eu já previa: essa resolução do TSE fere o artigo 5º da Constituição, que garante liberdade de expressão, vedado o anonimato (e os IPs, segundo ele, descaracterizam anonimato). Além do quê, meu perfil apagado tinha meu nome e minha foto, ou seja: não havia anonimato. Segundo o professor, era evidente que aquela resolução iria dar problema.
Estamos todos muito chocados, indignados, desalentados, abismados!
Eu não sei o que é que exatamente tem que ser feito. Mas alguma coisa precisa ser feita, E rápido, urgente, urgentíssimo.
Na falta de algo melhor, estou colocando a boca no trombone o quanto (ou enquanto?) posso.
Desculpe o tom, Rei, mas HEEEELPPP, REINALDO, HEEEELPPP!
Publicar Recusar (Daniela • Brasileira Insone) 23:42


Comento
Parece um evento sem importância, não é?, mas, acreditem: vale por um sentença de condenação enquanto a resolução 22.718, esta estrovenga autoritária, com laivos de tirania, estiver em vigor. Vejam lá: sabem o horário eleitoral que começa hoje? Nós pagamos. Sim, as emissoras, na prática, cobram do estado — e fazem muito bem! Como o estado não gera recursos — só consome! —, alguém faz isso: eu, você, o zé mané... Essa gente que trabalha e estuda, que estuda e trabalha. Adiante.

Usam o nosso dinheiro ou para a marquetagem milionária, freqüentemente mentirosa, ou para organizar aquele desfile de zumbis, candidatos de si mesmos, com seus terninhos esturricados, suas gravatas hediondas, seus crânios ameaçadores — o que sempre me faz supor que estão ainda coabitando estágios diversos da civilização. O teste é jogar uma banana... E qual é o nosso poder de interferência naquela porcaria? Zero! Nada! Nenhum! A única maneira que temos de atuar, então, é desligando a televisão. A Justiça Eleitoral pode disciplinar tudo, certo? Só não pode disciplinar a mentira, o engodo, a vigarice, a picaretagem.

E onde é que ela decide ser severa? Justamente no meio de comunicação — porque é o que é a Internet — que permite a participação livre do internauta-eleitor: ele pode opinar, editar coisas, debater, dizer o que pensa. Não, não! Os doutores acham que, assim, é liberdade demais! Eles pretendem ter a nossa tutela. E acreditam piamente que a Constituição e os Códigos Civil e Penal não podem dar conta de eventuais transgressões. Por isso criam leis específicas — e a conseqüência do que nasce viciado no princípio não poderia ser outra: menos liberdade.

Ora, entrem no Youtube para ver a guerra travada entre democratas e republicanos. E quem ousaria dizer a um americano que ele está proibido de expressar sua opinião política na Internet? A Primeira Emenda impede a censura. Ocorre que a Constituição brasileira também! Mas deram um jeito de criar uma portaria que, vejam o escândalo!, na prática, faz da Carta, nesse particular, letra morta.

E notem que não estou me referindo a este candidato ou àquele. Por que os petistas não podem fazer as suas páginas em defesa de Marta Suplicy? Porque os tucanos não podem agir do mesmo modo com Alckmin, e os democratas e simpatizantes de Kassab, a mesma coisa com o seu candidato? Dirá alguém: “Porque a portaria proíbe”. Eu sei que sim. Mas por que, então, a portaria proíbe? Qual é o norte? Qual é o conceito? Qual é o princípio do direito, consagrado na Constituição, que justifica a proibição? Inexiste.

Quando, no governo Sarney, se discutia a então nova Constituição, uma expressão ganhou notoriedade: “Acabar com o entulho autoritário”, referência à legislação da ditadura. Pois bem: vinte anos depois da Carta, já temos o “entulho democrático”, e a portaria 22.718 é parte dele. Ah, claro, foi pensada com a melhor das boas intenções, para garantir "igualdade de condições" na disputa.

Besteira! O que ela tenta é igualar os desiguais. Ninguém criará páginas de afinidade e ou de debates dos candidatos de si mesmos. Mas não vai aí nenhuma injustiça com eles. Não serão criadas porque eles não têm eleitores. É tão simples! É tão óbvio! É tão ridiculamente evidente, que ter de afirmá-lo só dá conta da jequice legiferante de nossos doutores.

Aqui e ali ensaiamos vôos de grandeza; cheios de entusiasmo às vezes, dizemos para nós mesmos: “Ah, agora vai”. Passa o tempo, e lá estamos na rabeira, como se um destino contínuo estivesse sendo tramado e desenhado nas trevas do atraso. Não chega a dar uma certa preguiça moral ter de escrever coisas como essa? Por que os partidos, a OAB e as tais entidades da sociedade civil não se manifestam contra o que é, obviamente, censura? A resposta não é boa: porque a liberdade de expressão ainda não é um valor considerado inegociável e intocável. Sob certas circunstâncias, há quem considere a censura justa, até necessária.

Até que essa porcaria não mude, fazer o quê? Criar de dia e à luz do dia as páginas que o Brasil jeca, bocó, apagará à noite em nome da “igualdade de oportunidades”. Madame Roland, a caminho da guilhotina, teria lamentado os crimes que o terror jacobino cometia "em nome da liberdade". Hoje em dia? “Ah, igualdade, igualdade, quantos crimes se cometem em teu nome!”


Por Reinaldo Azevedo

Monday, August 18, 2008

Pequenos monstros - Folha Online - 18/08/08 - João Pereira Coutinho

Confesso: tenho assistido aos Jogos Olímpicos. A culpa não é minha. A culpa é da diferença horária: quando vou para a cama, Pequim está acordado. Deitado no leito, com a tv ligada, acompanho os exercícios. E a insônia vem a seguir.

Insônia por que? Por causa dos atletas chineses. Nada tenho contra chineses. Mas é difícil resistir ao rosto dessa gente. Americanos, russos, europeus, brasileiros - tudo gente normal, com as alegrias e tristezas de gente normal. Mas os chineses são outra história: o rosto exibe uma tensão e uma infelicidade que não se encontram nos outros. E quando falham, isso não representa uma derrota para os atletas. Representa uma tragédia de contornos apocalípticos. Como explicar o fenômeno?

Infelizmente, com política. Os Jogos não são mero desporto para a China; são uma forma do regime mostrar superioridade perante o mundo (tradução: perante os EUA), vencendo mais medalhas e apresentando uma organização imaculada, onde o fogo de artifício é gerado por computador e crianças inestéticas são dubladas por rostos mais fotogênicos. Um atleta chinês, quando entra em cena, está em guerra diplomática. Perder é morrer.

Mas existe uma razão adicional e pessoal: há trinta anos que a China persiste na sua política do filho único como forma de limitar a explosão demográfica. E essa política tem um preço: quando os casais têm um único filho, a pressão e as expectativas de sucesso aumentam, esmagando os desgraçados. A China criou uma juventude admirável: pequenos monstros que jogam a existência, sua e dos progenitores, em cada prova desportiva ou académica.

A revista "Psychology Today" relembrou recentemente alguns números a respeito. Números que arrepiam. Anualmente, as universidades chinesas produzem 4 milhões de diplomados. Mas a China, apesar do boom económico, apenas consegue absorver menos de metade. O desemprego é o caminho para a maioria, isso numa cultura que nunca tolerou pacificamente o fracasso.

Moral da história? Para começar, o suicídio é a primeira causa de morte entre os chineses mais jovens (entre os 20-35 anos); e só entre os universitários, 25% têm recorrentes pensamentos suicidas (nos EUA, por exemplo, só 6%). Conta a revista que a China lidera os problemas psiquiátricos entre crianças e adolescentes, com 30 milhões a necessitar de acompanhamento psicológico, que aliás não existe: uma das heranças perversas da tirania de Mao foi percepcionar os problemas psicológicos como "anti-socialistas", enviando os "reacionários" problemáticos para campos de trabalho.

Sim, o Brasil pode lamentar as medalhas perdidas. Mas existe um prémio de consolação: os jovens brasileiros entram e saem da China com a cabeça intacta. A sanidade vale ouro.

João Pereira Coutinho, 32, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Ed. Quasi), publicado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

E-mail: jpcoutinho@folha.com.br
Site: http://www.jpcoutinho.com

Friday, August 15, 2008

Petróleo, delinqüência ideológica e 2010 - Blog do Reinaldo Azevedo - 15/08/08

“O que é que nós vamos fazer com esse petróleo? Vender pura e simplesmente? Quem quiser vem tirar aqui petróleo, vem e pode levar quanto quiser que isso aqui... Não, Deus não nos deu isso para que a gente continue fazendo burrice. Deus fez um sinal pra nós, mais uma chance para o Brasil, mais uma chance”.

Sempre que a mistificação, a imprecisão, o populismo e o misticismo rasteiro se juntam, não duvidem: é Lula falando. Acima, sem dúvida, temos uma de suas falas mais típicas. Ele está se referindo ao petróleo que, estima-se, está na camada pré-sal. Quem foi que disse que qualquer um pode chegar aqui e meter a mão no nosso petróleo? Por que Lula emprega o verbo “continue”? Hoje em dia, por acaso, estamos dando petróleo de graça aos estrangeiros? Quanto ao sinal de Deus, dizer o quê? O do Velho Testamento costumava ser um pouco entrão, chegado a algumas manifestações performáticas. O do Novo é bem discreto. Não sai falando com qualquer um: Jesus, Paulo e olhe lá... Duvido que se ocupe de emitir sinais para Lula – ainda mais sobre petróleo, quase um monopólio de Alá...

Ah, dá para levar a sério a fala? Não dá! Acima, vai um apanhado formidável de bobagens para justificar a mudança radical na lei do petróleo. O governo já havia trapaceado quando excluiu alguns poços da área de licitação, sob o pretexto de que, agora, o risco das empresas privadas é menor. Se é menor, que se renegociem os ganhos, mas mudar a regra é coisa de picareta. Ora, como foi que a maioria da imprensa brasileira recebeu a coisa? Com simpatia! “Ah, muito justo!” Pois é. Agora, fala-se numa nova lei e numa estatal, que cuidaria apenas do pré-sal.

Mas por que não a Petrobras? As razões do governo vieram na manchete de domingo passado da Folha. “Ah, não se pode ter uma Petrobrás muito forte. A PDVESA venezuelana tornou-se golpista”. Mas por que a nova empresa estaria livre desse risco? Eles explicam: porque ela será puramente estatal. O defeito da Petrobrás, vejam só, é que é uma empresa de capital misto, com presença estrangeira.

Eleição
Lula e os petistas sabem que estão violando regras de mercado e o bom senso. Mas atenção! Está em curso outra coisa. O petróleo do pré-sal – por enquanto, uma estimativa – já é matéria de campanha eleitoral. No discurso de Lula, estamos nadando em petróleo, e os estrangeiros estão de olho nas nossas riquezas. Ele alimenta, assim, um dos mitos mais caros dos polÍticos e dos partidos de corte populista-autoritários: o mal que vem de fora para explorar as riquezas nativas.

Sim, claro, o PT convive com a economia de mercado porque sabe que não tem escolha. E muitos petistas acharam a idéia excelente, porque a corretagem lhes enche as burras. Mas, se puder escolher, o partido prefere a economia estatal. O governo quer mesmo uma nova empresa. Mas não é só isso: Lula está tentando empurrar o debate para uma polarização, em que ele e seu partido aparecem como promootres (e beneficiários) de uma reedição de “O Petróleo É Nosso”. Quem não aderir à proposta estúpida de criação de uma nova estatal estaria militando contra as riquezas nacionais.

"Riquezas nacionais” é um botão quente que o PT aperta volta e meia. No segundo turno das eleições de 2006, vocês se lembram, o partido pôs para circular a mentira de que Alckmin, se eleito, privatizaria a Petrobrás e o Banco do Brasil. Não, infelizmente, se eleito, ele não faria isso. Aliás, infelizmente, pouco importa o eleito, ninguém fará isso. Os brasileiros têm um grande orgulho do quanto a Petrobrás torna a sua vida melhor...

Dinheiro para educação
O pacote eleitoral de 2010 não vem apenas na criação de uma nova estatal, mas também na bobagem de se reservar parte do dinheiro para investimento em educação – ou, mais amplamente, no social. Ora, pergunto outra vez: quem se atreverá a ser contra?

Leiam o que Lula disse: “É preciso que a gente aproveite este momento e tente discutir como é que nós vamos utilizar este petróleo, quem é que vai explorar esse petróleo. Se o lucro vai ficar apenas para uma empresa, para dez empresas ou parte desse lucro vai ficar para fazer as reparações históricas que se cometeu neste país”.

Quem foi que disse que os lucros do petróleo que extraímos hoje fica com uma empresa – ou dez empresas? Trata-se de uma mentira grosseira. Pra começo de conversa, a Petrobras paga quase R$ 20 bilhões de impostos federais. Mais: empresas, de petróleo ou de esterco, geram emprego, renda, ajudam a enriquecer o país. Desde quando carimbar verba serve como certeza de que se melhora o serviço social? A saúde e a educação deixam claro que as coisas não são assim tão simples.

Lula está lançando as bases da campanha eleitoral petista de 2010. O petróleo do pré-sal não é coisa para o seu mandato. Talvez não seja ainda, de modo significativo, nem para o próximo presidente. Mas a questão certamente rende dividendos eleitorais imediatos.

Deus está fora dessa jogada. Não se ocupa dessas besteiras. Não fosse assim, Ele certamente impediria Lula de criar uma nova estatal e de quebrar contratos. Sociedades assim terminam vítimas do capeta.


Por Reinaldo Azevedo

Tuesday, August 12, 2008

A GUERRA E A IMPOSTURA - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/08/08

Os jornais ocidentais, os nossos inclusive, se derramam em análises sobre os motivos estratégicos da ação russa. E, é óbvio, são informações relevantes. Mas nada daquela condenação norteada pelo princípio dito moral que se viu à época da invasão do Iraque pelos Estados Unidos. E olhem que o embaixador russo na Otan já deixou claro: segundo ele, Saakashvili, presidente eleito da Geórgia, é “um criminoso de guerra” com quem “não é possível trabalhar”. Vale dizer: os russos decidiram derrubar Saakashvili. E ponto. O Ocidente detesta o imperialismo que o protege, mas é indiferente, leniente e até simpático com, vamos dizer, o imperialismo alheio.

E olhem a quantos rituais se submeteram os Estados Unidos antes de tomar a decisão — exercício que os russos diriam procrastinador e que só serviu para aumentar a resistência mundial à ação no Iraque. Com eles lá, a coisa é diferente. Não tem esse papo de tentar obter aval da ONU para coisa nenhuma. O negócio é ocupar. OS RUSSOS NÃO CARREGARÃO A PECHA DE QUE INVADIRAM A GEÓRGIA CONTRA O VOTO DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU. AH, SIM: É MENTIRA QUE TENHA HAVIDO UM VOTO CONTRA A AÇÃO AMERICANA NO IRAQUE. É SÓ MAIS UMA MENTIRA INFLUENTE. O mundo pede cessar-fogo, e eles não estão nem aí. À diferença de Saddam Hussein dos primeiros dias da invasão — que anunciava a iminente derrota do inimigo —, Saakashvili pediu trégua. Negada evidentemente.

Vladimir Putin, saído da polícia secreta do regime comunista, usa o conflito para demonstrar, agora pela via militar, a restauração da Rússia — herdeira do império soviético — como a condestável de grandes cercanias, cuja fronteira é a Europa. E ninguém vai contestá-lo. Editorial de um jornal brasileiro chega a dizer, hoje, que Bush não tem moral para censurar Putin... Entenderam? O presidente americano apanha quando os Estados Unidos invadem o Iraque e quando a Rússia invade a Geórgia.

Recebi a respeito alguns comentários da boçalidade militante me indagando: “Ué, se você defendeu a invasão do Iraque, por que é contra agora a invasão da Geórgia?” Epa! Eles é que têm de responder, não eu: se foram contrários à ação no Iraque, por que não vêem qualquer problema na truculência russa?” E sabem por que a pergunta cabe a eles, não a mim?

Porque eu, de fato, achava que Saddam Hussein devia ser derrubado — era questão de tempo para o Iraque virar uma incubadora do terror. Eu estava entre aqueles que o tinham como uma ameaça à estabilidade ocidental (ver arquivo para encontrar mais motivos). Ademais, era um ditador, que se impôs por intermédio de métodos de brutalidade inédita. Esses motivos eram, para mim, fortes a ponto de justificar a transgressão do princípio da não-ingerência, em nome do qual, SUPOSTAMENTE, falavam os que eram contra a guerra. Mas é o caso da Geórgia?

O que se tem é o seguinte: a condenação da ação americana no Iraque, revela-se agora, era de fato pacifista em manifestações não mais do que periféricas. Essencialmente, era só exercício de antiamericanismo barato. Ou se faria, agora, gritaria semelhante no caso da Geórgia. Estamos diante de uma impostura formidável no Brasil e em toda parte.


Por Reinaldo Azevedo

MEU DESAFIO A LULA, AOS PETISTAS E AO JORNALISMO VIGARISTA - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/08/08

Vocês acham que Daniel Dantas gosta mais de Diogo e de mim ou de Lula? Mais de nós dois ou do subjornalista achacador? Com poder de decisão, eu lhe daria um tombo de R$ 2 bilhões, vetando a fusão da Brasil Telecom com a Oi. Se o achacador decidisse, ele lhe daria a grana, já que passou de crítico a apoiador da fusão. É o chamado princípio da boca do caixa. Lula, que decide de fato, dará a bufunfa ao banqueiro. E seria eu a apoiar Dantas? Diogo? Ora, com os diabos!!! Por que não o atingem onde mais dói — na grana? Alguém já se ocupou de fazer essa pergunta?

Eu tenho uma hipótese: porque Dantas, já está claro, não seria o único a lucrar com a operação. Segundo a Polícia Federal, o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh pediu US$ 260 milhões para tornar a operação viável. Acontece que Greenhalgh por Greenhalgh não existe. O que existe é o militante do PT. É isso o que ele é. O advogado só aceita o papel de vilão solitário porque é um militante. Deixa-se enxovalhar para preservar seu partido. E os petistas, muito corajosos, fugiram.

Quer dizer que eu, que defendo que se corte o leite de pata de R$ 2 bilhões para Dantas — e basta, para tanto, que se siga a lei —, sou suspeito, e os vagabundos que silenciam diante da operação são os moralistas? E aí vêm alguns leitores me cobrar que, sob o pretexto de caçar Dantas, eu condescenda com as transgressões ao estado de direito? Não! Mas “não” mesmo!!! Para botar o homem na cadeia, vale dar por normal o fim do sigilo telefônico, o triunfo da Republica dos Tarados? Pra cima de mim? Não! Eu teria de ser outro. Assim com sou, vão para o diabo os que ainda não entenderam a questão.

Cinqüenta e nove mil horas de gravação nesta operação ridícula, de nome igualmente ridículo: Satiagraha? Cinqüenta e nove mil? Com uma seleção bem feita de diálogos, transforma-se Cristo em bandido e bandido em Jesus Cristo. Se me deixarem gravar e editar os telefonemas de Lula por um ano, eu o transformo num intelectual superior a Paulo Coelho — que se acha um pouco acima de Antonio Candido (ver coluna do Diogo) — todos lhe imputávamos ambições maiores... Ah, Dantas não é o meu exemplo de Nazareno, está posto. Mas daí a transformá-lo no satã de plantão? É ridículo quando o governo está prestes a mudar uma lei só para tornar legal um negócio que o beneficia diretamente. Mais: negócio feito com empréstimo do BNDES, embora ainda seja ilegal.

Dantas como o bandidão, o terrível, o que está sempre pervertendo os inocentes, é uma fantasia infantil: coisa para trouxas. Bastaria um pouco de vergonha na cara ao governo para, vejam que coisa!, manter uma lei — em vez de promover uma escancarada mudança ad hoc. Ah, mas ele não preserva, não: vai mudar. Vai mudar porque todos eles ganham.

Não! Se depender de mim, os aloprados do direito achado na rua, da polícia achada no crime e do jornalismo achado na vigarice e no achaque não levam um milímetro das garantias democráticas. Nem que seja para prender o capeta. Porque a verdadeira arma contra o capeta é a democracia.

Fica o desafio a Lula: prove, presidente, que Vossa Excelência e seu partido são realmente adversários do terrível Daniel Dantas e vetem a fusão da Brasil Telecom com a Oi. Quero ver.
* Mas que fique claro, hein: ainda assim não lhes cederia licenças ditatoriais.


Por Reinaldo Azevedo

OS FASCISTÓIDES: OU A MENTIRA SOBRE OS “POBRES ALGEMADOS” - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/08/08

Não me espanta que o fascismo, brutal como era, estúpido como era, tenha sido, durante um largo período, um regime popular onde quer que tenha prosperado — é uma diferença em relação ao comunismo, sempre imposto na base da porrada. É como entregar aos açougueiros a tarefa de organizar o pensamento, segundo aquela que é sua expertise. Esse debate sobre as algemas, por exemplo, evidencia bem o caso. Candidamente, admite-se que havia abusos, mas depois se sustenta que o tema só se tornou influente por causa dos “bacanas” algemados.

Ora, fosse assim, seria um serviço que eles estariam prestando à causa dos direitos. Acontece que a observação é torta, feita pelo avesso. Mais: é falsa. Está ainda vincada pelo fantasma de um fantasma: a luta de classes, que serviu tão bem aos totalitarismos fascista e comunista. Devemos ser o único país do mundo com alguma importância em que essa bobagem ainda determina as políticas públicas e o comportamento das autoridades. Explico.

Algemar “os ricos”, diante das câmeras de TV, tem um propósito supostamente ético, igualitarista e educativo: demonstrar que não se faz isso apenas com os pobres. Mas esperem: quais são “os pobres” que aparecem algemados na TV? Na fantasia estúpida da esquerdopatia e do jornalismo populista, são as vítimas raquíticas de todas as perversidades sociais. Mentira! Quase sempre é gente que cometeu crimes contra a pessoa, atos violentos, assaltos, muitos deles seguidos de morte — ou são traficantes. Ora, basta ver o perfil dos presos que estão nas penitenciárias e quais crimes cometeram. Creio que foram algemados quando detidos. E elas lhes ficaram, sim, muito bem. Algema é para evitar a reação.

“Ah, Reinaldo, eu acho que tanto o assaltante quanto o Pitta merecem algemas”. Você pode achar, leitor, porque você vê nelas uma primeira forma de punição. Mas esta, lamento, deve derivar da condenação. No dia em que você condescender com a pena antecipada, qualquer que seja ela, não estará tirando um direito do bandido, mas renunciando a um direito que também é seu. Chega a ser escandaloso que isso precise ser dito, se querem saber.

O sonolento Pitta de pijama, o Nahas preso em sua casa de madrugada, o Daniel Dantas buscado em seu apartamento, bem, nenhum deles demandava as algemas. Ou alguém imagina o Nahas correndo pelo Jardim Europa, disparando tiros contra a PF? Ou Dantas, em desabalada carreira pela Vieira Souto, afrontando os homens da lei? Ora... Assaltantes, traficantes, assassinos etc não são algemados porque são pobres, mas porque são violentos e representam risco imediato aos próprios agentes do estado que os estão prendendo. E não são violentos porque têm origem humilde — ou o Brasil seria o inferno na terra —, mas porque a atividade a que se dedicam exige esse comportamento. Usar algemas como critério de igualdade social é mera tática fascistóide, sim. E é preciso ser um pilantra intelectual para meter aí a conversa mole do arranca-rabo de classes.

Essa sociologia vagabunda impede, também, uma ação mais firme contra o crime organizado nos morros e nas periferias porque se parte do princípio de que, sem resolver os problemas da pobreza, não se consegue levar o estado de direito às área sitiadas pelo narcotráfico, o que é uma besteira, além de ser de uma crueldade gigantesca com os pobres que não são criminosos — a esmagadora maioria.

Eleger meia-dúzia de bodes expiatórios para aplicar um regime de força mal esconde, até mesmo na justificativa de quem defende a ação, o propósito de, então, dar aos ricos o mesmo tratamento ilegal e bruto que estaria sendo dispensado aos “pobres”. Ainda que isso fosse verdade, apenas se estaria generalizando o erro. Mas, de fato, isso é, como regra, uma mentira. Ademais, tanto melhor agora, não é? Quando ocorrer o abuso, o agente do estado poderá ser punido.

E os “pobres profissionais”?
Eu não poderia encerrar este texto sem observar o óbvio, o uLULAnte. Pode até ser que haja um pobre ou outro humilhado injustamente pelas algemas (agora ele tem uma decisão do Supremo a seu favor). Mas uma coisa é certa: nunca vi algema em “pobre profissional”, em “pobre militante”, em “pobre engajado”. Ou alguém tem notícia de invasores do MST com algemas nos braços? Ou alguém já viu algemas contendo esses vândalos que depredam laboratórios de empresas e de universidades?

Querer brincar de luta de classes para tratar desse assunto é coisa de picaretas, de vigaristas morais, de trapaceiros que trocaram o pensamento pelo populismo rasteiro.


Por Reinaldo Azevedo

Monday, August 11, 2008

TARSO JÁ TEM UM CULPADO PELO ENROSCO COM OS MILITARES: EU - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/08/08

Por Elvira Lobato, na Folha. Volto depois:
Diante da informação de que os comandantes das Forças Armadas querem uma manifestação pública do presidente Lula de que não haverá revisão da Lei da Anistia -com vistas à punição de militares que participaram de tortura no regime militar-, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem, no Rio, que a revisão da lei é uma ""falsa polêmica".
Ele insiste que não propôs a revisão da Lei da Anistia, durante a audiência sobre crime de tortura realizada pelos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, há dez dias. Na audiência, Genro e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) defenderam a punição de agentes públicos que participaram de tortura na ditadura militar.
Durante ato da campanha do candidato do PT à prefeitura do Rio, Alessandro Molon, ontem, em Ipanema, Genro disse que nem ele e nem Vannuchi pediram a revisão da Lei da Anistia. ""Defendemos que tortura não é crime político. Essa interpretação de que queremos colocar militares nos bancos dos réus, que não sei de onde veio, transitou por blogs, espalhou-se pela imprensa e provocou uma situação de desconforto em determinados setores da reserva. A abertura de processos contra militares não foi tratada na audiência e não é da nossa competência", disse.
Assinante lê mais aqui

Comento
O ministro Tarso Genro, de fato, está se tornando um pândego. Agora, quem diria?, é tudo culpa dos blogs — reparem que ele resolveu deixar de fora os jornais, as revistas, as TVS... Embarcando no equívoco, aposta que os blogs são coisas, digamos, menos sólidas, mais difusas... E mais facilmente o dito poderia passar pelo não-dito. Tiro n’água, ministro. Com as páginas eletrônicas, a evidência de uma besteira não precisa esperar pelo dia seguinte.

Pediu a revisão da Lei de Anistia, sim, senhor! Pouco importa a roupagem que tenha tentado dar à coisa. Tanto pediu que foi explícito ao dizer que nem o estado de exceção autorizava a tortura, logo... Tanto pediu que chegou até a receber o apoio de alguns na própria imprensa. Coisa feia! Não leu O Príncipe nem O Pequeno Príncipe. A raposinha diz lá o famoso “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo (aqueles) que cativas”. E agora? Bom, sugiro que os que encamparam a tese saiam marchando... Tarso está pulando fora. Culpa dos blogs!

Parabéns a todos vocês!



Por Reinaldo Azevedo

ANISTIA, SINCERIDADE E BOÇALIDADE - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/08/0/











Incrível como besteiras são ditas com a solenidade de que só a ignorância é capaz. Uma delas, notável, afirma que a anistia não se aplica ao crime de tortura porque, afinal, “foi cometida por agentes do estado”, enquanto as ações de terroristas, carinhosamente chamado de “militantes”, seriam, sei lá, agentes privados talvez. E os que propagam tal assertiva se dão por satisfeitos. Acham que descobriram a pólvora da lógica.

Pra começo de conversa, não há uma lei universal sobre o tema. Até parece que existe, digamos, a Anistia exemplar, que repousa na caverna, de que as leis adotadas pelos países deveriam buscar a perfeita reprodução. Isso é empulhação ideológica, claro. Mas, acima de tudo, é burrice mesmo, para a qual o jornalismo, infelizmente, virou pasto fértil.

Ora, uma “lei de anistia” qualquer será a possível nas circunstâncias dadas. O Império teve as suas, os vários períodos da República também. Fiquemos com a que está em debate, a de 1979 — mal acredito que isso esteja sendo debatido 29 anos depois... No pacto que resultou nessa lei estava claro que “os dois lados” seriam anistiados, de forma “ampla, geral e irrestrita”. Essa reivindicação era das esquerdas e da oposição, como se vê acima (ver legendas no fim do texto). E nem se definiram os crimes — seriam os “políticos” e “conexos”. E ponto.

Não, não imaginem um “movimento de massa” em defesa da causa porque não houve. Eu sei porque integrei essa “luta”. Se estivesse claro, implícito ou sugerido o risco de pegar os extremistas de um dos lados apenas, a lei não teria saído em 1979 — ou teria sido outra, excluindo-se, por exemplo, os crimes de morte e as ações terroristas, como queriam os militares. Falar agora em rever o que foi obra de uma engenharia institucional muito bem trabalhada por representantes do governo militar e da oposição cheira a uma espécie de golpe no acordo, passadas três décadas.

Leis não vagam no éter. São construções humanas. Quando Tarso e seus porta-vozes na imprensa falam coisas como “tortura é crime comum”, são obrigados a considerar, nessa perspectiva oportunista, que assaltar banco também é crime comum, que assassinar um policial com a coronha de um fuzil também é crime comum, que praticar seqüestros também é crime comum... Ou alguém acha que há uma política, fora da perspectiva terrorista, que admite tais ações? E vejam: se é crime comum, então já prescreveu, como se observou neste blog logo de saída.

A engenharia institucional de 1979 conseguiu chegar àquela lei. Mas as forças políticas de agora podem decidir outra coisa? Podem. A questão é saber se vão conseguir, se o país ganha com isso e se ele será pacificado. Há quase 30 anos, conseguimos dar curso a uma transição tranqüila, sem sangue adicional, da ditadura para a democracia. Teremos a paz?

E que se note: a responsabilidade civil do estado pelos mortos e desaparecidos que estavam sob sua tutela foi reconhecida na forma de pagamento de indenizações e pensões. E com tal generosidade, que muitos vagabundos morais entraram na fila para bater a carteira dos brasileiros. Duvido que haja na história mundial tamanha desproporção entre mortos — 324 — e indenizados: quase 14 mil até agora, havendo ainda 30 mil casos à espera da iluminada decisão da tal comissão. Qualquer semelhança com oportunismo não será mera coincidência.

A conversa de Tarso não está presa a nenhuma determinação lógica, histórica e muito menos universalista. Imaginem se países que foram comunistas tivessem escolhido o caminho da revanche — mas eles preferiram, digamos, a anistia ampla, geral e irrestrita....

O que Tarso conseguiu, até agora, foi criar a incômoda impressão de que o país vive sob tutela militar: ele queria, os militares rejeitaram, então não se faz. E não há tutela nenhuma. Apenas não há regime que consiga, sem grandes conflitos, mandar para o patíbulo um setor da sociedade que, ademais, conta com a aprovação popular.

Só um homem sincero?
A proposta de Tarso é irresponsável. Tem o mérito de falar o que pensa? Mãe Dinah pode falar tudo o que pensa. O Maguila pode falar tudo o que pensa. O Paulo Coelho pode falar tudo o que pensa. Até os intelectuais menores do que Coelho (ver coluna do Diogo nesta semana) podem falar tudo o que pensam. E eles falam!!! Um ministro da Justiça tem de falar o necessário para cumprir adequadamente a sua tarefa. Um ministro da Justiça pode até mentir — tendo como referência as suas convicções, não os fatos — se isso for bom para o país.

Esse negócio de “sinceridade” é pra casar. E, ainda assim, sem exageros. Darei, para variar, um exemplo tendo as moças como referência. Você sabe que ele adorou, leitora, aquela calça que você achou meio cafona. Os dois estão prontos para a festa. Aí o seu bonitão (nem tanto no dia, "com esta calça"...) pergunta:
— Ficou legal?
Diga, minha cara: pra que ser sincera? Azeda a festa, e há o risco de ele continuar chateado quando chegar a hora de tirar a calça.

Não dá para levar a sério esses boçais.
*
AS REIVINDICAÇÕES DAS ESQUERDAS EM FATOS (E FOTOS), A PARTIR DO ALTO:
1 – Manifestação na Sé no dia 21 de agosto de 1979, promovida pelo Comitê de Anistia e por representantes da oposição. Nota: aquela pomba branca, de fato, pousou na faixa. Eu vi. (Foto de Ricardo Malta/NImagens)
2 - Passeata feita no centro de São Paulo no mesmo dia 21 (Foto de Ricardo Malta/NImagens)
3 – Cartaz em favor da anistia ampla, geral e irrestrita com presos em greve de fome em favor da lei.
4 - Cartaz sobre o 3º Encontro Nacional das Entidades de Anistia (acervo Iconographia
)


Por Reinaldo Azevedo

Como criar estatais e influenciar pessoas. Ou Estatismo, mercodofoia e pilantragem intelectual - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/08/08



Leiam atentamente o trecho abaixo. Volto depois:

Por Valdo Cruz, na Folha:
O governo Lula ainda não tem uma posição final sobre as novas regras para exploração dos novos megacampos de petróleo na costa brasileira, mas decidiu que não deve entregar para a Petrobras todas as áreas da chamada camada pré-sal ainda não leiloadas.
Dois são os motivos:
1) A Petrobras é uma empresa mista, com participação de capital privado; e 2) a estatal se transformaria numa empresa gigantesca, com poderes demais, podendo representar riscos no futuro, como já ocorreu na Venezuela, onde diretores da estatal PDVSA participaram de articulações golpistas.
"Hoje, a Petrobras já é um outro país. Felizmente, um país amigo", afirma, pedindo reserva, um ministro que acompanha os estudos ao falar sobre as restrições do governo em tornar a estatal poderosa demais, "maior do que o próprio Estado brasileiro".
Nas reuniões sobre o tema, por exemplo, foi destacado que esse risco não existe hoje e que o atual presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, é totalmente afinado com o governo. O risco estaria no médio e no longo prazos.
Nessas discussões, é citada a tentativa de golpe em 2002 contra o presidente Hugo Chávez, quando executivos da PDVSA foram acusados de participar das articulações para beneficiar grupos estrangeiros que atuam no setor de petróleo.
Daí que a proposta que conta com mais simpatia no governo é a criação de uma empresa puramente estatal para gerir as áreas dos megacampos de petróleo localizadas na camada pré-sal, que contrataria outras petrolíferas para a exploração, seguindo o modelo norueguês.
Por sinal, o mesmo tipo de preocupação de não transformar a Petrobras em "um Estado dentro do Estado", segundo palavras de ministros envolvidos no assunto, consta em relatório do governo norueguês ao montar seu modelo. Lá, duas estatais operam no setor de petróleo. Uma, criada em 2001, ficou com a gestão do patrimônio, a Petroro. A outra, Statoil, cuida da exploração.
Ao defender esse sistema, um assessor que participa das discussões diz que nele a sociedade tem mais controle sobre seu patrimônio; já uma empresa de capital aberto não seria a melhor agente para controlar esses recursos.
Apesar das restrições, o discurso no Planalto é que serão tomadas medidas para garantir um "grande papel" à Petrobras no novo modelo de exploração na camada pré-sal, que contém óleo mais leve e mais lucrativo.
Nos planos do governo, a estatal se tornaria a grande parceira da União no pré-sal. Cálculos provisórios indicam, por exemplo, que ela já deteria 25% das reservas por conta das concessões já arrematadas pela empresa na região.
A maior parte das reservas pré-sal ainda não foi leiloada, e o potencial real ainda não é conhecido, o que deve ocorrer apenas no final de 2009. Os leilões dessas áreas só serão retomados quando o governo definir as novas regras para exploração desse tipo de petróleo.
Assinante lê mais aqui

Comento
A manchete da Folha é esta: “Petrobras não terá monopólio de campo”. Li só o título e pensei: “Oba!!!” Aí li o título da reportagem propriamente dita: “Governo teme força da Petrobras”. E comentei em silêncio: “Que estranho!” Aí fui ler a reportagem e constatei: “Que bando de picaretas!”.

Bem, vamos ver. Eu nunca achei que a Petrobras devesse ter o monopólio do que quer que seja — do pré-sal, do pós-sol, dos nossos destinos... Em suma: monopólio é uma porcaria. E o governo, vejam vocês, finge-se de preocupado também e consegue criar uma teoria — supostamente antimonopolista — para justificar a criação de mais uma estatal. É formidável. É o estado da arte da impostura!

E qual seria o mal da Petrobras ou que risco ela comporta? Ele está na sua burocracia inextrincável? Está no monopólio que, na prática, ela já detém? Está no fato de a empresa ter o que eu chamaria de eficiência formidável da caixa preta? Nâo! O mal da Petrobras, vejam lá, é sua parte privada, entendem? Afinal, ela é uma empresa de economia mista, e isso parece ser coisa muito perigosa. Por algum estranho caminho, esse lado privado foi associado ao suposto golpismo da PDVSA — que, não obstante, é estatal...

Jamais vi uma justificativa tão picareta, tão asnal, para a criação de uma nova estatal. E reitero: notem que a coisa está sendo vendida como se este fosse um governo que atacasse monopólios. É de dar vergonha. Veja quadro no alto deste post. Os dados ilustram uma reportagem de Marcio Aith e Giuliano Guandalini, publicada na edição nº 2024 de VEJA, em 5 de setembro do ano passado (íntegra aqui — link aberto).



Por Reinaldo Azevedo

GUERRA NA GEÓRGIA E DEMOCRACIA COMO UM PASSADISMO - Blog do Reinaldo Azevedo - 11/08/08

Dei uma passeadinha pela chamada, como é mesmo?, “mídia ocidental”... Nestes dias, meus caros, nada melhor do que ser um quase-autocrata russo ou, evidentemente, um facinoroso membro da cúpula do Partido Comunista Chinês. Ninguém enche o seu saco. Ninguém vai importuná-lo com cláusulas democráticas. Ninguém vai nem mesmo perguntar se, bem..., você comunicou ao menos à ONU a invasão de um país estrangeiro. Nada!!! Se os EUA ocupassem, sei lá, alguma ilhota do Caribe onde só prosperassem macacos e bananas, o mundo viria abaixo, como é natural. Mas sobre a ação da Rússia contra a Geórgia? Tudo muito tímido, tudo muito modesto.

Ao contrário até. Está em curso um processo de progressiva “banditização” do presidente da Geórgia, Mikhail Saakshavili, que não é mesmo flor que se cheire. Como não são, ademais, os separatistas. A Ossétia do Sul gozava de uma relativa autonomia. Agora, na prática, os que optaram por ações armadas reivindicam a anexação à Ossétia do Norte, que pertence à Rússia. Sim, mais um daqueles conflitos antigos, mitigados ou esmagados durante a tirania comunista, e que vieram à tona com a derrocada do regime. Em certas regiões, eles ainda estão acertando contas dos séculos 12, 13... A Rússia, com uma Chechênia nas costas, acusa a Geórgia de brutalidade no combate aos separatistas. Fato.

O problema é que a Rússia invadiu a Geórgia sem aviso prévio, sem qualquer debate na ONU, sem receio, sem o menor constrangimento ou temor. Que lhe importa a censura mundial, modestíssima? A Quarta Frota passeando pelo Atlântico açula a imaginação dos otários, que vêem nisso uma grave ameaça do “Império Americano”. A Rússia trata a Geórgia como quintal — porque, de fato, ainda pensa ou na Grande Rússia dos czares ou na URSS do czarismo comunista —, e isso parece, assim, tão natural...

Difícil mesmo é ser presidente de um país democrático, especialmente quando lhe cabe, como é o caso dos Estados Unidos, responder pela segurança de boa parte do mundo ocidental, além da sua própria. Leio aqui e ali inflamados artigos sobre as transgressões cometidas pelos EUA em Guantánamo — e não que considere aquela a melhor escolha dos americanos —, mas quase nada sobre o estado policial chinês, por exemplo. O que há é uma espécie de encantamento por uma tirania que funciona tão bem, de tão notáveis resultados... Se formos considerar população e território hoje sob influência das decisões chinesas e russas, é perfeitamente cabível concluir que o autoritarismo está em alta.

Enquanto escrevo, noite de sábado, há um pedido de trégua da Geórgia, recusado por Vladimir Putin, o verdadeiro czar do país, que exige, primeiro, a retirada dos soldados georgianos da região. A União Européia e a ONU conclamaram Moscou a aceitar a oferta. Mas quê... A ação russa não se limitou à intervenção na Ossétia do Sul. Bombardeou áreas estratégicas em outras cidades da Geórgia, com vítimas civis. Esse tipo de “intervenção humanista” é, vamos dizer, uma tradição russa...

Volta e meia, um tonto ou outro me enviam comentários afirmando que ainda sou anticomunista, que isso é passado etc e tal. Huuummm, tá, ainda que fosse mesmo assim, faço, é fato, escolhas sobre o passado, o presente e o futuro. Por exemplo: há mitos anos, eu sou mais Cícero do que César, embora eu não inveje o fim de nenhum deles, hehe... Digamos que o meu anticomunismo fosse mesmo passadista, o fato é que a minha perspectiva afirmativa vale mais do que a negativa: eu quero é economia de mercado com plena vigência do estado democrático e de direito. Só a primeira parte não serve.

As tiranias se modernizaram, e a defesa da democracia plena corre o risco, hoje em dia, de ser ainda mais "passadista" do que dizem ser o anticomunismo.


Por Reinaldo Azevedo

Thursday, August 07, 2008

As MPs e o choro dos congressistas - Site www.e-agora.org.br - 07/08/08

Rolf Kuntz, O Estado de S. Paulo
(07/08/08)


http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080807/not_imp219001,0.php

Não adianta reclamar e choramingar. Os congressistas podem facilmente eliminar o excesso de medidas provisórias (MPs) e conter os abusos do Executivo. Se quiserem, podem limpar a pauta em pouco tempo e eliminar os obstáculos à votação de matérias de peso, como a reforma tributária e a proposta de lei do orçamento. Isso será especialmente importante neste semestre, quando senadores e deputados gastarão boa parte de seu tempo com as eleições municipais. O Congresso tem o poder de recusar qualquer MP editada fora das normas. Sempre teve esse poder, conferido pela Constituição, mas nunca foi capaz de usá-lo como deveria. Seria uma bela novidade se o usasse, agora, para devolver a MP 437, um trambolho assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para criação do Ministério da Pesca.

A conversão da Secretaria da Pesca em ministério não se enquadra em nenhuma das condições previstas para a edição de MPs. Não é um "caso de relevância e urgência" - requisito imposto pelo artigo 62 da Constituição Federal.

Por isso mesmo, sua criação também não poderia envolver a abertura de crédito extraordinário, só permitida "para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública". Se há algo calamitoso, nesse caso, é a decisão de transformar em ministério uma secretaria inútil, com a criação de 260 cargos em comissão.

O presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, classificou como acinte a MP da Pesca. Outros parlamentares também criticaram a iniciativa do presidente da República e denunciaram, mais uma vez, o trancamento da pauta da Câmara. Já há três MPs na fila e mais quatro em breve também poderão emperrar as atividades.

Mas a culpa não é só do Executivo. Nessa matéria, o presidente da República só comete abusos porque não encontra resistência para valer. Pode ouvir muita reclamação, mas isso não basta para impedir a reincidência.

Os parlamentares contribuem duplamente para facilitar os abusos presidenciais. Em primeiro lugar, permitem a tramitação de MPs fora das normas. Pela Constituição, "a deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais". Tem faltado, regularmente, essa filtragem preliminar. Sem essa barreira, os abusos multiplicaram-se, previsivelmente.

Em segundo lugar, os parlamentares têm raramente votado as MPs num prazo razoável. Mesmo aquelas necessárias à formalização do Plano Real foram votadas com muito atraso. Durante anos, MPs com prazo vencido foram renovadas. Em 2001, a Emenda Constitucional nº 32 fixou o prazo de 45 dias para votação. Passado esse prazo, entraria em vigor o regime de urgência e todas as demais votações ficariam suspensas.

Esse quadro revela três fatos teratológicos: 1) os congressistas têm renunciado regularmente à prerrogativa de filtrar as MPs enviadas pelo Executivo; 2) ao aceitar as MPs, os parlamentares implicitamente admitem a urgência e a relevância da matéria, mas em seguida passam a agir como se o assunto não fosse nem relevante nem urgente. Isso facilita a acumulação de MPs não votadas; e 3) a Emenda Constitucional nº 32 foi aprovada, como toda emenda, por um processo complicado. As normas por ela estabelecidas foram consideradas, portanto, razoáveis e necessárias pela maioria dos deputados e senadores. Nesse caso, por que reclamam do trancamento da pauta?

Falta seriedade tanto na discussão do assunto quanto no tratamento das MPs a partir de sua chegada ao Congresso. Os congressistas, no entanto, têm conseguido jogar a maior parte da culpa no Executivo e aparecer como vítimas perante a opinião pública. Até jornalistas políticos veteranos têm entrado nessa conversa, sem levar em conta um fato claríssimo: um ditador poderá fechar um Parlamento pela força, mas só poderá desmoralizá-lo com ajuda dos parlamentares.

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, em abril, o ministro Gilmar Mendes defendeu a adoção de um modelo de MPs mais adequado ao uso racional desse instrumento, para permitir "tanto a condução ágil e eficiente dos governos quanto a atuação independente dos legisladores". Não seria melhor defender, simplesmente, a obediência à Constituição? No Brasil, a solução para o descumprimento de uma lei é a elaboração de outra lei. Só se criou a Lei Maria da Penha porque a Justiça falhou e deixou um sujeito espancar e tentar matar sua mulher.

Rolf Kuntz é jornalista

MILITARES: até que saiu barato - Blog do Reinaldo Azevedo - 07/08/08

Até que a manifestação do Clube Militar não custou ao governo o preço que poderia ter custado, sinal de que os militares, da ativa e da reserva, têm mais juízo do que Tarso Genro, Paulo Vannuchi e a nau dos insensatos que imaginam poder reescrever a história porque, afinal, agora são eles a tomar conta do cartório. Aliás, um dos males das ditaduras, entre muitos, é justamente este: tentar impor as vontades dos vencedores de ocasião. Isso é precisamente o contrário do que se deve fazer na democracia e num regime de liberdades públicas, como o que temos. Assim, causa espécie que dois ministros de estado e algumas entidades que se querem proprietárias da história decidam ignorar o que a sociedade pactuou há 30 anos e que resultou, no que concerne à política, num arranjo muito bem-sucedido.

O evento foi menos estridente do que poderia ter sido, mas foi bastante convincente. Ninguém, a não ser um punhado de sectários e de gente que se tornou profissional da causa, apoiou a iniciativa. Mas Lula permitiu que prosperasse. O tema não começou a ser discutido agora. O Babalorixá o fez à sua maneira: se colasse, tudo bem... Como o caldo engrossou, tirou o time de campo e deixou o Rolando Lero a falar sozinho. Ok. Então sou obrigado a declarar que tenho por Tarso o respeito institucional que Lula eventualmente não tem: o homem é ministro da Justiça. E eu darei a suas palavras, sempre!, o peso que merece ter o que diz alguém na sua posição.

O petismo demonizou o quanto pôde, vocês sabem, os governos civis que vieram antes dele — poupou Sarney a partir de 2003 porque o senador se tornou um aliado importante, fundamental no Congresso. Setores do partido queriam agora fazer a história recuar ainda um pouco mais, sempre refazendo o percurso sob a ótica das verdades eternas do partido.

É uma maluquice? É, sim. Mas, para citar Polônio, em Hamlet, o que já virou um clichê: é uma loucura com método. Tarso tem formação e deformação políticas suficientes para querer construir uma legenda que seja a fonte de onde emanam todas as verdades passadas e presentes e todas as ambições sobre o futuro. Lula é estranho a essa ambição, não compartilha desse esforço? Cascata! É claro que sim. Com menos livros lidos do que o outro, é fato, empenha-se na mesma causa — tanto que permitiu que ela fosse adiante. Mas não é idiota: viu que a questão é muito mais sensível do que supunha inicialmente.

E observem: isso não quer dizer que a democracia brasileira seja tutelada pelos militares. Não! Quer dizer que é tutelada pela Constituição e pelas leis. Agora não custa lembrar: mesmo estas devem traduzir certo consenso e ser sustentáveis. Tarso foi além das suas sandálias. E agora ficou descalço.


Por Reinaldo Azevedo